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ANÁLISE
Premiação à esquerda
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
Um espectro ronda o Oscar
2000 -e nada tem a ver com "O
Sexto Sentido".
É o fantasma da esquerdização.
A cerimônia deste ano promete
ser a mais progressista dos últimos anos.
Nada da constrangedora presença no palco de ídolos militaristas e heróis americanos, como o
general Colin Powell e o senador-astronauta John Glenn no ano
passado.
Nada também do clima ufanista
da "grande América" propiciado
pelo então favorito "O Resgate do
Soldado Ryan", de Steven Spielberg.
Nada ainda da participação incômoda de Elia Kazan, genial diretor ("Sindicato de Ladrões"),
mas colaborador do macarthismo.
As estrelas deste ano serão bem
outras -e sinalizam para o pólo
oposto. O cubano Ibrahim Ferrer
("Buena Vista Social Club") deve
se apresentar para furor da máfia
anticastrista de Miami. A eterna
"68 Jane Fonda", livre de Ted Turner, volta à cerimônia depois de
uma década. O radical democrata
Warren Beatty ("Reds") não emplacou uma vaga na disputa pela
sucessão de Clinton, mas recebe o
exclusivíssimo Prêmio Thalberg.
"América profunda"
Há mais entre os favoritos. "Beleza Americana" corrói por dentro o "american way of life". Seu
único real adversário, "As Regras
da Vida" de Lasse Hallström, é
um novelão com rara visão madura do aborto, numa época em
que a radicalização dos autoproclamados grupos "pró-vida" representa a principal bandeira dos
conservadores.
Não se subestime, ainda, o impacto na reacionária "América
profunda" da provável vitória de
Hilary Swank por representar
uma jovem trucidada por fazer-se
passar por rapaz. Ou de um possível prêmio de roteiro original para o surrealismo pansexualista de
"Quero Ser John Malkovich". Ou
mesmo da consagração do universo alegremente homoerótico
de Pedro Almodóvar ("Tudo sobre Minha Mãe").
"Mea culpa"
Um caso todo especial é a possível vitória de Denzel Washington.
"Hurricane - O Furacão", de Norman Jewison, está longe dos
maiores filmes que estrelou. Sua
composição de Rubin Carter, o
pugilista negro injustamente encarcerado, é soberba, mas em nada supera às que lhe valeram suas
indicações anteriores na categoria
principal ("Um Grito de Liberdade"; "Malcolm X").
Ao menos dois de seus diretos
concorrentes, Richard Farnsworth ("História Real") e Kevin
Spacey ("Beleza Americana"),
disputam com os desempenhos
máximos de suas carreiras. Mas a
história parece jogar em favor de
Washington.
É um escândalo que a Academia
tenha até hoje concedido apenas
um Oscar de melhor ator a um intérprete negro, Sidney Poitier, em
1963, por "Uma Voz nas Sombras".
Somem-se a este os cinco prêmios de coadjuvante, concedidos
a duas atrizes, Hattie McDaniel (a
escrava Mammy de "E o Vento
Levou", 1940) e Whoopi Goldberg
(a vidente de "Ghost", 1990), e a
três atores, Louis Gosset Jr. ("A
Força do Destino", 1982), o próprio Denzel Washington ("Tempo de Glória", 1989) e Cuba Gooding Jr. ("Jerry Maguire", 1996)
-e é tudo.
O triunfo de Washington representaria, assim, além do evidente
reconhecimento a seu imenso talento, um "mea culpa" da Academia frente a sete décadas de discriminação. Nada estaria melhor
sintonizado com o espírito democrático. É ver para crer.
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