São Paulo, domingo, 26 de março de 2000


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ANÁLISE

Premiação à esquerda


AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
Um espectro ronda o Oscar 2000 -e nada tem a ver com "O Sexto Sentido".
É o fantasma da esquerdização. A cerimônia deste ano promete ser a mais progressista dos últimos anos.
Nada da constrangedora presença no palco de ídolos militaristas e heróis americanos, como o general Colin Powell e o senador-astronauta John Glenn no ano passado.
Nada também do clima ufanista da "grande América" propiciado pelo então favorito "O Resgate do Soldado Ryan", de Steven Spielberg.
Nada ainda da participação incômoda de Elia Kazan, genial diretor ("Sindicato de Ladrões"), mas colaborador do macarthismo.
As estrelas deste ano serão bem outras -e sinalizam para o pólo oposto. O cubano Ibrahim Ferrer ("Buena Vista Social Club") deve se apresentar para furor da máfia anticastrista de Miami. A eterna "68 Jane Fonda", livre de Ted Turner, volta à cerimônia depois de uma década. O radical democrata Warren Beatty ("Reds") não emplacou uma vaga na disputa pela sucessão de Clinton, mas recebe o exclusivíssimo Prêmio Thalberg.

"América profunda"
Há mais entre os favoritos. "Beleza Americana" corrói por dentro o "american way of life". Seu único real adversário, "As Regras da Vida" de Lasse Hallström, é um novelão com rara visão madura do aborto, numa época em que a radicalização dos autoproclamados grupos "pró-vida" representa a principal bandeira dos conservadores.
Não se subestime, ainda, o impacto na reacionária "América profunda" da provável vitória de Hilary Swank por representar uma jovem trucidada por fazer-se passar por rapaz. Ou de um possível prêmio de roteiro original para o surrealismo pansexualista de "Quero Ser John Malkovich". Ou mesmo da consagração do universo alegremente homoerótico de Pedro Almodóvar ("Tudo sobre Minha Mãe").

"Mea culpa"
Um caso todo especial é a possível vitória de Denzel Washington. "Hurricane - O Furacão", de Norman Jewison, está longe dos maiores filmes que estrelou. Sua composição de Rubin Carter, o pugilista negro injustamente encarcerado, é soberba, mas em nada supera às que lhe valeram suas indicações anteriores na categoria principal ("Um Grito de Liberdade"; "Malcolm X").
Ao menos dois de seus diretos concorrentes, Richard Farnsworth ("História Real") e Kevin Spacey ("Beleza Americana"), disputam com os desempenhos máximos de suas carreiras. Mas a história parece jogar em favor de Washington.
É um escândalo que a Academia tenha até hoje concedido apenas um Oscar de melhor ator a um intérprete negro, Sidney Poitier, em 1963, por "Uma Voz nas Sombras".
Somem-se a este os cinco prêmios de coadjuvante, concedidos a duas atrizes, Hattie McDaniel (a escrava Mammy de "E o Vento Levou", 1940) e Whoopi Goldberg (a vidente de "Ghost", 1990), e a três atores, Louis Gosset Jr. ("A Força do Destino", 1982), o próprio Denzel Washington ("Tempo de Glória", 1989) e Cuba Gooding Jr. ("Jerry Maguire", 1996) -e é tudo.
O triunfo de Washington representaria, assim, além do evidente reconhecimento a seu imenso talento, um "mea culpa" da Academia frente a sete décadas de discriminação. Nada estaria melhor sintonizado com o espírito democrático. É ver para crer.


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