São Paulo, domingo, 01 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VISÃO DA CRISE

Corrupção não tem fim, diz promotor

CRISTINA FIBE
DA REDAÇÃO

O excesso de individualismo e a inversão do princípio da impessoalidade na administração pública fazem com que os políticos se apropriem do bem público, de um lado, e façam das investigações um espetáculo, de outro. Pelas mesmas razões, a sociedade não se sente diretamente prejudicada pela corrupção.
É a opinião do promotor de Justiça Roberto Livianu, cuja tese de doutorado na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), orientada pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., teve como tema a corrupção.
Para Livianu, não há como acabar com o crime, que deve ser combatido por meio da educação, da colaboração internacional e da criação de um modelo de combate exclusivo para o Brasil.
Além disso, diz, é fundamental que a Justiça mude sua visão em relação à corrupção. O promotor acha que há preconceito por parte de juízes, para quem "o indivíduo que entrou armado em um ônibus e levou R$ 50 de alguém (...) coloca em risco a sociedade de uma maneira mais forte do que aquele que pratica a corrupção".
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha:
 

Folha - Como acabar com a corrupção?
Roberto Livianu -
Não há como acabar. A corrupção precisa ser mantida sob controle. Podemos ter alguns paliativos, mas não adianta ter a ilusão de que isso vai reverter brutalmente esse quadro.
O que enxergamos hoje é uma aparente situação de corrupção endêmica, generalizada. Acho que vale a pena observar que essa visibilidade toda não significa que a corrupção aumentou: ela está mais visível porque as instituições estão funcionando.

Folha - Então essa crise não é a mais grave da história do país?
Livianu -
Não, essa é uma afirmação que está carregada de sectarismo político, de interesses. A corrupção está muito visível porque está havendo mais apuração.

Folha - Os pequenos atos de corrupção e a corrupção na gestão pública legitimam um ao outro?
Livianu -
Sim, como se houvesse uma espécie de compensação. A coisa está enraizada. As pessoas toleram, quem ingressa na administração pública acha absolutamente comum receber presentes.
Existe uma atitude ruim de misturar a esfera pública em relação à privada. Outra questão fundamental é melhorar o sistema de controle dos partidos. É necessário ter controles mais efetivos.

Folha - Como a reforma política pode ajudar?
Livianu -
Quando o indivíduo é eleito, o mandato se torna um bem material que ele comercializa. Essa frouxidão de regras faz com que o parlamentar não tenha vínculo com princípios éticos. Precisamos fazer reforma, implantar medidas que estejam conectadas às nossas necessidades.

Folha - Qual é o nosso caminho?
Livianu -
Acho que precisamos melhorar alguma coisa nas leis. A pena tem de ser dosada proporcionalmente a seu dano social.

Folha - É preciso criar mais leis?
Livianu -
Não. O principal é que a gente tenha um amadurecimento da atitude dos operadores. Há um conceito de que esse crime do colarinho-branco não é tão grave.

Folha - Por quê?
Livianu -
Quando estou lidando com corrupção não existe clareza para o juiz de que aquilo está lesando o interesse de milhares, de milhões de pessoas. Ele acha que o indivíduo que entrou armado em um ônibus e levou R$ 50 de alguém, pelo fato de ter agido com violência ou grave ameaça, coloca em risco a sociedade de maneira mais forte do que aquele que pratica a corrupção.

Folha - Em sua tese o sr. relaciona a sociedade do espetáculo à corrupção...
Livianu -
As pessoas estão vivendo um momento de muito egocentrismo, os políticos muitas vezes agindo por interesses pessoais, e aí nós temos um conjunto de ingredientes bastante perigoso. A imprensa é um personagem vital para a democracia, mas o exercício da imprensa tem de ser equilibrado. Não se admite o abuso de poder por parte do promotor nem por parte da mídia. Existe o uso da mídia para o espetáculo.

Folha - Em que medida isso pode afetar o andamento adequado das investigações nas CPIs?
Livianu -
Essa coisa da excessiva vaidade, os políticos se esquecem de que devem exercer o poder de forma impessoal. Está na Constituição o princípio da impessoalidade na administração pública. Aquilo [o Congresso] não é um picadeiro. Nós vivemos um momento em que temos essa espetacularização à flor da pele. E ela é boa para a mídia, vende jornal.


Texto Anterior: Janio de Freitas: Um bom ano
Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Garotinho não revela gastos de campanha
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.