São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

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"SÃO PAULO, 450 ANOS"

Mostra é testamento visual da cidade

Divulgação
"Avenida São João em Direção à Praça Antonio Prado, com Edifício Martinelli ao Fundo", 1937, de Claude Lévi-Strauss


WALNICE NOGUEIRA GALVÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se ainda não foi à exposição dos 450 anos da cidade, organizada pelo Instituto Moreira Salles, não perca: é uma maravilha. Das paredes da galeria da Fiesp na av. Paulista pendem os documentos visuais de São Paulo. Os primeiros, naturalmente, são anteriores à invenção da fotografia: desenhos a lápis, a bico de pena e aquarelas, flagrando os toscos inícios daquela que no passado fora a aldeia piratiningana. Os de Charles Landseer, ou então os de William John Burchell, dão notícia de uma povoação ainda meio mameluca.
Depois de inventada a fotografia, tornam-se outras as possibilidades de registro. É assim que tomamos conhecimento das três ou quatro cidades que não se superpõem porque foram arrasadas.
A primeira delas é perfeitamente urbanizada, com calçadas e arruados, embora irregulares, com estilo colonial uniforme: poderia passar por uma das velhas cidades mineiras, ou Paraty, Olinda, partes de Salvador etc. Dessa não sobrou nada. Depois vem a cidade do surto do café do Oeste, quando a prosperidade criou uma malha urbana quadriculada, arborizada, de sobrados, e os beirais coloniais desapareceram. Essa também sumiu, quando a verticalização empunhou as rédeas do processo. Está tudo ali, belamente documentado na exposição.
A digitalização possibilita milagres. Os desenhos e as fotos, aumentados, não perdem a finura do grão nem a nitidez. E foi viável fazer, como se fez, coisas inimagináveis, como emendar diferentes fotos de Militão Augusto de Azevedo com a intenção de constituir um panorama ampliado, postando o espectador no centro de um pequeno largo, tendo a paisagem do casario ao redor.
Mas tem mais. O cineasta e fotógrafo Thomaz Farkas parece guardar um baú cheio de preciosidades, de onde às vezes extrai alguma, embasbacando todo mundo. Em 1954, no 4º Centenário de São Paulo, filmou sem som um show da Velha Guarda, criada e liderada por Almirante. Meio século depois, vêem-se três minutos desse filme agora não mais mudos.
Convocaram José Ramos Tinhorão, fonoaudiólogos e leitores de lábios, e mais a Reserva Técnica da casa, para restaurar o som. Quem quiser ver e ouvir Pixinguinha, a flauta de Benedito Lacerda, a perícia de João da Baiana no prato-e-faca, Donga com sua indefectível gravata "lavallière", o próprio Almirante e muitos mais, todos de terno, impecáveis em sua elegância, verdadeiros dândis que eram, tocando, cantando e tracejando firulas "no pé", é só dar um pulo na exposição.
Para nosso gáudio, avisa-se que o restante do filme está sendo preparado da mesma maneira para ser futuramente apresentado ao público, na íntegra.


Walnice Nogueira Galvão é crítica literária e professora titular de literatura da USP

SÃO PAULO, 450 ANOS. Onde: Centro Cultural Fiesp - galeria de arte do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 3146-7406). Quando: de ter. a sáb., das 10h às 20h; dom., das 10h às 19h; até 27/6. Grátis.


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