São Paulo, Quarta-feira, 24 de Março de 1999
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MEMÓRIA
Mostra de filmes traz títulos como "O Cangaceiro", "Caiçara", "Uma Pulga na Balança" e "Na Senda do Crime"
MIS exibe cinema industrial paulista

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Uma das vítimas de guerra da revolução do cinema novo, no início da década de 60, foi o cinema industrial paulista dos anos 50 (sobretudo a Vera Cruz), que desde então passou a ser estigmatizado em bloco como "colonizado e acadêmico".
A Mostra Cinema Paulista de 40 a 60, que começa hoje no MIS, dá ao espectador a chance de conhecer ou rever essa cinematografia e constatar sua riqueza, força e variedade.
No ciclo há um pouco de tudo: comédia de Mazzaropi ("Nadando em Dinheiro"), filme de gângster ("Na Senda do Crime"), drama escravagista ("Sinhá Moça"), comédia social ("Osso, Amor e Papagaios") etc.
Alguns títulos da programação são grandes clássicos: "Caiçara" (1950), de Adolfo Celi, crônica com tintas neo-realistas filmada em Ilhabela; "O Cangaceiro" (1953), aventura "costumbrista" de Lima Barreto, consagrada internacionalmente; "Simão, o Caolho" (1952), comédia fantástica de Alberto Cavalcanti.
A mostra é também a oportunidade de conhecer o início da carreira de dois dos "autores" mais importantes do cinema brasileiro das décadas seguintes: Roberto Santos e Walter Hugo Khouri.
Do primeiro, o ciclo exibirá "O Grande Momento" (1958), seu filme de estréia, marcadamente influenciado pelo neo-realismo italiano e um dos grandes filmes realizados em São Paulo.
"Estranho Encontro" (1957), o segundo longa-metragem de Khouri, é um "thriller" existencialista em que já se mostrava a influência de Bergman que acompanharia a carreira do diretor.
Mas o que a mostra do MIS traz de mais interessante é a possibilidade de ver até onde a "indústria" cinematográfica paulista conseguiu chegar na tentativa de constituição de gêneros cinematográficos, a partir de uma leitura muito particular dos modelos norte-americanos e europeus.
"Uma Pulga na Balança" (1953), de Luciano Salce, por exemplo, é uma comédia policial que parece combinar a influência de um lirismo chapliniano com uma ironia elegante à Lubitsch.
Uma outra linha de comédia é "Nadando em Dinheiro" (1952), de Carlos Thiré e Abílio Pereira de Almeida. Continuação do sucesso "Sai da Frente" (1951), "Nadando" é o típico "veículo" para o personagem do matuto criado por Mazzaropi, que desta vez fica milionário graças a uma herança.
Com base nisso, o filme é uma crítica da alta sociedade urbana a partir da visão simplória do caipira: uma receita certeira para o êxito popular.
"Na Senda do Crime" (1954), de Flamínio Bollini Cerri, a despeito de suas falhas de roteiro e de alguns diálogos artificiais, é um esplêndido policial, que busca uma atmosfera "noir" nos prédios em construção de uma São Paulo que começava a se tornar metrópole.
Uma das maneiras de ver a mostra do MIS, aliás, é acompanhar, por meio dos filmes, as transformações da paisagem paulistana numa década (a de 50) de vertiginoso crescimento urbano.
Das avenidas do centro e palacetes de Higienópolis (em "Na Senda do Crime") aos bairros populares italianos (em "O Grande Momento"), São Paulo aparece pulsante e multifacetada nesses filmes, que não por acaso acompanham, merecidamente, a exposição "Memória Paulistana 1940 a 1960".


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