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Arrisquei por causa de filhas, diz caminhoneiro
DA AGÊNCIA FOLHA EM BELO HORIZONTE
Um telefonema de um amigo
que mora clandestinamente nos
Estados Unidos há dois anos encorajou o caminhoneiro José Sales da Silva, 47, da cidade baiana
de Itanhém (a 808 km de Salvador), a tentar cruzar a fronteira
entre o México e o território americano de forma ilegal.
Casado, pai de duas filhas
-uma com 16 e outra com 17
anos-, Silva disse ter sido enganado pelo amigo que o telefonou.
"Fui enganado, um amigo me ligou e disse que, pagando os coiotes, minha travessia estaria garantida. Só me arrisquei para poder
conseguir dinheiro para pagar os
estudos das minhas filhas."
A partir do telefonema, Silva
vendeu o caminhão com o qual
trabalhava, arrecadou cerca de
US$ 5.000 (aproximadamente R$
14.450) e entrou em contato, por
telefone, com um representante
dos coiotes no México.
O representante o informou
que, ao chegar ao aeroporto da
Cidade do México, teria que pagar
US$ 2.500 para ser levado até uma
casa na cidade de Água Preta, já
na região da fronteira entre o México e os Estados Unidos.
No dia 14 de dezembro do ano
passado, Silva partiu de Itanhém
com destino a Salvador, de ônibus, onde embarcou para São
Paulo, também de ônibus.
O caminhoneiro, que chegou de
avião no dia 20 de dezembro à Cidade do México e foi levado em
um ônibus pelo representante à
cidade de Água Preta, contou que,
na casa onde ficou -uma espécie
de quartel-general dos coiotes na
cidade-, o consumo de drogas
era feito durante o dia todo.
"Na casa onde fiquei por três
dias, uns 20 coiotes passavam o
tempo todo fumando maconha e
cheirando cocaína. As drogas ficavam em cima de uma mesa e
eram oferecidas para todos que
estavam lá", afirmou Silva.
Além do caminhoneiro, outros
20 brasileiros estavam no local,
segundo ele, esperando pelo momento de tentar a travessia.
Silva conseguiu fazer a travessia
da fronteira a pé pelo deserto,
mas, depois, acabou sendo preso
com mais 14 brasileiros a bordo
de uma van numa estrada em
Phoenix, no Estado do Arizona.
Na prisão, onde ficou até o último dia 27, o caminhoneiro disse
ter se sentido humilhado pelos
policiais americanos.
"Logo na chegada, tiraram a
nossa roupa e nos deixaram em
uma sala por várias horas. Pessoas com mais de 60 anos estavam
no grupo e ficaram muito constrangidas com a situação."
Silva permaneceu preso até o
dia em que retornou ao Brasil no
vôo dos repatriados, que desembarcaram na última quarta-feira
em Belo Horizonte.
Sem condições de arcar com o
custo do transporte de volta da
capital mineira a Itanhém, o caminhoneiro foi encaminhado ao
Crem (Centro de Referência Estadual do Migrante), órgão ligado à
Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social e Esporte.
"Perdi todo o dinheiro que tinha e espero poder contar com a
ajuda do pessoal daqui para poder chegar à minha casa."
No meio da tarde de quinta,
após falar com a mulher por telefone pela primeira vez desde que
havia partido da cidade baiana,
Silva embarcou em um ônibus cedido pela secretaria para ser
transportado até o aeroporto da
Pampulha, onde aguardaria um
vôo que o levaria a Salvador.
Pouco antes de embarcar, Silva
disse não saber o que faria quando chegasse a Itanhém. "Quando
eu chegar em minha casa, não sei
o que vou fazer. Vai ser muito difícil encarar minha esposa e minhas duas filhas depois desse fracasso."
(JOSÉ EDUARDO RONDON)
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