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MÚSICA ERUDITA
Barítono alemão encerra hoje a série de três ciclos de "lieder" de Schubert, a canção de câmara alemã
Goerne canta o cerne da música alemã
IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O jovem barítono alemão Matthias Goerne faz, no Cultura Artística, um dos projetos musicais
mais interessantes da temporada.
Acompanhado pelo pianista
Erich Schneider, ele interpreta,
em três noites diversas (hoje é a
última delas), cada um dos ciclos
de "lieder" (plural de "lied", termo que designa a canção de câmera alemã) de Schubert: "Die
schöne Müllerin" ("A Bela Moleira"), "Schwanengesang" ("Canto
do Cisne") e "Die Winterreise"
("A Viagem de Inverno").
Aluno do mítico barítono Dietrich Fischer-Dieskau, ao qual já
foi comparado, e de Elizabeth
Schwarzkopf, Goerne já atuou
em casas de ópera como o Metropolitan de Nova York, embora
sua praia seja mesmo a canção
-em recitais, teve a honra de ser
acompanhado por dois dos principais pianistas do século, Alfred
Brendel e Vladimir Ashkenazy.
Embora tenha tido de cancelar,
por motivo de doença, o recital
que deveria ter dado em Londres
na semana passada, Goerne afirmou à Folha, por telefone, estar
inteiro e recuperado para as apresentações em São Paulo.
Folha - Por que você escolheu
cantar os três ciclos de Schubert?
Matthias Goerne - Eles constituem o cerne do repertório romântico alemão, por isso acho
interessante mostrá-los de uma
vez ao público da América do Sul.
Folha - Esses ciclos já foram cantados e gravados por tanta gente...
O que fazer para trazer coisas novas a esse repertório?
Goerne - Não sei. Cada um tem
sua própria personalidade, e isso
é tão individual. Você tem de levar em conta a música de Schubert e tentar relacionar os "lieder"
entre si. Também não se pode levar excessivamente em conta o fato de que tanta gente já gravou e
cantou esse repertório. O importante é tentar fazer sua própria leitura dele.
Folha - Como você se sente ao ser
apontado como o "novo Fischer-Dieskau"?
Goerne - Quem disse isso (risos)? Não dá para responder a
uma pergunta dessas. Não acredito que alguém seja, digamos, a
"nova Schwarzkopf", ou a "nova
Christa Ludwig". Eu estudei muito tempo com Fischer-Dieskau e
aprendi muita coisa com ele. Foi
muito importante, mas acho que,
tanto na voz quanto na personalidade, sou bastante diferente dele.
Existem coisas piores a serem ditas de um cantor, e me alegro em
ser chamado de "novo Dieskau".
Folha - O que você aprendeu de
mais importante com Herr Dieskau?
Goerne - Naturalmente, muito
da arte musical e coisas de interpretação. Mas talvez, também, a
encontrar aquelas possibilidades
e aptidões nas quais você tem de
se concentrar para trabalhar em
uma peça.
Folha - O que você canta mais?
"Lied" ou ópera?
Goerne - Mais concertos e "lieder". Diria que canto 1/3 do tempo ópera e 2/3 "lied" e concertos.
Folha - Por quê?
Goerne - É o meu terreno, no
qual cresci como artista, e meu
principal repertório. A canção romântica alemã é o que melhor se
adapta à minha voz e minha personalidade.
Folha - Você trabalhou com dois
dos mais renomados pianistas da
atualidade: Alfred Brendel e Vladimir Ashkenazy. Como foi?
Goerne - Não se esqueça de que
também cantei com Mitsuko
Uchida. Ashkenazy eu conheci há
poucos anos, como regente, em
um concerto em que cantei o ciclo
"Des Knaben Wunderhorn" (de
Mahler). Depois desse concerto,
fizemos alguns recitais de canto e
piano, gravamos um álbum de
Schumann e vamos continuar a
relação.
Brendel eu conheci há três anos,
e começamos a dar concertos há
dois anos. O primeiro foi em Belfast, e, agora, temos muitos na
América e na Europa. É fantástico
para mim que eles estejam também interessados nesse tipo de
música e em fazer concertos com
um cantor.
Folha - Hanns Eisler era um comunista. Você tem alguma afinidade
com o pensamento político de esquerda?
Goerne - Eu não acho que ele
fosse um comunista. Seu pensamento político era de esquerda,
mas ele não era um comunista.
Folha - Você acha?
Goerne - Acho que a mensagem
política, em Eisler, era naturalmente muito forte -contra o
nacional-socialismo, contra o
fascismo. Mas, especificamente
no "Hollywood Songbook", a
mensagem é humanista e atemporal.
Acho que, mais do que ligada
ao comunismo, sua mensagem
tem a ver com humanismo. Eisler e Brecht não podem ser vistos
propriamente como comunistas.
Eles apenas viram, no movimento comunista, a única alternativa
ao fascismo.
Folha - Você conhece música brasileira?
Goerne - Villa-Lobos eu conheço, mas, de resto, relativamente
pouco. Da América Latina, conheço Piazzolla, que é muito tocado na Europa, por gente como
Gidon Kremer.
Folha - Você já cantou em português?
Goerne - Não, mas, talvez, em
dois anos, eu queira fazer um
programa com uma parte em
português, porque esse repertório me interessa muito.
Concerto: Matthias Goerne (barítono)
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor
Pestana, 196, tel. 258-3616)
Quanto: R$ 40 a R$ 100 (estudantes até
30 anos pagam R$ 10 meia hora antes
dos concertos)
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