São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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28ª MOSTRA DE CINEMA

Filme conta uma história de amor "amalucada" vivida dentro da guerra da Bósnia, em 92

Traços autorais de Kusturica ficam entre estímulo e cansaço

Divulgação
Cena do filme "A Vida É um Milagre", de Emir Kusturica, hoje, às 17h20, no Unibanco Arteplex


CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O novo filme de Emir Kusturica tem todos os opcionais de fábrica previstos no catálogo estético do autor. O enredo se passa em 92, e o trabalho inicia-se como painel de uma pequena comunidade, no profundo campestre da antiga Iugoslávia. Logo, a guerra da Bósnia estoura. O filme vai tratar de uma história de amor amalucada, dentro da guerra.
Realização divina é um dos temas centrais. O personagem principal é um engenheiro de ferrovias que se diverte construindo ferroramas e maquetes, ou seja, miniaturas que refletem sua habilidade de criar coisas grandes. Kusturica é igual. Para começar, todo o planejamento de seu mundo filmado, em zona rural balcânica, segue uma imaginação, estilo livrinho infantil ilustrado, de "paraíso" em que a Arca de Noé poderia ter se estabelecido.
Composições paisagísticas têm forma e tom bíblicos, pois Kusturica soltou os moradores da arca -cavalos, ursos, burros- por vasta área pastoril. Há um traço forte de gênese ou fundação de sociedade na ambientação que Kusturica, em sua escrita lúdica e surreal, constrói como um Deus.
O bósnio faz daquele lugar também um parque de diversões. Está sendo concluída, nas montanhas, uma estrada de ferro. Túneis se parecem com acessórios cenográficos do trem fantasma e carros de verdade, que viajam pelos trilhos, são adaptados, através de suas carrocerias, como carrinhos de uma montanha russa estilizada em visual automobilístico.
O espírito bíblico vai também delinear a guerra. Evento proposto por Kusturica como um ritual de fogos de artifício e fantasias mas também como uma ação divina, misteriosa e irada. Desígnio explosivo meio demente, mas caricatural, que obriga os personagens, sem entender nada, a improvisar de modo improvável.
Kusturica é um dos mais talentosos projetistas de universos isolados e de suas parafernálias fantásticas. Ele também filma como músico, elaborando seqüências longas como sinfonias do patético. Tudo começa "normal" e os elementos de tensão cômica vão entrando, um por um, como instrumentos, para participar da mesma melodia caótica.
Mas alguma coisa não cola. Fica a impressão de que os personagens louquinhos do autor simulam emoção louquinha via seu espírito louquinho, que, no mais, abrange um certo parâmetro de "arte" dos sentimentos desastrados e mesmo assim sublimes, no cinema. À repetição, cansa.


A Vida É um Milagre
Zivot Je Cudo
  
Direção: Emir Kusturica
Produção: Bósnia/França, 2004
Quando: hoje, às 17h20, no Frei Caneca Unibanco Arteplex (outra sessão dia 3)



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