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ARTIGO
Imprensa é "I" de Independência
ISABEL LUSTOSA
ESPECIAL PARA A FOLHA
HIPÓLITO DA COSTA
considerou exageradas
as manifestações de
agradecimento a d. João por ter
autorizado a imprensa no Brasil depois de sua chegada. Para
o jornalista, não era o caso de
agradecer e sim de lamentar
que esse grande pedaço da
América tenha ficado séculos
proibido de produzir impressos. Também não ficou radiante quando recebeu o primeiro
jornal impresso no Brasil. Na
sua opinião, fazer imprimir a
"Gazeta do Rio de Janeiro",
com seu conteúdo anódino, burocrático e totalmente filtrado
pela censura, era gastar papel
bom com matéria ruim. Jornal
mesmo fazia Hipólito da Costa
lá da Inglaterra. Informativo,
analítico, denso, o "Correio
Braziliense" trazia para o Brasil
as notícias mais recentes através da reunião de informações
de vários periódicos europeus e
americanos, associadas a notícias apuradas pelo jornalista e
completadas por suas sofisticadas reflexões críticas.
Foi só mesmo depois de 1821
que começou a aparecer aqui
uma imprensa realmente livre.
Na Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820, uma
das primeiras medidas dos revolucionários foi a liberação da
imprensa. Logo começaram a
aparecer jornais e jornalistas
das mais diversas extrações: radicais, conservadores, moderados etc. Essa agitação ajudou a
garantir o sucesso dos movimentos pelo Fico e pela Independência. O clima de debate
que agitou a imprensa nos dois
primeiros anos do reinado de d.
Pedro 1º foi interrompido pela
dissolução da Constituinte e
pela repressão que sucedeu à
Confederação do Equador.
Mas para provar que imprensa e Parlamento são irmãos siameses, com a retomada dos trabalhos legislativos, em 1826, a
imprensa voltou a florescer.
Foi nesse contexto que raiou a
"Aurora Fluminense", do grande Evaristo da Veiga, e que teve
atuação marcante em São Paulo Líbero Badaró. O assassinato
desse jornalista foi uma das
sombras que marcaram o final
do Primeiro Reinado. Na seqüência, a profusão de jornais
que agitaram o período regencial dá conta da vitalidade de
uma imprensa que lidava com
as questões de formação da vida política e social brasileira.
Com a estabilização que teve
início na segunda década do
reinado de d. Pedro 2º, também
sossega um pouco a imprensa.
O século 19 será marcado pelo caricatura. À "Semana Ilustrada" do amigo do imperador,
o alemão Fleiuss, sucedeu a
"Revista Ilustrada" do italiano
Ângelo Agostini. A primeira revista, polida, cortesã, veiculava
um humor amável, onde revelou-se sob o pseudônimo de Dr.
Semana um cronista inspirado:
Machado de Assis. A segunda
daria guarida às campanhas pela Abolição e pela República e
seria particularmente impiedosa com o imperador.
Muitas outras revistas do gênero foram lançadas ao longo
do século 19, concorrendo com
vantagem pelos leitores de
grandes jornais como os vetustos "Diário de Pernambuco",
"Jornal do Commercio" e "Diário do Rio de Janeiro", surgidos
ainda no Primeiro Reinado, e o
"Correio Paulistano", aparecido no ano da Abdicação, 1831.
No final do século 19 emergiriam os primeiros grandes jornais republicanos, "O País" e
"Gazeta de Notícias", no Rio, e
"Província de São Paulo", que
na República adotou o nome de
"O Estado de S. Paulo". Em torno deles pululavam publicações menores tornadas importantes pela grande nomeada de seus editores: "O Cidade do
Rio", de Patrocínio, e as duas
aventuras de Olavo Bilac no
mundo editorial, em associação
com o caricaturista Julião Machado: "A Cigarra" e "A Bruxa".
A virada do século 19 para o
20 assistiu à modernização das
técnicas gráficas e ao aumento
da tiragem dos jornais. O "Jornal do Brasil" vai se destacar
pelo grande investimento em
seu parque gráfico. Outro concorrente importante será o
"Correio da Manhã", que terá
atuação marcante em vários
episódios políticos que ajudaram a fazer ruir a República Velha. Foi em suas páginas que o
Barão de Itararé estreou na imprensa. Em 1921, Assis Chateaubriand adquiriu "O Jornal", que daria início aos Diários Associados. Naquele mesmo ano foi lançada a "Folha da
Noite" -hoje Folha-, surgindo o jornal "O Globo" em 1925.
Ainda nos primeiros anos do
século 20 as revistas ilustradas
passariam por notável transformação. Surgiram "Careta",
"Fon-fon!" e "O Malho", trio
que abrigaria os maiores nomes da caricatura brasileira: J.
Carlos, Kalixto e Raul Pederneiras. A caricatura viveu então
sua época de ouro, mas já competindo com a fotografia que,
nas páginas da sofisticada
"Kosmos", alcançava nível de
grande apuro artístico. Revistas de mesmo espírito foram
surgindo em vários Estados,
com destaque para São Paulo
-que revelou caricaturistas como Voltolino e Belmonte e o
humor de Juó Barnanere.
A Revolução de 1930 deu
uma sacudida no panorama, levando ao fechamento de uns e
à abertura de outros. O golpe
do Estado Novo amordaçou,
confiscou ou subornou alguns
tantos jornais, jornalistas e editores. O cenário sofreria outro
rearranjo depois de 1945, com
o surgimento da "Tribuna da
Imprensa" e da "Última Hora",
de Samuel Wainer. A revista
símbolo dos anos que se seguiriam foi "O Cruzeiro", renovadora do padrão editorial do gênero e que inspiraria "Manchete", de Adolfo Bloch. Mas também surgiu nos anos 1950 uma
revista sofisticada: "Senhor".
O jornal e a revista tornados
empresas já estariam em cena
tanto na escalada que levou ao
suicídio de Vargas, em 1954,
quanto na que levou ao golpe
militar, dez anos depois. Os
grandes, com exceção do "Correio da Manhã" -cuja dona,
Niomar Bittencourt, chegou a
ser presa-, sobreviveram como puderam. Mas a resistência
à ditadura teria mesmo a voz
dos nanicos da imprensa alternativa. Foi essa voz, tão parecida com as dos panfletos e jornais da Independência, que ganhou as praças e universidades,
no humor escrachado do "Pasquim", na reflexão consistente
de "Opinião" e "Movimento" e
que, ao lado da luta pela redemocratização, deu visibilidade
às causas das mulheres, negros
e homossexuais. Naqueles anos
de chumbo, através dos periódicos de maior ou menor duração que inundaram o país, ficou mais uma vez provado que
imprensa se escreve mesmo é
com "I" de Independência.
ISABEL LUSTOSA é historiadora da Fundação
Casa de Rui Barbosa e autora de "Insultos Impressos - A Guerra dos Jornalistas na Independência", Companhia das Letras, 2000.
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