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ENTREVISTA DA 2ª
ROBERT BRENNER
Para historiador dos EUA, condução macroeconômica deve afastar investimentos produtivos de longo prazo
Política de Lula levará país à estagnação, diz professor
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
As políticas macroeconômica e
fiscal do governo Lula tendem a
resultar em estagnação econômica pontuada por crises financeiras. Essa é a opinião do norte-americano Robert Brenner, um
dos maiores historiadores econômicos de esquerda da atualidade.
Segundo Brenner, professor e
diretor do Centro de Teoria Social
e História Comparativa da Universidade da Califórnia em Los
Angeles (UCLA), nos EUA, os
cortes de gastos do governo em
infra-estrutura e a renda deprimida da população brasileira tendem a afastar investimentos produtivos de longo prazo no país.
O forte fluxo de capitais recebido por países em desenvolvimento, como o Brasil, é, segundo ele,
fruto de uma bolha (valorização
sem base em fundamentos).
Para ele, essa situação é de alto
risco porque depende da manutenção "das taxas de juros mais
baixas do pós-guerra" nos Estados Unidos, o que é improvável.
Leia a seguir a entrevista de
Brenner à Folha.
Folha - Até que ponto os EUA se
recuperaram da recessão de 2001?
Robert Brenner - A vitalidade da
recuperação norte-americana foi
muito exagerada pela imprensa.
Dada a dimensão historicamente
inédita do estímulo governamental -taxas de juros de curto prazo
perto de seu ponto mais baixo no
pós-guerra, déficit federal atingindo os 4,5% do Produto Interno
Bruto (PIB) e significativa desvalorização do dólar-, a expansão
da economia foi fraca.
O crescimento anualizado de
8,2% no PIB no terceiro trimestre
de 2003 parecia ser um sinal de
que a economia havia decolado,
depois de se manter estagnada no
primeiro semestre. Mas a tendência era profundamente enganosa,
já que a súbita aceleração resultou
principalmente de fatores temporários, insustentáveis, como as
imensas restituições de impostos
e a liqüidação de investimentos
em domicílios pelas famílias.
A economia entrou em recessão
em 2001 como resultado do excesso de capacidade, que conduziu a
uma forte queda da lucratividade
em todo o setor industrial, bem
como pelo efeito negativo que o
"crash" das Bolsas teve sobre o
patrimônio dos investidores.
Desde então, os empregadores
conseguiram obter uma recuperação notável de sua lucratividade, quase que inteiramente por
meio de um ataque pouco divulgado contra a classe trabalhadora.
Cortaram acentuadamente o nível de emprego e intensificaram o
ritmo de trabalho, de forma a
compensar os cortes, conseguindo, assim, o que foi indevidamente classificado como um imenso
ganho de produtividade. Também reprimiram o crescimento
dos salários reais. Mas, como conseqüência, a economia privada
vem gerando um crescimento
muito baixo na demanda.
Folha - O senhor acredita que haja uma bolha nas Bolsas dos EUA?
Brenner - Existem múltiplas bolhas nos mercados financeiros
dos EUA. Na verdade, o crescimento da economia norte-americana nos últimos três anos dependeu delas, em larga medida.
Há, claramente, uma bolha nos
mercados de ações, causada pela
redução das taxas de juros de curto prazo pelo Federal Reserve
[banco central dos EUA] a níveis
jamais vistos desde 1958. A relação entre preço e lucro [P/E] das
ações que integram o índice Standard & Poor's 500 [S&P 500] é de
30 para um. Esse número é mais
de duas vezes superior à norma
histórica e só foi superado em
duas ocasiões no passado: durante o pico da bolha das ações, no final dos anos 90, e pouco antes do
grande "crash" de 1929.
Há também uma bolha no mercado imobiliário, que viu os preços de habitação subindo em ritmo anualizado 5% a mais do que
o índice de preços ao consumidor
no período 1995-2003.
Há, por fim, o que poderia ser
designado como uma bolha da
conta corrente, ou do dólar. Graças ao enorme estímulo do governo, as importações norte-americanas continuam a superar as exportações à razão de 50% ao ano,
o que levou a recordes de déficit
em conta corrente tanto em 2002
como em 2003. Mas, dada a perda
de atratividade dos ativos norte-americanos, os investidores privados estrangeiros estão mais relutantes em comprar ações do
país, fazer investimentos diretos
ou adquirir títulos do governo.
Se os EUA dependessem apenas
de investidores privados para cobrir seu déficit externo, os juros
teriam de subir substancialmente,
o que estouraria a bolha no mercado de ações e de imóveis e poria
fim à recuperação. O que impede
esse resultado são as gigantescas
aquisições de papéis do Tesouro e
das agências norte-americanas
pelos governos asiáticos. De acordo com o "Financial Times", entre o final de janeiro de 2002 e outubro de 2003 as reservas cambiais mundiais subiram US$ 831
bilhões e, desse total, US$ 611 bilhões foram acumulados pelos
países asiáticos.
Folha - O Fed está perto ou longe
de elevar as taxas de juros?
