São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 2002

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"A TEMPESTADE"

Gabrieli não fez de Shakespeare nosso contemporâneo

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Desautorizar" Shakespeare não é um crime de lesa-majestade. Afinal, o que tediosas e bem comportadas montagens reverenciam muitas vezes é uma tradução empolada, declamada ao estilo romântico, e não um autor que contrasta a mais alta poesia com trocadilhos de baixo calão, espetáculos que encantam platéias híbridas com sarcásticas alusões metalinguísticas, piadas de auto-ironia amarga que fazem menção ao ofício do ator.
Ou seja: "A Tempestade" é o próprio Shakespeare se desautorizando. Quando Próspero diz: "esse globo vai desaparecer" é de seu teatro, The Globe, que estava falando -e seu teatro não desapareceu exatamente devido a esse conhecimento do quanto é efêmera a posteridade.
Para "desconstruir" esse sonho, no entanto, é preciso saber do que ele é feito; assim como para se fazer uma paródia é preciso dominar intimamente a técnica do original parodiado. Osvaldo Gabrieli parte nesta versão de uma saudável iniciativa de limpar "A Tempestade" de camadas de pó reverenciosas, mas a peça acaba indo junto com a água suja.
Os adaptadores ousam quebrar a solenidade da linguagem, mas o fazem um pouco aleatoriamente, e daí decorrem dois problemas. Quando Próspero, por exemplo, se dirige a Ariel de maneira informal ("mandou bem, Ariel") se desautoriza por si mesmo, o que obriga os clowns, que têm como objetivo justamente a quebra do solene, a abaixar ainda mais o tom, chegando a um humor pueril que tem que contar com a condescendência da platéia. Por outro lado, os namorados só têm para voltar ao poético um texto que rima donzela com mazela, e tudo resvala para uma caricatura geral.
Gabrieli reforça isso com o ridículo do figurino e do cenário, desabilitando um ponto forte garantido das montagens anteriores de seu grupo XPTO.
A monotonia de efeitos faz com que o espetáculo passe devagar. Mesmo a experiência e carisma de Sérgio Mamberti conspiram contra ele: sua natural simpatia, elemento que lhe sobra nesse naufrágio, faz que seu Próspero parece benévolo, o que desautoriza de início qualquer conflito.

A Tempestade



 
Onde: teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 288-0136)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h. Até 22/12
Quanto: de R$ 20 a R$ 30
Patrocinadores: BrasilTelecom e Centrais Elétricas de Santa Catarina



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