São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2006

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CRÍTICA/"KZ"

Documentário invade o inferno nazista

MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO

"KZ", o documentário de Rex Bloomstein sobre o campo de concentração de Mauthausen, na Áustria, é um mergulho sensorial no inferno.
Sem uma única imagem da barbárie nazista, o filme -atração do festival "É Tudo Verdade"- no entanto conduz o espectador lentamente, de modo sufocante, ao âmago do Holocausto -e revela o quanto as motivações que alimentaram essa ideologia ainda estão vivas.
O filme acompanha a visita de turistas de várias partes do mundo às instalações do campo (ou "KZ", como era chamado), que foi construído logo depois da anexação da Áustria à Alemanha nazista (1938) e recebeu cerca de 200 mil prisioneiros até ser libertado pelo Exército americano, em maio de 1945. Pelo menos metade dos internos não sobreviveu à desumanização sistemática realizada no local.
À medida que os monitores relatam a série de práticas dos carrascos nazistas no campo em cada uma de suas alas, os visitantes se transformam -eles deixam rapidamente de ser aqueles turistas descontraídos movidos por uma curiosidade mórbida, antes de a visita começar, e passam a ser sombrias testemunhas de crimes cujas representações disponíveis ainda são insuficientes para explicá-los.

Mal-estar
A sensação de desespero, repulsa e incredulidade é concreta. Uma adolescente não suporta ouvir tudo aquilo e passa mal. Mesmo para alguém de uma geração em que a morte em massa já não é uma novidade nem provoca sentimentos especiais, tomar conhecimento da crueldade nazista nesse nível de detalhe passa do limite do tolerável. A visita às câmaras de gás é particularmente impressionante.
O pesadelo de Mauthausen é tão brutal que nem mesmo os monitores escapam dele. O principal guia, depois de anos de trabalho no local, tornou-se alcoólatra, por mal conseguir lidar com tudo aquilo. E ele revela seu desgosto quando relata que os chuveiros por onde saía o gás nas câmaras foram todos roubados, um por um, por visitantes à procura de suvenires.
Mas o perturbador em "KZ" é que há quem não se incomode. O filme mostra que existem felizes vizinhos de Mauthausen -vizinhos que não se perturbam com o passado do local e, mais do que isso, dizem que se trata de um "sonho perfeito" viver ali.
Uma velha viúva de um oficial da SS relembra o passado sem trair nenhum sentimento especial pelos mortos no campo. Novos moradores revelam uma felicidade quase obscena.
A 50 metros do prédio principal do campo, uma taverna faz uma festa típica austríaca, no mesmo local em que, nos tempos da Segunda Guerra, os oficiais da SS se embriagavam depois de um dia de "trabalho".
Hoje, jovens rapazes em trajes folclóricos não parecem menos indiferentes -a mesma indiferença que construiu o totalitarismo e que permanece entranhada na sociedade de massa.


KZ
    
Produção: Reino Unido, 2005
Direção: Rex Bloomstein
Quando: hoje, às 17h, no Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 3082-0213)
Quanto: entrada franca


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