São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 2002

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TEATRO

Quebram-se os mitos


Marco Antônio Braz encena pela 1ª vez duas peças míticas de Nelson Rodrigues


PEDRO IVO DUBRA
DA REDAÇÃO

Pelas mãos dos estudantes da EAD (Escola de Arte Dramática), o diretor Marco Antônio Braz, 36, começa uma nova disciplina em Nelson Rodrigues (1912-80). Depois de montar quatro das oito tragédias cariocas, o obsessivo discípulo se debruça sobre uma matéria inédita -a fase mítica, "desagradável", de seu mestre.
A tragédia "Senhora dos Afogados" (1947) e a "farsa irresponsável" "Dorotéia" (49) são, a partir de hoje, apresentadas juntas, em uma única sessão. Trata-se da primeira incursão de Braz por tal pedaço da dramaturgia rodriguiana.
No elenco de 20 intérpretes da turma -do terceiro ano da escola-, estão Gisela Millás e Janaína Leite, atrizes do espetáculo "Hysteria", bem como o seu diretor, Luiz Fernando Marques.
"Já havia lido as peças míticas, mas nunca com o objetivo de encenação. E pelo pouco tempo, quatro meses de trabalho, acabamos optando por uma fatia possível do bolo. Por outro lado, me senti feliz, porque tive liberdade de dialogar com os textos, por estar na escola. Nunca enxuguei, cortei tanto o Nelson como agora", conta Marco Antônio Braz.
As incisões se deram principalmente em "Senhora dos Afogados", história de um filho bastardo que surge para vingar a morte da mãe, prostituta, minando a família do pai. Braz recorda o crime do Brooklyn ao comentar a explosão do instinto violento dentro do clã, presente na obra.
"Dorotéia", primeira a ser apresentada, rende mais comicidade, expondo a saga da personagem homônima, uma "profissional do amor" que volta ao convívio familiar, com as recalcadas primas, em virtude da perda de um filho.
As mútuas meretrizes, a presença do mar e a opção da montagem em tratar as tramas como se fossem sonhos de personagens (bom, em "Dorotéia", por Das Dores, e mau, em "Senhora...", no sono de Misael) tecem elos entre as partes independentes.
Caracterizam a parcela mítica da dramaturgia rodriguiana, grosso modo, sondagens dos arquétipos e pinceladas psicanalíticas, que terminam por redundar em incestos, crimes, absurdo, num "exagero" e num irrealismo que desagradavam à platéia e atraíam a censura. Além da dupla mostrada, enquadram-se na classificação proposta por Sábato Magaldi, estudioso da dramaturgia do autor, "Anjo Negro" (46) e "Álbum de Família" (45).

Palco
Como trabalho de ator, Braz conta que buscou um "expressionismo brasileiro, antinaturalista", com raízes em "Terra em Transe" (67), filme de Glauber Rocha.
Outro aspecto caro ao encenador diz respeito ao palco utilizado. Acostumado nos últimos trabalhos a montar Nelson Rodrigues em arena, desta vez lhe é oferecido um tablado de outra conformação. "Esse palco é mais elisabetano, a relação de distância com a platéia é um pouco diferente." "Dorotéia" é apresentada num espaço nu, enquanto "Senhora dos Afogados" se apropria apenas de cadeiras como elementos cênicos.
Para 2003, Marco Antônio Braz tem projetos ainda algo indefinidos. Além do certo retorno aos palcos de "Perdida...", "O Beijo no Asfalto" e "Valsa Nº 6", direções suas, intenta encenar "Anjo Negro" e montar um espetáculo com seu grupo, o Círculo dos Comediantes, e a atriz Denise Fraga. Flerta com "A Falecida", de 53, a primeira tragédia carioca.

DOROTÉIA E SENHORA DOS AFOGADOS. Textos: Nelson Rodrigues. Direção: Marco Antônio Braz. Com: alunos da EAD. Onde: Teatro Laboratório ECA/USP (av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 215, Cid Universitária, tel. 3091-4375). Quando: de qua. a sex., às 20h, e sáb. e dom., às 19h; até 22/12. 150 min. Quanto: entrada franca.


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