São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 2000


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MÚSICA ERUDITA
Barítono alemão encerra hoje a série de três ciclos de "lieder" de Schubert, a canção de câmara alemã
Goerne canta o cerne da música alemã

IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O jovem barítono alemão Matthias Goerne faz, no Cultura Artística, um dos projetos musicais mais interessantes da temporada.
Acompanhado pelo pianista Erich Schneider, ele interpreta, em três noites diversas (hoje é a última delas), cada um dos ciclos de "lieder" (plural de "lied", termo que designa a canção de câmera alemã) de Schubert: "Die schöne Müllerin" ("A Bela Moleira"), "Schwanengesang" ("Canto do Cisne") e "Die Winterreise" ("A Viagem de Inverno").
Aluno do mítico barítono Dietrich Fischer-Dieskau, ao qual já foi comparado, e de Elizabeth Schwarzkopf, Goerne já atuou em casas de ópera como o Metropolitan de Nova York, embora sua praia seja mesmo a canção -em recitais, teve a honra de ser acompanhado por dois dos principais pianistas do século, Alfred Brendel e Vladimir Ashkenazy.
Embora tenha tido de cancelar, por motivo de doença, o recital que deveria ter dado em Londres na semana passada, Goerne afirmou à Folha, por telefone, estar inteiro e recuperado para as apresentações em São Paulo.

Folha - Por que você escolheu cantar os três ciclos de Schubert?
Matthias Goerne -
Eles constituem o cerne do repertório romântico alemão, por isso acho interessante mostrá-los de uma vez ao público da América do Sul.

Folha - Esses ciclos já foram cantados e gravados por tanta gente... O que fazer para trazer coisas novas a esse repertório?
Goerne -
Não sei. Cada um tem sua própria personalidade, e isso é tão individual. Você tem de levar em conta a música de Schubert e tentar relacionar os "lieder" entre si. Também não se pode levar excessivamente em conta o fato de que tanta gente já gravou e cantou esse repertório. O importante é tentar fazer sua própria leitura dele.

Folha - Como você se sente ao ser apontado como o "novo Fischer-Dieskau"?
Goerne -
Quem disse isso (risos)? Não dá para responder a uma pergunta dessas. Não acredito que alguém seja, digamos, a "nova Schwarzkopf", ou a "nova Christa Ludwig". Eu estudei muito tempo com Fischer-Dieskau e aprendi muita coisa com ele. Foi muito importante, mas acho que, tanto na voz quanto na personalidade, sou bastante diferente dele. Existem coisas piores a serem ditas de um cantor, e me alegro em ser chamado de "novo Dieskau".

Folha - O que você aprendeu de mais importante com Herr Dieskau?
Goerne -
Naturalmente, muito da arte musical e coisas de interpretação. Mas talvez, também, a encontrar aquelas possibilidades e aptidões nas quais você tem de se concentrar para trabalhar em uma peça.

Folha - O que você canta mais? "Lied" ou ópera?
Goerne -
Mais concertos e "lieder". Diria que canto 1/3 do tempo ópera e 2/3 "lied" e concertos.

Folha - Por quê?
Goerne -
É o meu terreno, no qual cresci como artista, e meu principal repertório. A canção romântica alemã é o que melhor se adapta à minha voz e minha personalidade.

Folha - Você trabalhou com dois dos mais renomados pianistas da atualidade: Alfred Brendel e Vladimir Ashkenazy. Como foi?
Goerne -
Não se esqueça de que também cantei com Mitsuko Uchida. Ashkenazy eu conheci há poucos anos, como regente, em um concerto em que cantei o ciclo "Des Knaben Wunderhorn" (de Mahler). Depois desse concerto, fizemos alguns recitais de canto e piano, gravamos um álbum de Schumann e vamos continuar a relação.
Brendel eu conheci há três anos, e começamos a dar concertos há dois anos. O primeiro foi em Belfast, e, agora, temos muitos na América e na Europa. É fantástico para mim que eles estejam também interessados nesse tipo de música e em fazer concertos com um cantor.

Folha - Hanns Eisler era um comunista. Você tem alguma afinidade com o pensamento político de esquerda?
Goerne -
Eu não acho que ele fosse um comunista. Seu pensamento político era de esquerda, mas ele não era um comunista.

Folha - Você acha?
Goerne -
Acho que a mensagem política, em Eisler, era naturalmente muito forte -contra o nacional-socialismo, contra o fascismo. Mas, especificamente no "Hollywood Songbook", a mensagem é humanista e atemporal.
Acho que, mais do que ligada ao comunismo, sua mensagem tem a ver com humanismo. Eisler e Brecht não podem ser vistos propriamente como comunistas. Eles apenas viram, no movimento comunista, a única alternativa ao fascismo.

Folha - Você conhece música brasileira?
Goerne -
Villa-Lobos eu conheço, mas, de resto, relativamente pouco. Da América Latina, conheço Piazzolla, que é muito tocado na Europa, por gente como Gidon Kremer.

Folha - Você já cantou em português?
Goerne -
Não, mas, talvez, em dois anos, eu queira fazer um programa com uma parte em português, porque esse repertório me interessa muito.

Concerto: Matthias Goerne (barítono) Quando: hoje, às 21h Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 258-3616) Quanto: R$ 40 a R$ 100 (estudantes até 30 anos pagam R$ 10 meia hora antes dos concertos)


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