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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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"A POLTRONA ESCURA"

Baseado em obras do dramaturgo italiano, monólogo com Cacá Carvalho absorve humor negro

Montagem acumula contrastes de Pirandello

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
O ator Cacá Carvalho em "A Poltrona Escura", espetáculo com direção de Roberto Bacci que abarca três novelas curtas de Pirandello


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

É ambíguo o universo de Luigi Pirandello (1867-1936). Grotesco e profundo, meio-termo entre teatro e ensaio filosófico, é fácil cair no tedioso ou no superficial ao se encenar a sua obra.
Cacá Carvalho e Roberto Bacci, ator e diretor que trabalham juntos no laboratório de teatro em Pontedera (Itália), já deram provas de dominar esse universo com "O Homem com a Flor na Boca".
Em "A Poltrona Escura" a aposta é mais alta. Não se trata apenas de um monólogo, mas de três curtas novelas do mais negro humor pirandelliano, a que Carvalho, atuando como um contador de histórias, deve dar vida. Sozinho, alternando personagens com um mínimo de recursos, os poucos adereços e cenário único de Márcio Medina, o ator tem o desafio de desenvolver a vertiginosa retórica de Pirandello sem perder a comicidade das situações.
O cenário é basicamente a poltrona sombria do título e cortinas de veludo. É nela que o viúvo do primeiro conto se refugia, sentindo sua autoridade ser usurpada pelo filho. No segundo, ela é uma poltrona de trem, na qual um advogado passa a se ver de fora como uma caricatura, tema pirandelliano por excelência. Ela se torna um volumoso cadáver, que o protagonista do terceiro conto deve arrastar quando descobre o perturbador dom de matar o próximo ao soprar entre o indicador e polegar.
A técnica "grotowiskiana" é solicitada ao máximo, permitindo que alterne timbres e ritmos de voz, seguindo uma precisa partitura de gestos. Entendemos quem fala pela maneira como fala: o patético falsete do velho é contrastado pela calma arrogância de seu filho; a teatralidade gestual do advogado torna-o uma embalagem vazia para seus próprios olhos.
Esse malabarismo camaleônico se apóia em poucos objetos cotidianos, que ganham uma dimensão metafísica: os chinelos do viúvo; uma grotesca liga de meia no cadáver fazendo tudo resvalar para o intenso clima onírico. Acrescente-se uma sutil iluminação de Domingos Quintiliano operada com rara maestria, e o que se vê é um espetáculo hilário e assustador, poético e marcante.
O acúmulo de desafios pode resvalar para a demonstração, e de fato na curva de um gesto, no pairar de uma pausa, se pressente o orgulho que Carvalho sente por estar em cena, não com arrogância, mas como uma criança em proeza de bicicleta. É com rara generosidade que ele passa da construção psicológica para o distanciamento brechtiano, chegando à dimensão sagrada, de quem espalha o questionamento do mundo como uma epidemia. Contagia a platéia, por muito tempo, com a magia do teatro.


A Poltrona Escura    
Textos: Luigi Pirandello
Dramaturgia: Stefano Geraci
Direção: Roberto Bacci
Com: Cacá Carvalho
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro Ramos, 915, tel. 6602-3700)
Quando: sáb. e dom., às 18h; até 7/9
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 15



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