São Paulo, domingo, 1 de março de 1998

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SUCESSÃO
Dinheiro será gerado na venda de estatais; governo não deve pressionar para que dívidas sejam abatidas
Estados terão R$ 11,8 bi para gastar em 98

MARTA SALOMON
FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília


Apontados pelo governo como bodes expiatórios do rombo nas contas públicas em 97, os gastos dos governos estaduais com o dinheiro das privatizações podem ser reprisados neste ano eleitoral.
Os Estados devem arrecadar pelo menos R$ 11,8 bilhões com a venda de suas empresas estatais em 98, segundo previsão do Ministério do Planejamento. Com regras pouco rígidas para o uso desse dinheiro, nada impede que parte dele promova uma gastança eleitoral, em vez de abater dívidas.
O cronograma oficial das privatizações indica que mais de 95% (R$ 11,3 bilhões) do dinheiro entrará no caixa dos Estados até junho, a tempo de ser gasto em obras eleitorais.
O Estado mais beneficiado será São Paulo, governado por Mário Covas (PSDB). Também vão receber dinheiro de privatizações Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Amazonas e Roraima.
Por conveniência política, o governo federal não exigirá um aperto nos gastos estaduais. O presidente Fernando Henrique Cardoso não quer melindrar governadores aliados que precisam do dinheiro das privatizações para se viabilizarem eleitoralmente.
Oficialmente, a equipe econômica alega que não pode impor aos governadores um percentual maior de pagamento das dívidas. Esse percentual varia de Estado a Estado, de acordo com o que negociam quando rolam as dívidas.
Na contabilidade oficial, se o dinheiro da privatização não reduz a dívida, aumenta o déficit. Mesmo que sirva para pagar contas atrasadas com pessoal, por exemplo.
Depois do anúncio do desastre fiscal de 97, o governo avaliou que há pouco de novo a ser feito até a eleição de 4 de outubro.
Quatro fatores
Na avaliação ainda preliminar do governo, quatro fatores podem ajudar a melhorar as contas públicas durante o ano: as despesas da Previdência, as contas dos Estados, as taxas de juros e a arrecadação de impostos.
A seguir, o que o governo acha que pode acontecer com cada um desses quatro fatores:
1) Previdência - falta ainda a votação final da reforma em análise na Câmara dos Deputados.
Se forem promulgadas em abril, como deseja o governo, as mudanças nas aposentadorias devem gerar uma economia de R$ 3,4 bilhões em 12 meses, de acordo com cálculos do Planejamento. A contabilidade do Ministério da Previdência é menos otimista: prevê alívio de menos de R$ 1 bilhão de abril até o final do ano.
2) Estados - o governo federal avalia que o comportamento das contas estaduais vai depender, em grande parte, de como o dinheiro das privatizações for gasto. O resultado não deverá ser pior que o registrado no ano passado.
3) Juros - a trajetória de queda das taxas deve se manter, apesar de os aliados políticos pedirem mais pressa. O efeito de uma redução mais rápida ajudaria a diminuir gastos com a dívida e a atacar uma das causas do déficit público.
Ocorre que o mau desempenho fiscal emite sinais ruins para o investidor externo. E, como consequência, são necessários juros mais altos para que o dinheiro que entra no país permaneça por aqui.
A corretora Merrill Lynch (EUA) afirmou em seu relatório interno na sexta que os juros serão reduzidos dos atuais 34,5% ao ano para cerca de 30% a 31% .
A decisão será tomada pelo Copom (Comitê de Política Monetária), órgão governamental que trata desses assuntos, na quarta-feira, dia 4 de março.
Numa revisão de suas apostas, a Merrill Lynch afirma que "as expectativas do mercado de que a taxa de juros pudesse cair para algo em torno de 27% a 28% são excessivamente otimistas".
Essa análise da corretora norte-americana se baseou em conversas que seus operadores mantêm -com regularidade- com "altas autoridades" que tratam da política monetária brasileira.
O governo avalia que a redução dos juros deve seguir num ritmo que permita a volta das taxas pré-crash global (cerca de 22% ao ano) entre junho e julho.
4) Impostos - o último fator que poderia ajudar na recomposição das contas públicas, uma maior arrecadação de impostos, está diretamente ligado ao comportamento dos juros.
Quanto mais altos forem os juros, mais devagar andará a economia -logo, menos impostos serão arrecadados. Para compensar essa eventual queda de arrecadação, o governo conta com os efeitos do pacote fiscal de novembro -que aumentou o Imposto de Renda da Pessoa Física e a taxação de aplicações financeiras.
Apesar de estar sem muitas opções novas para melhorar as contas públicas, o governo federal descarta a edição de um pacote fiscal, segundo a Folha apurou.
Não é por falta de onde cortar despesas ou mesmo de propostas em análise dentro do governo. Por exemplo, o ministro Reinhold Stephanes (Previdência) vive tentando emplacar a cobrança da parcela patronal da contribuição previdenciária de entidades filantrópicas. A medida, que poderia render R$ 3 bilhões, foi descartada no pacote de novembro passado.
Em ano eleitoral, as chances dessa e outras medidas de ajuste fiscal vingarem são inversamente proporcionais às pressões por gastos.



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