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"A TEMPESTADE"
Gabrieli não fez de Shakespeare nosso contemporâneo
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Desautorizar" Shakespeare não é um crime de
lesa-majestade. Afinal, o que tediosas e bem comportadas montagens reverenciam muitas vezes
é uma tradução empolada, declamada ao estilo romântico, e não
um autor que contrasta a mais alta poesia com trocadilhos de baixo calão, espetáculos que encantam platéias híbridas com sarcásticas alusões metalinguísticas,
piadas de auto-ironia amarga que
fazem menção ao ofício do ator.
Ou seja: "A Tempestade" é o
próprio Shakespeare se desautorizando. Quando Próspero diz:
"esse globo vai desaparecer" é de
seu teatro, The Globe, que estava
falando -e seu teatro não desapareceu exatamente devido a esse
conhecimento do quanto é efêmera a posteridade.
Para "desconstruir" esse sonho,
no entanto, é preciso saber do que
ele é feito; assim como para se fazer uma paródia é preciso dominar intimamente a técnica do original parodiado. Osvaldo Gabrieli
parte nesta versão de uma saudável iniciativa de limpar "A Tempestade" de camadas de pó reverenciosas, mas a peça acaba indo
junto com a água suja.
Os adaptadores ousam quebrar
a solenidade da linguagem, mas o
fazem um pouco aleatoriamente,
e daí decorrem dois problemas.
Quando Próspero, por exemplo,
se dirige a Ariel de maneira informal ("mandou bem, Ariel") se desautoriza por si mesmo, o que
obriga os clowns, que têm como
objetivo justamente a quebra do
solene, a abaixar ainda mais o
tom, chegando a um humor pueril que tem que contar com a condescendência da platéia. Por outro lado, os namorados só têm para voltar ao poético um texto que
rima donzela com mazela, e tudo
resvala para uma caricatura geral.
Gabrieli reforça isso com o ridículo do figurino e do cenário, desabilitando um ponto forte garantido das montagens anteriores de
seu grupo XPTO.
A monotonia de efeitos faz com
que o espetáculo passe devagar.
Mesmo a experiência e carisma de
Sérgio Mamberti conspiram contra ele: sua natural simpatia, elemento que lhe sobra nesse naufrágio, faz que seu Próspero parece benévolo, o que desautoriza de
início qualquer conflito.
A Tempestade
Onde: teatro Sérgio Cardoso (r. Rui
Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 288-0136)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às
18h. Até 22/12
Quanto: de R$ 20 a R$ 30
Patrocinadores: BrasilTelecom e
Centrais Elétricas de Santa Catarina
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