São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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Arrisquei por causa de filhas, diz caminhoneiro

DA AGÊNCIA FOLHA EM BELO HORIZONTE

Um telefonema de um amigo que mora clandestinamente nos Estados Unidos há dois anos encorajou o caminhoneiro José Sales da Silva, 47, da cidade baiana de Itanhém (a 808 km de Salvador), a tentar cruzar a fronteira entre o México e o território americano de forma ilegal.
Casado, pai de duas filhas -uma com 16 e outra com 17 anos-, Silva disse ter sido enganado pelo amigo que o telefonou. "Fui enganado, um amigo me ligou e disse que, pagando os coiotes, minha travessia estaria garantida. Só me arrisquei para poder conseguir dinheiro para pagar os estudos das minhas filhas."
A partir do telefonema, Silva vendeu o caminhão com o qual trabalhava, arrecadou cerca de US$ 5.000 (aproximadamente R$ 14.450) e entrou em contato, por telefone, com um representante dos coiotes no México.
O representante o informou que, ao chegar ao aeroporto da Cidade do México, teria que pagar US$ 2.500 para ser levado até uma casa na cidade de Água Preta, já na região da fronteira entre o México e os Estados Unidos.
No dia 14 de dezembro do ano passado, Silva partiu de Itanhém com destino a Salvador, de ônibus, onde embarcou para São Paulo, também de ônibus.
O caminhoneiro, que chegou de avião no dia 20 de dezembro à Cidade do México e foi levado em um ônibus pelo representante à cidade de Água Preta, contou que, na casa onde ficou -uma espécie de quartel-general dos coiotes na cidade-, o consumo de drogas era feito durante o dia todo.
"Na casa onde fiquei por três dias, uns 20 coiotes passavam o tempo todo fumando maconha e cheirando cocaína. As drogas ficavam em cima de uma mesa e eram oferecidas para todos que estavam lá", afirmou Silva.
Além do caminhoneiro, outros 20 brasileiros estavam no local, segundo ele, esperando pelo momento de tentar a travessia.
Silva conseguiu fazer a travessia da fronteira a pé pelo deserto, mas, depois, acabou sendo preso com mais 14 brasileiros a bordo de uma van numa estrada em Phoenix, no Estado do Arizona.
Na prisão, onde ficou até o último dia 27, o caminhoneiro disse ter se sentido humilhado pelos policiais americanos.
"Logo na chegada, tiraram a nossa roupa e nos deixaram em uma sala por várias horas. Pessoas com mais de 60 anos estavam no grupo e ficaram muito constrangidas com a situação."
Silva permaneceu preso até o dia em que retornou ao Brasil no vôo dos repatriados, que desembarcaram na última quarta-feira em Belo Horizonte.
Sem condições de arcar com o custo do transporte de volta da capital mineira a Itanhém, o caminhoneiro foi encaminhado ao Crem (Centro de Referência Estadual do Migrante), órgão ligado à Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social e Esporte.
"Perdi todo o dinheiro que tinha e espero poder contar com a ajuda do pessoal daqui para poder chegar à minha casa."
No meio da tarde de quinta, após falar com a mulher por telefone pela primeira vez desde que havia partido da cidade baiana, Silva embarcou em um ônibus cedido pela secretaria para ser transportado até o aeroporto da Pampulha, onde aguardaria um vôo que o levaria a Salvador.
Pouco antes de embarcar, Silva disse não saber o que faria quando chegasse a Itanhém. "Quando eu chegar em minha casa, não sei o que vou fazer. Vai ser muito difícil encarar minha esposa e minhas duas filhas depois desse fracasso." (JOSÉ EDUARDO RONDON)


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