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CRÍTICA/"KZ"
Documentário invade o inferno nazista
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
"KZ", o documentário de
Rex Bloomstein sobre o
campo de concentração de Mauthausen, na Áustria, é um mergulho sensorial no inferno.
Sem uma única imagem da barbárie nazista, o filme -atração
do festival "É Tudo Verdade"-
no entanto conduz o espectador
lentamente, de modo sufocante,
ao âmago do Holocausto -e revela o quanto as motivações que
alimentaram essa ideologia ainda
estão vivas.
O filme acompanha a visita de
turistas de várias partes do mundo às instalações do campo (ou
"KZ", como era chamado), que
foi construído logo depois da anexação da Áustria à Alemanha nazista (1938) e recebeu cerca de 200
mil prisioneiros até ser libertado
pelo Exército americano, em
maio de 1945. Pelo menos metade
dos internos não sobreviveu à desumanização sistemática realizada no local.
À medida que os monitores relatam a série de práticas dos carrascos nazistas no campo em cada
uma de suas alas, os visitantes se
transformam -eles deixam rapidamente de ser aqueles turistas
descontraídos movidos por uma
curiosidade mórbida, antes de a
visita começar, e passam a ser
sombrias testemunhas de crimes
cujas representações disponíveis
ainda são insuficientes para explicá-los.
Mal-estar
A sensação de desespero, repulsa e incredulidade é concreta.
Uma adolescente não suporta ouvir tudo aquilo e passa mal. Mesmo para alguém de uma geração
em que a morte em massa já não é
uma novidade nem provoca sentimentos especiais, tomar conhecimento da crueldade nazista nesse nível de detalhe passa do limite
do tolerável. A visita às câmaras
de gás é particularmente impressionante.
O pesadelo de Mauthausen é tão
brutal que nem mesmo os monitores escapam dele. O principal
guia, depois de anos de trabalho
no local, tornou-se alcoólatra, por
mal conseguir lidar com tudo
aquilo. E ele revela seu desgosto
quando relata que os chuveiros
por onde saía o gás nas câmaras
foram todos roubados, um por
um, por visitantes à procura de
suvenires.
Mas o perturbador em "KZ" é
que há quem não se incomode. O
filme mostra que existem felizes
vizinhos de Mauthausen -vizinhos que não se perturbam com o
passado do local e, mais do que isso, dizem que se trata de um "sonho perfeito" viver ali.
Uma velha viúva de um oficial
da SS relembra o passado sem
trair nenhum sentimento especial
pelos mortos no campo. Novos
moradores revelam uma felicidade quase obscena.
A 50 metros do prédio principal
do campo, uma taverna faz uma
festa típica austríaca, no mesmo
local em que, nos tempos da Segunda Guerra, os oficiais da SS se
embriagavam depois de um dia
de "trabalho".
Hoje, jovens rapazes em trajes
folclóricos não parecem menos
indiferentes -a mesma indiferença que construiu o totalitarismo e que permanece entranhada na sociedade de massa.
KZ
Produção: Reino Unido, 2005
Direção: Rex Bloomstein
Quando: hoje, às 17h, no Cinesesc (r.
Augusta, 2.075, tel. 3082-0213)
Quanto: entrada franca
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