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São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2003

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Infância guia viagem pela obra de Portinari

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Tem mãe-da-mula, cambalhota, peão, balanço e uma turma de 11 crianças no palco. Mas a história que se conta aqui é de gente grande, como se diz, sementes e dores da infância que vão emoldurar caráter e talento no pintor Cândido Portinari (1903-62).
O espetáculo cênico-musical "Porti-Nari: A Ópera" faz um recorte privilegiado do menino de Brodósqui (339 km a norte de São Paulo), de origem humilde, filho de imigrantes italianos, para dar conta da trajetória do gênio da pintura reconhecido no Brasil e no exterior, cujo centenário de nascimento será lembrado no próximo 30 de dezembro.
O ator Luiz Carlos Vasconcelos, de filmes como "Carandiru" e "Eu Tu Eles", mas de filiação teatral da qual não arreda pé, ligado que está ao grupo Piolim, de João Pessoa (PB), e do premiado "Vau da Sarapalha", que gira há 11 anos, é o convidado da vez para dirigir na série Pocket Ópera.
Trata-se de projeto lançado em 1998 pelo Serviço Social do Comércio (Sesc-SP), realizado na unidade do Ipiranga, com objetivo de imprimir caráter experimental e fundir outras linguagens ao gênero erudito, como se verá em "Porti-Nari", que cumpre temporada de duas semanas, a partir de hoje, e depois percorre o interior paulista.
Inicialmente, Vasconcelos pensava o espetáculo a partir de pinturas e desenhos de Portinari. As pesquisas mudaram o eixo para a infância que vai marcar profundamente a obra do artista. "Uma infância algo felliniana, bastante emotiva, que passa pela descoberta do desenho, por pesadelos, medos, a queda que o deixou manco", afirma Vasconcelos, 49.
O espetáculo "Porti-Nari" não é um infantil, como o delicado "Candim" que Carlinhos Rodrigues e Drika Vieira apresentaram em São Paulo no ano passado.
A dramaturgia de Luis Alberto de Abreu trabalha com três planos: realidade, imaginação e memória. Portinari adulto (interpretado por Everaldo Pontes) está no hospital, nos últimos momentos antes de morrer em consequência da intoxicação causada pelo chumbo das tintas, paradoxo demasiado trágico.
Ele rememora o menino da fazenda de café que ouvia histórias dos tios, algumas relacionadas às guerras mundiais, outras ao mundo da fantasia.
O menino, de apelido Candim, é interpretado por Christian Melo, 9, que até então não gostava de desenhar e diz passar a tomar gosto por causa do personagem.
Uma das cenas mostra Candim vindo à luz, na hora do parto, amparado pela mãe (por Laila Garin). Noutra, a mais divertida, segundo Christian, Candim e coleguinhas tomam banho num rio sugerido pela iluminação e pela metamorfose dos bancos de madeira que também viram mesa para a hora da janta.
Tudo acontece num espaço sugerido como um galpão, no qual balanços caem dos céus e seu miolo pode ser imaginado como um recorrente quintal de terra.
À esquerda do palco, há 23 reproduções de quadros de Portinari, alguns deles construídos no espetáculo por meio da expressão corporal de atores ou do coro, notadamente o óleo "Menina Sentada" (1943), em que a ruivinha Júlia Fernanda, 9, não só se mantém na posição do quadro, como também entoa uma canção infantil.
Doze músicos fazem acompanhamento ao vivo em 14 temas. O diretor musical Laércio de Freitas, 62, diz que o universo sonoro evoca as orquestras de saraus dançantes do interior de antanho.
Ao todo, são 22 atores, 11 adultos contracenando com a outra concorrida metade mirim.
Vasconcelos deixa explícito em "Porti-Nari" a sua referência regional. Surpreende-se em ver na trajetória do pintor paulista relação com "a luta do homem comum brasileiro". São explícitas, por exemplo, referências aos retirantes que migram em busca de uma dignidade nem sempre alcançada.
Portinari, que foi filiado ao Partido Comunista, retrata isso em pinturas como "Os Despejados" (1934), um dos temas sociais recorrentes em sua obra.


PORTI-NARI: A ÓPERA - de: Luis Alberto de Abreu. Concepção e direção: Luiz Carlos Vasconcelos. Com: Ando Camargo Mazolini, Edna Aguiar, Eucir de Sousa, Servílio de Holanda, João Botelho, Leonardo Lima, Nayara Sayuri etc. Onde: Sesc Ipiranga - teatro (r. Bom Pastor, 822, tel. 0/xx/11/3340-2000). Quando: estréia hoje; de qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h. Quanto: R$ 18. Até 2/11.


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