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PERFIL/MARISA
Com pulso forte e sangue quente, herança da ascendência italiana, a dona-de-casa Marisa é quem comanda as finanças da família
Primeira-companheira
JULIA DUAILIBI
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
"Vamos, bem. O menino está
sem chave." Com essas palavras, a
dona-de-casa Marisa Letícia Lula
da Silva, 52, chamou o seu marido
para ir embora de um churrasco.
Já passava das 22h de uma sexta-feira do último dezembro, e o caçula dos quatro filhos do casal estava para chegar em casa.
Com uma bola de futebol nas
mãos e após uma certa relutância,
o marido atendeu imediatamente
ao ultimato sutil de Marisa e, um
pouco melancólico, deixou os
amigos para trás. Na casa do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva, quem manda é a mulher.
Marisa Letícia tem pulso forte e
sangue quente. Herança da ascendência italiana por parte de pai e
mãe. A primeira-dama nasceu em
uma casa de pau-a-pique, no bairro dos Casa, sobrenome de seu
avô, que tinha um sítio em São
Bernardo do Campo. Naquela
época, o município era um grande matagal, com algumas casas de
empregados das fábricas de móveis, que, anos depois, deram lugar às montadoras.
A casa de Marisa tinha chão de
terra batida. As crianças dormiam
em colchões de palha. No quintal,
seus pais criavam galinhas e porcos. Aos sete anos, quando mudou para a cidade, na casa de Marisa ainda não tinha luz e a água
era de poço.
A mãe de Marisa, Regina Rocco
Casa, era uma famosa benzedeira
da região. Do pai, Antonio João
Casa, dizem que a primeira-dama
puxou o gosto pelas plantas, seu
hobby predileto.
Diziam, na década de 60, que a
mãe da primeira-dama curava
crianças que estavam doentes.
"Ela sabia direitinho quando a
criança estava com o bucho virado", conta um dos amigos do casal e morador antigo da região,
Juno Rodrigues Silva, o Gijo.
Regina, que teve 15 filhos, colocava brasa na água. Se a brasa descesse, dizia-se que a criança estava
com quebranto. Era bastante comum a casa da família, na rua
Miosótis, ficar cheia de crianças
que eram levadas pelas mães em
busca de cura. Dos irmãos de Marisa, apenas nove estão vivos.
Marisa também herdou da família o costume de comemorar as
festas religiosas todos os anos. Até
hoje a primeira-dama reúne os
amigos em seu sítio, na beira da
represa Billings, para fazer uma
fogueira na festa junina.
A primeira-dama trabalhou na
fábrica de chocolates Dulcora, onde embalou bombons a partir dos
13 anos. Aos nove, havia sido babá
das sobrinhas do pintor Cândido
Portinari.
Loira, com os cabelos cacheados e compridos até a altura dos
ombros, Marisa era tida como
uma das jovens mais bonitas do
bairro. Aos 19 anos estava casada.
Ficou viúva quando estava grávida de quatro meses do seu filho
Marcos. O marido, que dirigia um
fusca como táxi, foi assassinado
em uma tentativa de assalto.
Depois de morar pouco mais de
um ano com os sogros, Marisa começou a trabalhar no bar de uma
prima sua, o bar da Dirce. Nessa
época, passou a viver com a sua
mãe, que morava na mesma rua
de seu trabalho.
Atrás de um balcão de aço inox,
serviu bebida para os clientes, de
quem sabia fugir com muita classe, conta sua prima Dirce. "Às vezes, ficávamos juntas, pintando as
unhas e arrumando os cabelos",
lembra a prima.
Foi nessa época que a primeira-dama teve o primeiro contato
com a política. Ajudou na campanha de um vereador da região,
que era amigo de Pedro, marido
da prima Dirce.
Em 1973, conheceu Lula, quando foi até o sindicato dos metalúrgicos buscar um carimbo para retirar a sua pensão. Foi quando o
presidente fez questão de deixar
cair sua carteira do sindicato para
mostrar que também era viúvo.
