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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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ARTES VISUAIS/CRÍTICA

"Ordenação e Vertigem" examina a produção brasileira recente à luz de Arthur Bispo do Rosário

Mostra justapõe Bispo a contemporâneos

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

"Ordenação e Vertigem" é mostra neo-surrealista. Justapõe a produção terapêutica de Arthur Bispo do Rosário (1911-89) à arte contemporânea nacional para explorar o lado obscuro do construtivismo.
O incentivo à expressão plástica de deficientes mentais é uma conquista brasileira. Em 46, a alagoana Nise da Silveira criou uma seção de terapia ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro 2º, no Rio. O trabalho levaria à fundação do Museu do Inconsciente, em 52.
Bispo foi diagnosticado como esquizofrênico em 38, tendo permanecido interno até morrer. Dizia ter recebido por missão divina organizar o mundo. Tendo à disposição apenas sucata e materiais baratos, operou com dois procedimentos recorrentes: a seriação de elementos similares e a nomeação escrita ou bordada.
O reconhecimento póstumo da obra do interno desde a última década coincide com a revisão da herança construtiva na arte brasileira atual. A ordenação de conjuntos de materiais pobres apropriados e a fantástica poética auto-referente tornam-se elementos de estilo que caracterizam os parentescos traçados pelo CCBB entre Bispo e a contemporaneidade.
As duas aproximações mais enfáticas são com Leonilson e Sandra Cinto. A manifestação psicológica através da manualidade artesanal aparece como termo de comparação. Contudo o leque de opções torna-se potencialmente ilimitado quanto à base inconsciente da seriação construtiva.
Entre a ordenação e a vertigem, abre-se um abismo em que tudo parece caber. O confronto entre os cem metrônomos que tocam o "Poema Sinfônico", de György Ligeti, e os 30 móbiles com figura de olho na instalação "Olho no Olho", de Nelson Leirner, exemplificam a fluidez dos critérios de afinidades.
Apesar da qualidade dos trabalhos, a atribuição das heranças recentes de Bispo pode se tornar ilimitada. Mas os processos históricos de apropriação voluntária diferem em essência do aprisionamento na loucura. Como escreveu Nise da Silveira em "Cartas a Spinoza": "A loucura é acorrentamento a uma paixão, a uma idéia, é fixação na visão de imagens horrendas ou belas, um emaranhamento num espaço e tempo imutáveis".


Ordenação e Vertigem   
Onde: CCBB(r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651)
Quando: de ter. a dom., das 12h às 20h; até 12/10
Quanto: entrada franca



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