São Paulo, Segunda-feira, 24 de Janeiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Próximo Texto | Índice

CINEMA
"São Jerônimo" e "Dois Córregos" participam do 29º Festival Internacional de Cinema de Roterdã
Cinemateca exibe dupla nacional

Divulgação
Cena de "São Jerônimo", dirigido por Julio Bressane


CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

Hoje os espectadores de cinema têm um programa imperdível, que exibe dois filmes e duas variáveis: a) são os dois melhores filmes nacionais lançados em 1999 (e 2000 até aqui); b) são filmes realizados por dois dos mais inventivos cineastas brasileiros.
No vértice da tela, o Brasil conecta-se à Holanda. Em cartaz, "Dois Córregos", de Carlos Reichenbach, e "São Jerônimo", de Julio Bressane. Ambos estarão no 29º Festival Internacional de Cinema de Roterdã (de 26 de janeiro a 6 de fevereiro), palco privilegiado dos filmes radicais feitos na primeira pessoa do singular.
Reichenbach mostra seu novo filme no Programa Principal e Bressane tem retrospectiva no Cineastas em Foco. O primeiro ganhou reputação internacional no circuito "filme de autor" com a projeção de suas obras em Roterdã nos anos 80. O segundo pode repetir o feito planetário no ciclo.
Carlos Reichenbach estará hoje à noite na Cinemateca para apresentar seu filme e contar ao público suas experiências no Festival de Roterdã.
"Dois Córregos" contradiz a lei da física que ensina: duas linhas paralelas só se encontram no infinito. Dois rios fazem cócegas e confluem em pororoca de memórias. A música encontra paralelo nos movimentos de câmera, como na seqüência do travelling circular (eixo horizontal) sobreposto à panorâmica de 360º (eixo vertical). A tela vira partitura para fotogramas que se prolongam em refluxo e o movimento fluvial do filme rima com as reflexões dos personagens. São as verdades submersas nas dobras do tempo.
Ri(t)o de passagem. De Schubert e Schumann a Scriabin, passando por Mario Genari Filho (outro tipo de teclado), sentimentos visuais deslizam na comoção do discurso musical. Sensível política do despertar do desejo, "Dois Córregos" imanta indagações existenciais com libertária conspiração.
"São Jerônimo" produz a epifania do milagre: a revelação espiritual pela depuração da forma. A trajetória do martírio roça e escorrega na descoberta da palavra. O som e o silêncio do vento arrebatam os enquadramentos de câmera, como na seqüência do deserto (espaços in e off do quadro vazados por figuras que entram e saem de cena). A tela instaura palheta que confunde planos (areia e poros) e o movimento ascético do filme transfigura o devir da experiência do santo e tradutor da Bíblia. São os extratos em erupção das sobras do tempo.
Vi(d)a da imagem. De Caravaggio a Rucker Vieira, do impressionismo europeu ao baião sertanejo, conceitos visuais de-cifram enigmas e paisagens. Desconcertante ensaio sobre a escritura do saber inacessível, "São Jerônimo" reconfigura a alquimia da alma em matéria.
Como diz o curador e programador Bernardo Vorobow, "são filmes que remam contra a maré e desafiam a gravidade". Representam o que pode ser o cinema, meio de conhecimento e plataforma de interrogação, naufrágio de bandas de imagem e som, tábula-rasa (salva-vidas) de sensações.
Como as águas da música deTom Jobim, os filmes de Reichenbach e Bressane são uma promessa de vida no coração do combalido cinema nacional.


Filme: São Jerônimo
Direção: Julio Bressane
Produção: Brasil, 1999
Com: Everaldo Ponts, Helena Ignez

Filme: Dois Córregos
Direção: Carlos Reichenbach
Produção: Brasil, 1999
Com: Carlos Alberto Ricceli, Beth Goulart

Ciclo: O Brasil em Roterdã - Roterdã na Cinemateca, com Carlos Reichenbach
Quando: hoje, às 19h (São Jerônimo) e às 20h30 (Dois Córregos)
Onde: sala Cinemateca, largo Senador Raul Cardoso, 207, tel. 5084-2177


Próximo Texto: Fotografia: "Nova Economia" mostra progresso
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.