São Paulo, domingo, 01 de janeiro de 2006

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GASTOS PÚBLICOS

Sem ajuda da União, centenas de cidades seriam inviáveis do ponto de vista contábil, segundo estudo do Iedi

"Custo político" come receita de municípios

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Os 5.565 municípios brasileiros gastam por ano cerca de R$ 10 bilhões para manter atividades consideradas "políticas". Mais da metade das cidades (57%) usa parcelas superiores a 21% da receita para sustentar esse "custo político".
Estudo inédito elaborado pelo Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) revela que centenas de municípios seriam absolutamente inviáveis do ponto de vista contábil se tivessem que arcar com esse "custo político" com receitas próprias.
Em muitos casos, salários de prefeitos e vereadores só são suportáveis porque as cidades recebem repasses da União.
O trabalho mostra que há 1.609 prefeituras que têm um "custo político" superior a 25% das suas receitas líquidas. Se essas cidades pudessem se ajustar, economizariam R$ 650 milhões ao ano.
O valor equivale a quatro vezes o que os municípios gastam com habitação, ao mesmo que consomem em transportes ou a 80% do que aplicam em saneamento.

Critérios
O Iedi fez o levantamento com base em dados oficiais enviados por mais de 5.000 municípios do país à STN (Secretaria do Tesouro Nacional). Na média nacional, essas prefeituras gastam 21,3% de sua receita com o "custo político".
No trabalho, o Iedi considerou como sendo "custo político" os seguintes itens: 1) o total de gastos com o Legislativo; 2) despesas relacionadas ao Judiciário, relações exteriores e "essenciais à Justiça"; 3) 30% dos gastos administrativos, incluindo salários de prefeitos, secretários e funções comissionadas e; 4) 10% da despesa contabilizada na função "encargos especiais". O total desses gastos foi contraposto à receita total das cidades. Ela inclui todos os impostos cobrados (como IPTU, ISS etc.) e as transferências diretas da União. Não foram consideradas receitas e transferências "carimbadas", como os repasses diretos para saúde e educação.
O economista Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi, diz que o objetivo do levantamento é mostrar que, em muitos casos, não é justificável a existência de milhares de municípios no país. O funcionamento de centenas deles seria absolutamente inviável se fossem obrigados a se manter "com as próprias pernas".
Em 1980, o Brasil tinha 3.991 municípios. Após a Constituição de 1988, que autorizou uma série de repasses obrigatórios às municipalidades, houve um salto para 4.491 -atingindo os 5.565 atuais.
Ao mesmo tempo, a participação dos municípios no total da receita tributária do país (ou seja, o peso deles sobre os contribuintes) passou de 11% em 1988 para 16,5% hoje. No início dos anos 60, o percentual mal chegava aos 6%.
O economista José Roberto Afonso, especialista em finanças públicas, diz que, do ponto de vista macroeconômico, o peso dos municípios não é grande. "Mas é muito relevante discutir seus custos quando há enorme demanda por mais gastos na área social."
Afonso lembra que o projeto original da Lei de Responsabilidade Fiscal previa limitar os custos das Câmaras municipais à arrecadação própria de cada cidade -o que não foi aprovado. "Na prática, a Câmara existe para aprovar orçamentos e autorizar gastos. Não faz sentido ela custar mais do que o que tem para gastar."
Para o economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Renato Vilela, não seria adequado "tirar médias" na comparação de gastos entre os municípios, já que a legislação prevê que cidades tão diferentes quanto São Paulo ou Arapiraca (AL) tenham Câmara de Vereadores.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 2002 e 2004, o número de servidores municipais aumentou 11,1%. As prefeituras empregam 4,6 milhões de servidores no país.


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