São Paulo, quarta-feira, 01 de janeiro de 2003

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PERFIL/MARISA

Com pulso forte e sangue quente, herança da ascendência italiana, a dona-de-casa Marisa é quem comanda as finanças da família

Primeira-companheira

JULIA DUAILIBI
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

"Vamos, bem. O menino está sem chave." Com essas palavras, a dona-de-casa Marisa Letícia Lula da Silva, 52, chamou o seu marido para ir embora de um churrasco. Já passava das 22h de uma sexta-feira do último dezembro, e o caçula dos quatro filhos do casal estava para chegar em casa.
Com uma bola de futebol nas mãos e após uma certa relutância, o marido atendeu imediatamente ao ultimato sutil de Marisa e, um pouco melancólico, deixou os amigos para trás. Na casa do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, quem manda é a mulher.
Marisa Letícia tem pulso forte e sangue quente. Herança da ascendência italiana por parte de pai e mãe. A primeira-dama nasceu em uma casa de pau-a-pique, no bairro dos Casa, sobrenome de seu avô, que tinha um sítio em São Bernardo do Campo. Naquela época, o município era um grande matagal, com algumas casas de empregados das fábricas de móveis, que, anos depois, deram lugar às montadoras.
A casa de Marisa tinha chão de terra batida. As crianças dormiam em colchões de palha. No quintal, seus pais criavam galinhas e porcos. Aos sete anos, quando mudou para a cidade, na casa de Marisa ainda não tinha luz e a água era de poço.
A mãe de Marisa, Regina Rocco Casa, era uma famosa benzedeira da região. Do pai, Antonio João Casa, dizem que a primeira-dama puxou o gosto pelas plantas, seu hobby predileto.
Diziam, na década de 60, que a mãe da primeira-dama curava crianças que estavam doentes. "Ela sabia direitinho quando a criança estava com o bucho virado", conta um dos amigos do casal e morador antigo da região, Juno Rodrigues Silva, o Gijo.
Regina, que teve 15 filhos, colocava brasa na água. Se a brasa descesse, dizia-se que a criança estava com quebranto. Era bastante comum a casa da família, na rua Miosótis, ficar cheia de crianças que eram levadas pelas mães em busca de cura. Dos irmãos de Marisa, apenas nove estão vivos.
Marisa também herdou da família o costume de comemorar as festas religiosas todos os anos. Até hoje a primeira-dama reúne os amigos em seu sítio, na beira da represa Billings, para fazer uma fogueira na festa junina.
A primeira-dama trabalhou na fábrica de chocolates Dulcora, onde embalou bombons a partir dos 13 anos. Aos nove, havia sido babá das sobrinhas do pintor Cândido Portinari.
Loira, com os cabelos cacheados e compridos até a altura dos ombros, Marisa era tida como uma das jovens mais bonitas do bairro. Aos 19 anos estava casada. Ficou viúva quando estava grávida de quatro meses do seu filho Marcos. O marido, que dirigia um fusca como táxi, foi assassinado em uma tentativa de assalto.
Depois de morar pouco mais de um ano com os sogros, Marisa começou a trabalhar no bar de uma prima sua, o bar da Dirce. Nessa época, passou a viver com a sua mãe, que morava na mesma rua de seu trabalho.
Atrás de um balcão de aço inox, serviu bebida para os clientes, de quem sabia fugir com muita classe, conta sua prima Dirce. "Às vezes, ficávamos juntas, pintando as unhas e arrumando os cabelos", lembra a prima.
Foi nessa época que a primeira-dama teve o primeiro contato com a política. Ajudou na campanha de um vereador da região, que era amigo de Pedro, marido da prima Dirce.
Em 1973, conheceu Lula, quando foi até o sindicato dos metalúrgicos buscar um carimbo para retirar a sua pensão. Foi quando o presidente fez questão de deixar cair sua carteira do sindicato para mostrar que também era viúvo. Os dois começaram a namorar. Lula ia frequentemente buscá-la no bar. Ficava num canto do balcão aguardando Marisa terminar o expediente. Um ano depois veio o casamento. Lula adotou o filho de Marisa, Marcos, e teve mais outros três com ela.
Lula já liderava as pesquisas de intenção de votos, no meio do ano passado, quando Marisa foi vista por amigos em uma loja de departamento em São Bernardo fazendo um crediário. Sempre fora uma das clientes mais fiéis do mercado do João Nagano, que tinha um bons preços.

