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CRÍTICA
Coreógrafo relaciona literatura e dança
Borelli provoca com duplos, tensão e peso
Divulgação
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Cena do espetáculo "Metamorfoses", baseado em Kafka |
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Movimentos espásticos,
quebrados, densos, sequenciais: é disso que se faz a
metamorfose corporal do Grupo FAR-15. Inspirado livremente na novela "A Metamorfose", de Franz Kafka (1883-1924), o coreógrafo Sandro Borelli cria duplos e duplos de duplos, num universo próprio,
muito tenso e pesado. O espetáculo teve estréia sexta passada na torrinha das Oficinas Oswald de Andrade -espaço alternativo que não poderia ser
mais apropriado, com sua sugestão de outras torres e porões
kafkianos.
Borelli cria relações entre teatro, literatura e dança, articuladas por tremendas cargas emocionais. Dois registros organizam a coreografia: de um lado a opacidade, o não-dito, que é
também o visceral, ressaltado
na sobreposição de corpos que
se transformam um no outro,
ou no choque entre dois ou
mais corpos; de outro, cenas
limpas, caminhadas circulares,
luz indicando caminhos, movimentos sequenciais repetidos e
ecoados pelos sete bailarinos.
Muitos elementos do texto de
Kafka estão presentes, simbólica ou explicitamente. Mas não
é da alusão direta que o espetáculo tira força, e sim da construção meticulosa da cena,
quer dizer, das metamorfoses
da própria dança.
Aqui, como em outros espetáculos da companhia, o repertório de movimentos ecoa,
muitas vezes, os gestos de Marcos Abranches, um bailarino
com dificuldades motoras.
Seus movimentos espasmódicos são fracionados, ou explodidos por dentro, ganhando
novas dinâmicas e acentos. O
resultado pode ser extraordinário; mas também cria riscos
para quem, como Borelli, resiste a qualquer forma de sentimentalismo.
O fato é que a busca da expressão, em alguns momentos,
arrisca se perder na própria
dramaticidade -como na cena em que Abranches alimenta-se de modo voluntária e involuntariamente descontrolado. Ou na alegoria da baba, que
finaliza o espetáculo.
Uma reserva análoga pode
ser feita à trilha sonora, que se
deixa povoar por convencionalismos eletrônicos, num plano
que nem sempre parece estar à
altura das violências e dilaceramentos da dança. Já a luz cria
um jogo de tensões de outra ordem, que se instaura na própria
instabilidade e ajuda muito na
construção dos sentidos.
Tudo somado, o espetáculo
causa espanto e provocação,
que são duas virtudes. Nesses
abismos soturnos do homem
diante do mundo, na "luta acirrada para buscar uma verdade
trágica e dilacerante", Borelli e
o FAR-15 acham, mais uma
vez, a via de entrada para uma
dança que faz diferença, onde
às vezes não parece mais haver
diferença.
Metamorfoses
Onde: Oficina Cultural Oswald de
Andrade (r. Três Rios, 363, Bom Retiro,
tel. 221-4704)
Quando: até 8/12. Sex. e sáb., às 21h;
dom., às 20h
Quanto: grátis
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