São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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BRASIL PROFUNDO

Lula, que anunciou ação como prioridade, mantém diárias congeladas

Elite do combate ao trabalho escravo paga para trabalhar

MAURO ALBANO
DA AGÊNCIA FOLHA

Auditores ligados ao grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho, unidade de elite do combate ao trabalho escravo, precisam pagar com dinheiro do próprio bolso parte dos custos das ações. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que lançou em março do ano passado o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e anunciou que o combate a esse crime seria uma de suas prioridades, não aumentou o valor pago diariamente aos enviados em missões de resgate, considerado abaixo do necessário e congelado desde 1995.
Na quarta-feira passada, três auditores fiscais do Trabalho, ligados ao departamento regional de Belo Horizonte, e o motorista que os acompanhava foram mortos na rodovia vicinal MG-188, a 55 km de Unaí (MG). Os quatro receberam tiros na cabeça. Uma força-tarefa investiga o crime.
O objetivo dos fiscais mortos, que estavam na área desde segunda-feira, era vistoriar as condições de trabalho, remuneração e acomodação das pessoas arregimentadas para colherem a safra de feijão, que acontece de 15 de janeiro até o final de fevereiro na região. Apesar de um dos fiscais ter recebido ameaças de morte, o grupo não tinha proteção policial.

Operação de risco
O grupo móvel é deslocado para fazendas no interior do país que sofreram denúncia de trabalho escravo. Como são operações consideradas de risco, os fiscais são acompanhados da Polícia Federal. Cada integrante da ação -um fiscal-coordenador, outros cinco auditores fiscais e seis policiais federais- recebe uma diária de R$ 68,94 para ajuda de custos.
Fiscais relataram à Agência Folha, sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, que o valor não cobre os custos e que esse problema gera atrasos e deficiências na fiscalização.
A diária em hotel médio no sul do Pará, por exemplo, custa cerca de R$ 50. O resto do dinheiro não é suficiente, dizem os fiscais, para a alimentação. Além disso, eles geralmente têm de pagar todas as despesas dos "X-9" -como são chamados os informantes- que os auxiliam a achar as fazendas.
As ações podem durar até 15 dias, devido à dificuldade em encontrar as fazendas, a maioria delas no sul do Pará e no norte de Mato Grosso, e em negociar o pagamento das rescisões trabalhistas com os fazendeiros autuados.
Os auditores fiscais dizem gastar de R$ 300 a R$ 400 do próprio bolso em cada operação. Por causa desse problema, eles relatam dificuldades em arregimentar pessoal para participar das ações.
Ninguém mais aceita ir, só aqueles que têm compromisso com a causa, relata um coordenador. Algumas ações já foram comprometidas por isso. Até conseguir reunir um grupo, a fiscalização havia perdido o flagrante.
A resistência em participar das ações também aumenta pela ameaça de falta de segurança. Segundo eles, os policiais federais que deveriam garantir sua proteção costumam se hospedar em hotéis mais baratos, para não exceder o valor recebido da diária.
Com isso, não passam a noite no mesmo local que os fiscais, que muitas vezes são ameaçados por fazendeiros. O Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) confirmou as críticas.
"Os fiscais estão pagando para trabalhar", disse Claudio Secchin, membro do conselho fiscal do sindicato. O grupo móvel foi criado em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso. A idéia era criar uma estrutura de fiscalização diretamente subordinada a Brasília, para evitar que os fiscais ficassem expostos -como ocorreu no caso dos fiscais mortos.



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