Finanças
É Marisa quem cuida das finanças da casa. É ela quem também toma conta de toda a arrumação do dúplex da família, no último andar de um prédio que fica na avenida Prestes Maia, em São Bernardo. A primeira-dama nunca teve empregada. Joana, tida pelos amigos como uma "irmã de criação" de Marisa, ajuda a primeira-dama quando há eventos especiais. As irmãs de Marisa acham que ela estranhará a mordomia do Palácio da Alvorada.
O papel de "general" ficou todo com a primeira-dama. Dizem que, enquanto Lula é "mole" com os filhos, Marisa é a "dama-de-ferro". Costuma comentar que, conforme as "crianças" vão ficando mais velhas, a casa vai se tornando quase uma pensão.
Apesar de linha-dura, Marisa é muito carinhosa com os filhos e com o neto, que costumava levar para a escola.
A primeira-dama empolgou-se durante a construção do PT. Responsável pelas fichas de inscrição, muitas vezes ela ia cadastrar as pessoas na rua, buscando convencê-las da importância de montar um partido dos trabalhadores. Dizem que é dela a costura da estrela na primeira bandeira do PT. Sobre essa passagem, há um certo ceticismo por parte de petistas históricos.
No dia em que Lula foi preso, Marisa chorou muito. Arrumou a mala para o marido, antes de ele partir, enquanto Lula tomava café. Depois deixou as crianças com o vizinho e foi atrás de pessoas que poderiam ajudar o marido.
Foi quando mobilizou uma marcha com mulheres contra as prisões políticas. De mãos dadas com os filhos, durante a passeata ficou sob o olhar da polícia em pleno regime militar.
Foi com o terceiro filho, Sandro, que Marisa passou um dos momentos mais apreensivos de sua vida. Ainda criança, o menino teve problemas no coração e chegou a ser internado no hospital. Hoje está curado. Em 2001, Lula voltou mais cedo de uma viagem que fazia ao México porque a mulher precisou adiar o cateterismo que faria no coração.

Velhos costumes
É no sítio da família que Marisa faz uma das coisas de que mais gosta: cuidar das plantas. É bastante comum os amigos encontrarem a futura primeira-dama no jardim, com uma roupa bem velha, mexendo na horta e cavando a terra com uma pá.
No lugar, Marisa cozinha para os amigos, joga baralho e relembra o passado. A primeira-dama faz questão de que Lula guarde sempre um tempo para família. Durante a campanha, após passar semanas em viagens, o petista sumia do público por um fim de semana. Ordens de Marisa.
A primeira-dama costuma dizer que foi "pai e mãe". Lula, envolvido com o movimento sindical, não esteve presente no nascimento dos filhos.
Amigos dizem que ela é bastante prática, do tipo que "coloca a mão na massa", relata Maria Aparecida Demarchi.
Em dezembro, Marisa estava em casa experimentando vestidos para a posse, quando uma das estilistas sugeriu que ela perguntasse a Lula qual dos vestidos ele mais gostava. A primeira-dama respondeu: "Meu marido está cheio de coisas importantes na cabeça, pensando em ministério. Não vou atrapalhá-lo para perguntar sobre cor de vestido".
É com esse estilo firme que Marisa pretende tocar projetos sociais no governo Lula. Mas tudo no seu tempo e do seu jeito, diz.


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