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Rede de procuradoria dá margem a "pagamentos inexistentes" e "anulações indevidas de débitos"
Senhas são usadas para cancelar dívidas
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A rede de computadores da
Procuradoria da Fazenda Nacional tornou-se um portal aberto à
fraude. O maior escritório do órgão, localizado em São Paulo, coleciona indícios de violações ao
sistema que armazena os registros
da Dívida Ativa da União.
O Frigorífico Margen Ltda., por
exemplo, figurava no cadastro
eletrônico da dívida ativa com
dois débitos: R$ 1.520.172,46 e R$
473.976,16. Um total de R$
1.994.148,62.
A dívida, que se encontrava em
fase de cobrança judicial, sumiu.
Lançamentos feitos em 3 de abril
de 2001 nos computadores da
Procuradoria da Fazenda registram que o tributo teria sido pago.
Porém, um outro sistema informatizado do governo (Sinal), no
qual a Receita Federal anota os recebimentos de tributos, informa
que os cofres do Tesouro não viram a cor do dinheiro do Frigorífico Margen.
A Controladoria Geral da
União, órgão de auditagem vinculado à Presidência, inspecionou
a operação. Em relatório de 19 de
setembro do ano passado, os auditores informam que os supostos
pagamentos constituem uma
"fraude".
Em 25 de setembro de 2002, o
advogado da empresa, Francisco
Giannini Neto, requereu à Justiça
a "extinção" do processo de cobrança. Não apresentou guias de
recolhimento dos tributos. Anexou ao pedido apenas os registros
eletrônicos da Fazenda Nacional.
Os mesmos cuja autenticidade está sendo agora contestada.
Baseando-se nos lançamentos
supostamente fraudulentos realizados no cadastro da dívida ativa,
procuradores da Fazenda Nacional requereram à Justiça, em petições de 20 de novembro e de 21 de
novembro de 2002, a "extinção da
execução fiscal" referente ao débito do Frigorífico Margen.
A Justiça procedeu à baixa das
dívidas. O processo foi extinto
com uma sentença de 21 de fevereiro do ano passado. A causa, como se costuma dizer em linguagem jurídica, transitou em julgado. Significa que a parte perdedora, no caso a União, não pode
mais recorrer.
Para os auditores, a Procuradoria da Fazenda agiu com "imperícia". Antes de solicitar a extinção
do processo contra o frigorífico,
os procuradores deveriam ter
consultado o banco de dados da
Receita. A consulta lhes teria permitido verificar que os débitos
continuavam em aberto.
"Estamos estudando a hipótese
de propor uma ação rescisória",
afirma a procuradora-chefe interina da Fazenda Nacional em São
Paulo, Alice Vitória Fazendeiro
Oliveira Leite.
Ouvido, o representante legal
do Frigorífico Margen, José Adilson Melan, disse: "O assunto já foi
esclarecido. Tratava-se de débito
que já estava realmente pago." A
reportagem pediu para ver os
comprovantes de pagamento.
Adilson Melan não quis mostrar.
"A dívida não foi paga", rebate a
procuradora-chefe Oliveira Leite.
Detectado com dois anos de
atraso, o sumiço dos débitos do
sistema da dívida ativa gerou uma
sindicância. Inquiridos, servidores suspeitos alegaram que suas
senhas de acesso aos computadores haviam sido utilizadas indevidamente por terceiros.
Esse tipo de alegação, cada vez
mais freqüente nas apurações internas da Procuradoria da Fazenda, vem impedindo sistematicamente a punição de servidores
sob suspeição.
No ano passado, abriu-se um
processo administrativo para investigar fraudes contra o cadastro
da dívida ativa. Incluíam o lançamento de "pagamentos inexistentes", "anulações indevidas de débitos" e emissão "irregular" de
certidões negativas.
De novo, os funcionários colocados sob suspeita afirmaram que
suas senhas haviam sido apropriadas por pessoas cuja identidade desconheciam.
O relatório final da investigação
anota: "[...] não é possível estabelecer como prova de participação
do servidor nestas fraudes [...] o
fato de que elas ocorreram com a
senha de determinado funcionário, apesar de que, como já colocado inúmeras vezes, dúvidas não
restam de que as irregularidades
foram praticadas por funcionário
ou funcionários que aqui trabalham e ainda continuam a exercer
as suas funções."
Mais investigação
Outra sindicância, realizada em
2002, chegou a resultado semelhante. Apurava-se o suposto cancelamento irregular de três inscrições em dívida ativa da ótica paulista Iguatemy Jetcolor Ltda.
Como de praxe, a funcionária
cuja senha viabilizou o acesso
fraudulento ao sistema de informática da Procuradoria Nacional
negou participação no malfeito.
As suspeitas recaíram sobre dois
estagiários de direito a serviço da
repartição: Elias Israel da Silva e
Rodrigo Sampaio Lopes.
Insatisfeito com as conclusões,
o então procurador-chefe da Fazenda Nacional em São Paulo,
Fernando Hugo Albuquerque
Guimarães, determinou o aprofundamento das apurações.
Em seu relatório final, a comissão de inquérito elogiou os estagiários. Defendeu-lhes a idoneidade. O que não impediu que ambos acabassem deixando os quadros da procuradoria.
Depois do desligamento, um
dos estagiários, Rodrigo Sampaio
Lopes, envolveu-se em um outro
episódio suspeito, dessa vez na
seccional da Procuradoria da Fazenda Nacional no município de
Dourados (MS).
Foi acusado, de acordo com o
relatório da Controladoria da
União, de propor vantagens a um
servidor, em troca de baixas de
débitos inscritos em dívida ativa.
Depois, o mesmo estagiário
Sampaio Lopes foi preso em
Campinas, sob a acusação de integrar uma quadrilha que agia no
aeroporto de Viracopos.
O documento da controladoria
informa que uma investigação da
Polícia Federal constatou que o
grupo integrado pelo estagiário
eliminava dos computadores da
Receita dívidas de empresas de
importação e exportação.
Outro lado
A Folha tentou ouvir os estagiários Israel da Silva e Sampaio Lopes, mas não conseguiu localizá-los. Tentou contatar também a
Iguatemy Jetcolor. Em seus antigos pontos de venda funciona
uma outra ótica, chamada Barcelona. Os funcionários informam
que a Iguatemy fechou.
O escritório de contabilidade
que atende à empresa supostamente inativa, embora informado
sobre a natureza da reportagem,
não deu resposta aos recados que
foram deixados pelo repórter.
(JOSIAS DE SOUZA)
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