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ENTREVISTA
Empresário, que integra Conselho de Lula e participou da transição, diz temer prolongamento da política de juros altos
Trevisan vê risco de novo "governo de moeda"
Nós estamos confundindo austeridade fiscal, que eu acho necessária, com elevação de juros. É o nosso pecado
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MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Amigo (e eleitor) de Lula há
quase duas décadas, o empresário
e consultor Antoninho Marmo
Trevisan, 53, participou da campanha presidencial, da equipe de
transição de governo e hoje integra o Conselho de Desenvolvimento Social. Com quatro meses
de governo do PT, ele vê a política
de juros altos se prolongar mais
do que gostaria e diz temer os riscos nela embutidos: "O risco é você se tornar um governo de moeda, e não do social".
Leia abaixo a entrevista:
Folha - O senhor já falou que o fato de os bancos terem algumas das
melhores cabeças econômicas do
país a seu serviço criou "verdades"
difíceis de serem combatidas. É o
que está acontecendo agora?
Antoninho Trevisan - A política
econômica concentrou fortemente a renda no sistema financeiro. E
quem tem mais renda se aparelha
melhor. Então a discussão no Brasil se situou no patamar de que a
manutenção dos juros elevados se
justifica por ser a grande âncora
de um processo não-inflacionário. Economistas de bancos repetem isso todos os dias e geram
uma verdade absoluta. Se eu me
fixar nesse conceito, vou dizer
que, por conta de combater a inflação, eu quebrarei todas as empresas do Brasil. Então você pergunta: e por que o Lula utiliza esse
modelo? Eu posso lhe garantir: ele
faz isso com uma espada atravessada no pescoço. Porque o Fernando Henrique caiu na mesma
armadilha. Manteve essa política
por longo período, elevou brutalmente a dívida interna do país,
enfraqueceu as empresas e produziu um círculo vicioso. É um
processo em que você não sai dele
nunca. O governo Lula tem uma
obrigação: estava escrito no programa do governo, nos princípios
que me levaram a me apaixonar
pelo programa do PT, que se perseguiria o desenvolvimento.
Folha - O senhor acha que o governo Lula vai sair desse processo?
O que se percebe é que há uma ênfase no combate ao déficit público,
mas quando se fala de política industrial e de desenvolvimento...
Trevisan - ...não tem nada. Mas é
que foi uma questão de prioridade. O presidente Lula assumiu um
governo com uma fragilidade
enorme nas contas externas e internas, e com uma pressão inflacionária muito forte. Havia a
aposta de que o novo governo iria
tergiversar, e que com isso instalar-se-ia o caos. O que você faz?
Radicaliza num primeiro momento. Não tem saída.
Folha - Mas há discussões internas no PT a respeito da necessidade de se radicalizar tanto.
Trevisan - Exatamente. O problema é você não cair na armadilha. É por isso que eu adoro os xiitas do PT. Graças a Deus existem
os xiitas do PT. Quando você passa a fazer parte do governo, a coisa
mais comum é ficar encurralado
por lobbies. Você começa também a se deslumbrar, porque é
confundido com Deus. Então é
preciso sempre chamar o ministro [da Fazenda] à realidade. Dizer: "pera" um pouquinho, você
não pode passar o resto da vida fazendo um discurso de aumento
de carga tributária, porque ela é
excessiva. Você não pode fazer
continuamente um discurso de
manutenção de juros altos, porque no final todos estarão mortos.
Folha - O senhor acha que os juros
já poderiam ter caído?
Trevisan - O Banco Central deveria acelerar a queda dos juros. Na
medida em que a mantenho elevada, eu faço crescer a dívida interna. Estou gerando um círculo
vicioso, que foi a armadilha em
que o Fernando Henrique caiu.
Folha - Há risco de o presidente
Lula se enredar nessa armadilha?
Trevisan - O risco é você se tornar um governo de moeda, e não
do social. Quando você dá toda a
ênfase à política monetária, e o
gestor da economia é o gestor da
política monetária, há uma tendência de aquilo se tornar o âmago da questão. Isso aconteceu
com o [ex-ministro da Fazenda"
Pedro Malan. Você submete qualquer outra política a esta do governo de moeda.
Folha - Isso está acontecendo?
Trevisan - Estamos correndo o
risco, caso fique sistematizada essa política de juros. Porque aí você
se transforma num rei.
Folha - Quem?
Trevisan - O condutor dessa política. O ministro da Fazenda. Não
pode. Ele tem que se concentrar
na sua função. Gestão de política
social quem faz é ministro da área
social. Gestão de política de cultura é o ministro da Cultura, de educação, o ministro da Educação.
Folha - Mas o Antonio Palocci Filho está entrando em programas
sociais.
Trevisan - Nós temos que estar
alertas para isso. Isso não é bom.
Folha - O senhor defende que se
baixem os juros mesmo que haja
certos riscos?
