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CINEMA
Retrospectiva mostra hoje "Conseguirão os Nossos Heróis
Encontrar o Amigo Misteriosamente Desaparecido na África?"
Scola entrevê o "outro" no espelho da telona
Divulgação
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O ator Gérard Depardieu em cena de "Concorrência Desleal", de Ettore Scola, que é exibido hoje |
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Quando pousa em território
africano, o protagonista de
"Conseguirão os Nossos Heróis
Encontrar o Amigo Misteriosamente Desaparecido na África?"
(1968), um burguês italiano em
crise (Alberto Sordi), editor cheio
de clichês literários na cabeça, desembarca com sua filmadora disposto a encontrar o seu "outro".
Mas, logo na saída, é ele que,
surpreendido com a câmera e todo o seu aparato de turista clássico, é filmado como uma patética
personagem etnocêntrica por um
cineasta africano. O burguês europeu em busca de aventuras se
vislumbra por um momento no
espelho (a câmera do africano).
Ele, que estava em busca do
"outro", toma consciência, por
um instante apenas, de si mesmo
e do próprio ridículo.
O mesmo jogo especular da gag
desse malfadado pastiche do "Coração das Trevas" conradiano, rodado na África por Scola em pleno 1968 e cuja cópia apresentada
na mostra em cartaz até amanhã
no Cinesesc está longe de ser razoável, encontramos em comédias posteriores do cineasta.
Fascismo
O espelho das famílias vizinhas
de alfaiates de "Concorrência
Desleal" (2000), outro filme programado na retrospectiva, é uma
repetição do esquema criado em
"Um Dia Muito Especial" (1977),
que estréia na próxima sexta-feira
em São Paulo.
Neste, o vizinho homossexual,
interpretado por Marcello Mastroianni, era o reflexo no espelho
que a dona-de-casa vivida por Sophia Loren precisava vislumbrar
para transcender o cotidiano embrutecedor e tomar consciência
do chauvinismo da cultura fascista que sua família reproduzia.
Em "Concorrência Desleal",
ambientado na mesma época, durante a visita de Hitler a Mussolini
na Roma de 1938, ele cria um esquema semelhante: passando da
grande à pequena história, aborda a concorrência entre duas famílias de alfaiates, uma judia outra católica, numa rua da cidade.
Se a deslealdade da concorrência nasce, a princípio, das iniciativas comerciais dos judeus, acaba
atrozmente invertida pelas leis raciais promulgadas pelos fascistas.
A família católica identifica-se no
espelho: a desgraça da família judia a faz transcender o cotidiano
de desavenças comerciais e tomar
consciência das injustiças da lei e
do anti-semitismo fascistas.
"O Jantar", também programado para hoje, é outra obra recente
e recorrente do cineasta italiano.
Scola repete os mesmos temas e
prosas de outros filmes seus ("O
Terraço", especialmente) sem o
brilho de outros tempos (dos
anos 70 sobretudo).
Seja como for, ele nunca deixou
de entrever a figura do conformista, essa espécie de terceiridade de
sua obra, esse permanente "outro" de sua persona cinematográfica, do outro lado, no espelho.
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