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"Quem dera ter carne todo dia", diz moradora
DA SUCURSAL DO RIO
Gente que antes tinha emprego
e salários fixos e agora sobrevive,
em parte, com a mandioca e o milho que planta no quintal. Que antes conseguia abastecer a dispensa
para o mês todo e hoje depende
de uma cesta básica que, às vezes,
"alguém" dá. Que antes comia
carne todo o dia e agora só quando "sobra um qualquer".
Esse é o cenário que a Folha encontrou na pobre localidade de
Exponing, uma invasão no bairro
da Posse (Nova Iguaçu, região
metropolitana do Rio), onde vivem cerca 90 famílias.
Em abril deste ano, a Folha esteve local, para retratar as condições
de vida na Baixada Fluminense,
palco da chacina de 29 pessoas,
supostamente mortas pela polícia
em Nova Iguaçu e Queimados.
De lá para cá, nada mudou. O
lugar que caracteriza o empobrecimento das metrópoles mais parece uma roça de antigamente,
mas está a menos de 5 km da via
Dutra, lotada de supermercados,
restaurantes e shoppings centers
utilizados pela classe média da
Baixada Fluminense.
Lá, vive sozinha Teresinha de
Jesus Passos, 65. Ela conta que nos
últimos dez anos sua vida só piorou. "Olha, graças a Deus, faltar
comida não falta, mas carne todo
o dia, quem dera. Quando eu era
caixa numa loja em Nova Iguaçu
vivia melhor. Depois, fiquei desempregada um tempão, deixei
de pagar a Previdência e hoje só
recebo R$ 300 por mês. É tudo o
que ganho. Não tenho essa coisa
de Bolsa-Família. Ninguém me dá
nada. Só de vez em quando uma
cesta básica, um remédio no posto e olha lá."
Sua casa tem uma TV "velhinha, quase pifando", um celular
pré-pago que ganhou da filha, geladeira e fogão. Acesso a serviços
públicos eles também têm: "A
água é da rua". E a luz? "É miau",
disse falando baixinho. "Quando
me dizem que a Light vai cortar eu
respondo: e daí, aqui é miau [gato,
ligação irregular]", completa.
Para o remédio do coração
-Teresinha é cardíaca-, o dinheiro não dá. "Tem um tempão
que não tomo. Só quando tem no
posto, mas sempre está em falta."
Sua filha Rosana de Jesus Passos, 43, mora dois barracos adiante, com o marido e dois filhos. Recebe R$ 65 do Bolsa-Família e
vende "umas balas e uns doces"
na porta da sua casa, que lhe rende "mais uns R$ 40" por mês. "Tinha também o vale-gás, que dava
R$ 15 por mês, mas no começo
deste ano eles cortaram", disse.
Os dois filhos de Rosana
-Cristiano, 6, e Cristiane, 19-
estão na escola. "A garota faz uns
bicos de vez em quando." Rosana
diz que também faz "umas faxinas", mas dinheiro para procurar
emprego fixo ela não tem nem para o ônibus. "Conseguir emprego
aí pra baixo [zona Sul do Rio] é
muito difícil. Precisa ter indicação
e pra pegar um ônibus daqui pra
Central [do Brasil, terminal de
ônibus e trens no centro do Rio]
custa R$ 3. Se pagar isso, não sobra todo dia", disse.
Situação semelhante vive Márcia Helena Dias da Cruz, 40. Ela
trabalhava numa empresa de ônibus até adoecer -ela sofre de erisipela e problemas circulatórios
nas pernas- e está há mais de
um ano afastada. Recebe R$ 300
do INSS. "E graças ao bom Deus
que tenho esse benefício."
Trabalho assistencial é algo esporádico na região. "Vez por outra vem alguém de uma igreja e dá
uma cesta básica. Mas neste ano
[em 2005] está bem fraco. Não peguei nenhuma. Só um pessoal
veio aqui dar uns brinquedos para as crianças". Márcia sustenta os
três filhos com a pensão.
A única assistência regular que
há na região é da Pastoral da
Criança, que acompanha peso e
medida das crianças, dá suplemento alimentar para mães e filhos e uma refeição no dia da pesagem mensal, relatam as mulheres. Diversão, diz, é só ver a TV de
14 polegadas, comprada em prestações quando ainda não estava
afastada do emprego.
Vizinho delas, o pedreiro Ubiratan Teixeira, planta milho, mandioca, mamão, banana, couve e
outras hortaliças no pequeno
quintal. "É para quando falta dinheiro, assim ainda dá pra segurar um pouco. Quando tem biscate dá pra tirar uns R$ 500, se pegar
um trabalho bom." Ele diz ainda
que doa aos vizinhos a produção
da sua roça nos meses nos quais
consegue um "bom dinheiro".
O milho e mandioca também
servem para alimentar os dois cachorros que ele mantêm presos
no quintal. "Pra mim pode até faltar, mas pra eles tem sempre uma
carcaça de frango ou angu".
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