Brenner - O Fed compreende
perfeitamente que a recuperação
econômica e a saúde dos mercados financeiros dos EUA dependem das bolhas nas Bolsas, no
mercado de imóveis e na conta
corrente e que, portanto, qualquer aumento significativo nos
juros pode ser desastroso. Especialmente em razão da lentidão
do mercado de trabalho é provável que o Fed evite qualquer elevação dos juros no futuro previsível.
Folha - A valorização dos ativos
dos mercados emergentes, especialmente o de títulos públicos, começa a ser encarada com cautela. O
senhor acredita que esses preços
estão supervalorizados?
Brenner - Parece evidente que há
uma bolha nos mercados emergentes, especialmente no de títulos. Isso porque o imenso fluxo de
capitais não pode ser explicado
como resultado de qualquer mudança decisiva na economia dos
países em desenvolvimento ou
nas perspectivas internacionais.
Em vez disso, é preciso compreender esse fenômeno como reflexo da bolha no mercado de títulos norte-americano e da conseqüente busca de rendimentos
mais elevados pelos investidores
norte-americanos. Portanto, vem
entrando muito dinheiro não só
no mercado de títulos de dívida
emergente como também no
mercado de "junk bonds" (títulos
de alto risco).
A situação lembra o entusiasmo
inicial pelos mercados emergentes no começo dos anos 90, quando a queda nas taxas de juros e a
desvalorização da moeda nos Estados Unidos, em um cenário de
saída lenta da recessão, provocaram imenso fluxo de recursos para os países em desenvolvimento.
A tendência encontrou um fim
abrupto quando o Fed elevou as
taxas de juros em 1994, gerando
uma queda no mercado de títulos,
e o dólar disparou em 1995, levando a uma maciça saída de recursos do Brasil e da América Latina
principalmente.
A situação parece arriscada para
a maior parte dos países em desenvolvimento porque, dada a ausência de controles de capital, eles
não parecem ter grande capacidade para controlar as conseqüências. O fluxo de capital para os
países em desenvolvimento já parece exibir limites naturais, porque a entrada de dinheiro já reduziu as diferenças entre as taxas de
juros do centro e da periferia.
Além disso, esse movimento depende da perpetuação de uma
combinação de tendências quase
sempre incompatíveis: a continuação da expansão econômica
nos EUA e a manutenção dos juros mais baixos do pós-guerra.
Folha - Quais são as perspectivas
da economia brasileira no contexto
internacional?
Brenner - O governo Lula continua a impor uma austeridade
draconiana, com o objetivo de
conquistar a confiança do FMI,
dos investidores e dos credores
internacionais, ostensivamente
com o objetivo de atrair investimento estrangeiro de longo prazo. Mas é difícil imaginar como
essa posição não resultará em estagnação econômica pontuada
por crises financeiras, a um custo
enorme para a grande maioria da
população brasileira, como aconteceu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Recorrendo especialmente a
medidas de repressão da demanda interna por meio de uma das
mais altas taxas de juros reais do
mundo e do corte de gastos estatais em programas sociais e de infra-estrutura, o governo conseguiu em 2003 gerar um superávit
comercial de US$ 24,8 bilhões,
bem como um superávit primário
de 4,31% do PIB, o que até excedeu os requisitos do FMI.
A verdade é que, devido às
imensas obrigações externas herdadas da era FHC [1995-2002],
mais de 70% desse superávit tem
de ser dedicado ao serviço da dívida externa. Como o custo de captação doméstica foi elevado, os juros pagos pelo governo, na verdade, cresceram, apesar do imenso
superávit primário. O fluxo de capitais de curto prazo aumentou,
mas, com isso, a moeda se apreciou, o que tende a limitar as exportações. Nesse contexto, não é
surpreendente que, em 2003, tanto o PIB como o PIB per capita tenham caído abaixo de zero, os salários reais, recuado 12,5%, e o desemprego urbano aberto, ficado
em torno de 12%.
Com o poder aquisitivo reprimido e o baixo investimento governamental em infra-estrutura,
educação e pesquisa e desenvolvimento, é difícil imaginar um motivo para que os capitalistas, nacionais ou internacionais, se envolvam em investimentos de prazo mais longo em fábricas, equipamentos e software. Eles não o
fizeram sob o governo de FHC e
não o farão sob o de Lula.
A idéia de que o influxo de capital de curto prazo para os emergentes pode ser sustentada por
meio de políticas adotadas pelo
país anfitrião, não importa quais
sejam as condições financeiras vigentes nos países do centro, já foi
provada falsa, repetidas vezes, durante a era do neoliberalismo, especialmente no Brasil. O declínio
do risco-país brasileiro em 2003
foi muito alardeado, mas é duvidoso que reflita condições muito
melhores para investimento no
país ou, aliás, em qualquer outra
nação em desenvolvimento. Afinal, declínios semelhantes foram
registrados em quase todos os
países emergentes. Além disso, o
investimento estrangeiro direto
no Brasil, na realidade, caiu à metade em 2003, em relação a 2002.
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