Os dois começaram a namorar.
Lula ia frequentemente buscá-la
no bar. Ficava num canto do balcão aguardando Marisa terminar
o expediente. Um ano depois veio
o casamento. Lula adotou o filho
de Marisa, Marcos, e teve mais
outros três com ela.
Lula já liderava as pesquisas de
intenção de votos, no meio do ano
passado, quando Marisa foi vista
por amigos em uma loja de departamento em São Bernardo fazendo um crediário. Sempre fora
uma das clientes mais fiéis do
mercado do João Nagano, que tinha um bons preços.
Finanças
É Marisa quem cuida das finanças da casa. É ela quem também
toma conta de toda a arrumação
do dúplex da família, no último
andar de um prédio que fica na
avenida Prestes Maia, em São Bernardo. A primeira-dama nunca
teve empregada. Joana, tida pelos
amigos como uma "irmã de criação" de Marisa, ajuda a primeira-dama quando há eventos especiais. As irmãs de Marisa acham
que ela estranhará a mordomia
do Palácio da Alvorada.
O papel de "general" ficou todo
com a primeira-dama. Dizem
que, enquanto Lula é "mole" com
os filhos, Marisa é a "dama-de-ferro". Costuma comentar que,
conforme as "crianças" vão ficando mais velhas, a casa vai se tornando quase uma pensão.
Apesar de linha-dura, Marisa é
muito carinhosa com os filhos e
com o neto, que costumava levar
para a escola.
A primeira-dama empolgou-se
durante a construção do PT. Responsável pelas fichas de inscrição,
muitas vezes ela ia cadastrar as
pessoas na rua, buscando convencê-las da importância de montar
um partido dos trabalhadores.
Dizem que é dela a costura da estrela na primeira bandeira do PT.
Sobre essa passagem, há um certo
ceticismo por parte de petistas
históricos.
No dia em que Lula foi preso,
Marisa chorou muito. Arrumou a
mala para o marido, antes de ele
partir, enquanto Lula tomava café. Depois deixou as crianças com
o vizinho e foi atrás de pessoas
que poderiam ajudar o marido.
Foi quando mobilizou uma
marcha com mulheres contra as
prisões políticas. De mãos dadas
com os filhos, durante a passeata
ficou sob o olhar da polícia em
pleno regime militar.
Foi com o terceiro filho, Sandro,
que Marisa passou um dos momentos mais apreensivos de sua
vida. Ainda criança, o menino teve problemas no coração e chegou a ser internado no hospital.
Hoje está curado. Em 2001, Lula
voltou mais cedo de uma viagem
que fazia ao México porque a mulher precisou adiar o cateterismo
que faria no coração.
Velhos costumes
É no sítio da família que Marisa
faz uma das coisas de que mais
gosta: cuidar das plantas. É bastante comum os amigos encontrarem a futura primeira-dama
no jardim, com uma roupa bem
velha, mexendo na horta e cavando a terra com uma pá.
No lugar, Marisa cozinha para
os amigos, joga baralho e relembra o passado. A primeira-dama
faz questão de que Lula guarde
sempre um tempo para família.
Durante a campanha, após passar
semanas em viagens, o petista sumia do público por um fim de semana. Ordens de Marisa.
A primeira-dama costuma dizer
que foi "pai e mãe". Lula, envolvido com o movimento sindical,
não esteve presente no nascimento dos filhos.
Amigos dizem que ela é bastante prática, do tipo que "coloca a
mão na massa", relata Maria Aparecida Demarchi.
Em dezembro, Marisa estava
em casa experimentando vestidos
para a posse, quando uma das estilistas sugeriu que ela perguntasse a Lula qual dos vestidos ele
mais gostava. A primeira-dama
respondeu: "Meu marido está
cheio de coisas importantes na cabeça, pensando em ministério.
Não vou atrapalhá-lo para perguntar sobre cor de vestido".
É com esse estilo firme que Marisa pretende tocar projetos sociais no governo Lula. Mas tudo
no seu tempo e do seu jeito, diz.
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