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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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14º FESTIVAL DE CURTAS

Crítico Jean Claude Bernardet lança livro e avalia fascínio do homem "pela própria vivência"

"Nós nos duplicamos numa imagem"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O 14º Festival Internacional de Curtas-Metragens (confira no quadro abaixo filmes brasileiros em destaque hoje) abriga na próxima terça o lançamento do livro "Cineastas e Imagens do Povo", do professor, crítico e cineasta Jean-Claude Bernardet, 67.
Editada originalmente em 1985, a obra foi revista e ampliada por Bernardet, com o objetivo de "contribuir para a discussão num momento em que a produção de documentários recrudesceu".
A seguir, o autor fala do tema.
 

Folha - O sr. é um crítico rigoroso até com os próprios filmes. Quando aponta precariedades em obras consagradas, como "Viramundo" (Geraldo Sarno, 1972), objetiva ser iconoclasta ou argumentar com os que atribuem aos documentários uma função sobretudo didática?
Jean Claude Bernardet -
Tenho o propósito de dialogar com o senso geral de que o documentário é a realidade. Mas pretendo também dialogar com os realizadores.
Não acho que o trabalho essencial da crítica seja atribuir notas boas ou ruins aos filmes, mas, sim, perceber quais são os problemas que eles colocam.
No caso de "Viramundo", faço a crítica do que chamei de modelo sociológico. Só posso fazê-la porque "Viramundo" foi fundo nisso, porque ele se realiza como um filme nesse modelo. A questão não é ser bom ou ruim. É claro que "Viramundo" é um bom filme. Não tenho a menor dúvida.

Folha - Na edição revista de seu livro, o sr. compara "O Prisioneiro da Grade de Ferro" (Paulo Sacramento, 2003) com o curta "Jardim Nova Bahia" (Aloysio Raulino, 1971). O novo no cinema brasileiro é uma reconstrução, e não uma criação?
Bernardet -
Quando fiz essa relação, quis dizer que existe uma tradição no documentário brasileiro. Um filme como "O Prisioneiro da Grade de Ferro", que é muito novo, encontra suas raízes dentro da própria produção de documentário brasileiro. Acho isso importante porque tradicionalmente diz-se que o Brasil importa tudo -a nouvelle vague, o naturalismo etc. Ou seja, que os estímulos vêm de fora.
Por outro lado, queria ressaltar que esse filme foi possível graças às pequenas câmeras digitais [entregues aos prisioneiros do Carandiru para filmarem sua rotina na carceragem]. No entanto, o uso das novas tecnologias depende muito de com que finalidade serão empregadas. Esse é um exemplo de que as tecnologias possibilitaram o desenvolvimento de uma idéia que existia antes, mas que não podia ir tão longe.

Folha - O sr. citou o recrudescimento da produção documental no Brasil, que é por vezes explicada a partir da dificuldade de realizar cinema ficcional. Essa tese situa o documentarista como um ficcionista frustrado. O sr. a endossa?
Bernardet -
Vejo isso muito diferentemente. Atribuo o aumento dos documentários ao que vem se chamando de "crise da representação ficcional". Não acreditamos mais nesse realismo que durante um século ou mais se fez passar por "a vida como ela é". Acho que a importância do documentário está muito ligada a essa questão.
Por outro lado, há um fascínio cada vez maior pelas imagens captadas diretamente da realidade, até por um material bruto quase sem tratamento. Não é só o documentário cinematográfico, mas estamos cercados por uma gama diversificada de produções, desde a câmera de vigilância até o "reality show", que a gente sabe ser totalmente contrafeito, artificial, mas que se apresenta como o real. Acho que temos um fascínio pela imagem da nossa própria vivência. Vivemos nos duplicando. Nos duplicamos numa imagem.


CINEASTAS E IMAGENS DO POVO. De: Jean Claude Bernardet. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 38 (320 págs.). Lançamento na próxima terça, às 19h, na livraria do Anexo do Espaço Unibanco (r. Augusta, 1.470).


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