São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2009

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CINEMA / SINOPSES

Crítica/"Os Contos de Canterbury"

Sem associar sexo à culpa, longa de Pasolini é parte mais sombria de trilogia

Divulgação
Pier Paolo Pasolini, que atua em 'Os Contos de Canterbury'


CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

"O corpo nu é o mais verdadeiro, abraçá-lo é a única ponte que se pode lançar sobre o abismo da solidão que nos separa uns dos outros."
Com base nesta crença, o cineasta, poeta e teórico italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975) criou, em fins dos anos 60, a Trilogia da Vida. Nela, inspirou-se em três clássicos -"Decameron", "Os Contos de Canterbury" e "As Mil e uma Noites"- para reinventar um mundo onde a sexualidade pudesse ser mostrada como inocência. O segundo título retorna numa versão restaurada, infelizmente exibida em cópia digital, em cartaz no CineSesc.
"Vida", no vocabulário de Pasolini, significava ver a natureza humana como essencialmente lúbrica. No entanto, seu propósito de enxergar a sexualidade como ato político pode denotar ingenuidade hoje, quando todas as formas de rebeldia já foram recodificadas nas estratégias de consumo.
E foi isto que levou Pasolini a abjurar sua trilogia logo depois de tê-la concluído, como reação ao sucesso obtido pelos filmes, no que o diretor identificou o mesmo interesse provocado pela pornografia comercial em ascensão na mesma época.
A revisão, portanto, é importante e revela que a trilogia se insere num movimento que completa o das releituras de "Édipo Rei" e "Medéia" feitas por Pasolini poucos anos antes. São buscas arqueológicas na qual mitos e fundamentos da cultura são revelados como estranhos e em que o passado é concebido como "única força de contestação ao presente".
Na trilogia, a desobediência vem na visão dos corpos: sujos, gordos, magricelas, barbudos, desdentados, belos, às vezes, mas sempre fora do padrão. Neles, Pasolini materializa sua revolta contra a normalidade.
Em contraste com seus complementos de trilogia, "Canterbury" é menos "alegre", mais sombrio. Sem associar a sexualidade à culpa, mas atento às formas da compulsão, Pasolini parece aqui anunciar a visão infernal do sexo na sociedade de consumo, que ele nos legará, com "Salò" (1975), sob a forma de testamento e maldição.

Avaliação: bom





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