Trevisan - Eu
prefiro correr esse
risco positivo. Eu
acho que a ênfase
do governo está
muito exagerada
na política monetária e na política
de juros. A radicalização foi necessária, mas se esse
modelo persistir,
vai começar a causar problemas
gravíssimos para
o país. A sociedade já não tem mais
dúvida de para
que esse governo veio, para que o
PT veio. A credibilidade externa
aumentou, o presidente detém a
confiança do mundo, é visto como um estadista, com um índice
de popularidade jamais alcançado. Agora tem o direito de ousar.
Folha - Ousar como?
Trevisan - Quando falo isso, não
defendo atitudes irresponsáveis.
É na questão mesmo dos juros.
Nós estamos confundindo austeridade fiscal, que eu acho necessária, com elevação de juros. É o
nosso pecado, achar que temos
um único instrumento, a política
monetária. Sabe por quê? Porque
nós já vimos esse filme antes. Eu,
como torcedor desse governo, tudo o que quero é que ele dê certo.
Folha - Mas os juros altos estão
atraindo recursos
externos, o que faz
com que o dólar
caia e, em consequência, a inflação.
Trevisan - Quando atrai recursos
externos por conta de juros elevados, você só atrai
o dinheiro pirata,
que vai e vem
com a mesma velocidade. Eu acho
muito perigoso.
Os recursos serão atraídos no momento em que você apresentar
um programa consistente, voltado para infra-estrutura; na medida em que você, urgentemente,
colocar em prática uma política
industrial que defina claramente
quais as regiões, os programas e
os produtos que vão estar sendo
desenvolvidos. Eu vejo com muita expectativa a apresentação desse plano estratégico que está sendo gestado pelo ministro Luiz
Gushiken. Estamos com apenas
quatro meses de governo e a situação era dramática. Entendo
que, por mais que você queira desenvolver todas as áreas, tem uma
que acaba tomando a preocupação maior do governo.
Folha - É verdade que, nas discussões da transição, o senhor chegou
a afirmar que, diante do conservadorismo das propostas, era melhor
deixar o Malan na Fazenda?
Trevisan - Eu fiz uma brincadeira com o time que estava apresentando o Orçamento, o Marcos
Lisboa [atual secretário de Política Econômica] e o Bernard Appy
[atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda]. O Orçamento demonstrava uma postura extremamente rígida em relação ao
aumento do superávit. Isso retira
dos outros ministérios a criatividade em ousar nas suas soluções.
Folha - O senhor achou os cortes
exagerados?
Trevisan - Exatamente. É claro
que, quando você está partilhando de um novo governo, você
quer ver mudanças. E é claro que
essas mudanças são esperadas
por todo mundo que votou e elegeu o presidente Lula. Quando
você vê que a ênfase está de novo
numa política monetária, você fica preocupado. Então, eu fiquei
preocupado. Eles disseram: Trevisan, fique tranquilo que isso é
apenas o começo.
Folha - E o senhor está tranquilo
agora?
Trevisan - Olha, eu nunca vou ficar tranquilo, porque eu aprendi
uma coisa: governo reage sob
pressão. Eu já fui governo. Nenhum governo reage por boa
vontade.
Folha - Quem também não está
tranquila é a economista Maria da
Conceição Tavares. Ela diz que o recente documento lançado pelo Ministério da Fazenda, que diz que o
gargalo da economia é o déficit fiscal, e não o externo, vai contra o
diagnóstico de todos os grandes
economistas.
Trevisan - Eu concordo. Ambos
são fundamentais. Só que o déficit
fiscal nos deixa doentes. A fragilidade externa nos mata.
Folha - O senhor, como auditor, lida com números de diversas empresas. Como elas estão?
Trevisan - Isso é importantíssimo: uma das coisas nas quais o
governo está lento, e precisa ousar, é no mercado de capitais. Temos um problema: como financiar o investimento das empresas
privadas. Ora bolas: se você tomar
1% do FGTS para o mercado de
capitais, promoverá uma das
maiores revoluções nesse ambiente. É só permitir que as pessoas usem seu FGTS para comprar ações de empresas que estão
abrindo capital ou aumentando
capital para investimento.
Folha - Por que o governo não faz
isso?
Trevisan -Isso daí é que está me
incomodando. Eu coordenei o
grupo de mercado de capitais na
campanha eleitoral. O ministro
Palocci esteve na Bolsa de Valores
há um mês. Isso está pronto e já
poderia estar sendo aplicado, independentemente da política econômica, percebe? Nós não podemos paralisar as ações por conta
de que nós temos que operar a política econômica. Eu tenho muito
respeito pelo ministro Palocci,
mas não basta você ser um tesoureiro no governo, e dizer não. É
preciso dizer não e ao mesmo
tempo indicar caminhos. Existe
essa vontade no governo e sei que
qualquer governo leva um tempo
para se ajustar. Mas todo mundo
é exigente com o governo do Partido dos Trabalhadores. Até eu.
Folha - E com o presidente, o senhor fala essas coisas?
Trevisan - Eu falo, sim. O presidente Lula é uma das pessoas
mais capazes de processar informação que eu conheci na minha
vida. Dada uma questão, ele processa de forma absolutamente
criativa. Ele está aflito com o fato
de ter que manter taxas de juros
em patamar tão grande. Ele vai
baixá-la o mais rápido possível,
não tenho a menor dúvida disso.
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