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Infância guia viagem pela obra de Portinari
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Tem mãe-da-mula, cambalhota, peão, balanço e uma turma de
11 crianças no palco. Mas a história que se conta aqui é de gente
grande, como se diz, sementes e
dores da infância que vão emoldurar caráter e talento no pintor
Cândido Portinari (1903-62).
O espetáculo cênico-musical
"Porti-Nari: A Ópera" faz um recorte privilegiado do menino de
Brodósqui (339 km a norte de São
Paulo), de origem humilde, filho
de imigrantes italianos, para dar
conta da trajetória do gênio da
pintura reconhecido no Brasil e
no exterior, cujo centenário de
nascimento será lembrado no
próximo 30 de dezembro.
O ator Luiz Carlos Vasconcelos,
de filmes como "Carandiru" e "Eu
Tu Eles", mas de filiação teatral da
qual não arreda pé, ligado que está ao grupo Piolim, de João Pessoa
(PB), e do premiado "Vau da Sarapalha", que gira há 11 anos, é o
convidado da vez para dirigir na
série Pocket Ópera.
Trata-se de projeto lançado em
1998 pelo Serviço Social do Comércio (Sesc-SP), realizado na
unidade do Ipiranga, com objetivo de imprimir caráter experimental e fundir outras linguagens
ao gênero erudito, como se verá
em "Porti-Nari", que cumpre
temporada de duas semanas, a
partir de hoje, e depois percorre o
interior paulista.
Inicialmente, Vasconcelos pensava o espetáculo a partir de pinturas e desenhos de Portinari. As
pesquisas mudaram o eixo para a
infância que vai marcar profundamente a obra do artista. "Uma
infância algo felliniana, bastante
emotiva, que passa pela descoberta do desenho, por pesadelos, medos, a queda que o deixou manco", afirma Vasconcelos, 49.
O espetáculo "Porti-Nari" não é
um infantil, como o delicado
"Candim" que Carlinhos Rodrigues e Drika Vieira apresentaram
em São Paulo no ano passado.
A dramaturgia de Luis Alberto
de Abreu trabalha com três planos: realidade, imaginação e memória. Portinari adulto (interpretado por Everaldo Pontes) está no
hospital, nos últimos momentos
antes de morrer em consequência
da intoxicação causada pelo
chumbo das tintas, paradoxo demasiado trágico.
Ele rememora o menino da fazenda de café que ouvia histórias
dos tios, algumas relacionadas às
guerras mundiais, outras ao mundo da fantasia.
O menino, de apelido Candim, é
interpretado por Christian Melo,
9, que até então não gostava de
desenhar e diz passar a tomar gosto por causa do personagem.
Uma das cenas mostra Candim
vindo à luz, na hora do parto, amparado pela mãe (por Laila Garin). Noutra, a mais divertida, segundo Christian, Candim e coleguinhas tomam banho num rio
sugerido pela iluminação e pela
metamorfose dos bancos de madeira que também viram mesa
para a hora da janta.
Tudo acontece num espaço sugerido como um galpão, no qual
balanços caem dos céus e seu
miolo pode ser imaginado como
um recorrente quintal de terra.
À esquerda do palco, há 23 reproduções de quadros de Portinari, alguns deles construídos no espetáculo por meio da expressão
corporal de atores ou do coro, notadamente o óleo "Menina Sentada" (1943), em que a ruivinha Júlia Fernanda, 9, não só se mantém
na posição do quadro, como também entoa uma canção infantil.
Doze músicos fazem acompanhamento ao vivo em 14 temas. O
diretor musical Laércio de Freitas,
62, diz que o universo sonoro evoca as orquestras de saraus dançantes do interior de antanho.
Ao todo, são 22 atores, 11 adultos contracenando com a outra
concorrida metade mirim.
Vasconcelos deixa explícito em
"Porti-Nari" a sua referência regional. Surpreende-se em ver na
trajetória do pintor paulista relação com "a luta do homem comum brasileiro". São explícitas,
por exemplo, referências aos retirantes que migram em busca de
uma dignidade nem sempre alcançada.
Portinari, que foi filiado ao Partido Comunista, retrata isso em
pinturas como "Os Despejados"
(1934), um dos temas sociais recorrentes em sua obra.
PORTI-NARI: A ÓPERA - de: Luis Alberto
de Abreu. Concepção e direção: Luiz
Carlos Vasconcelos. Com: Ando Camargo
Mazolini, Edna Aguiar, Eucir de Sousa,
Servílio de Holanda, João Botelho,
Leonardo Lima, Nayara Sayuri etc. Onde:
Sesc Ipiranga - teatro (r. Bom Pastor, 822,
tel. 0/xx/11/3340-2000). Quando: estréia
hoje; de qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h.
Quanto: R$ 18. Até 2/11.
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