São Paulo, segunda-feira, 01 de julho de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Miguel Reale Jr. insinua que PT tenta se fazer de vítima e critica denuncismo da imprensa

Ministro nega utilização política da PF

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Miguel Reale Júnior, 58, está há menos de três meses no Ministério da Justiça, mas defende enfaticamente a Polícia Federal das acusações de agir sob interesses políticos e acusa indiretamente o PT: "Estão fazendo disso tudo um processo de vitimização da oposição". "Isso tudo" são as recentes ações da PF, ainda mal explicadas: o grampo em petistas e a denúncia que tramitou na PF desde dezembro de 2000 que citava o nome do presidenciável Lula (PT).
Para Miguel Reale, não houve investigação nenhuma em relação a Lula, só procedimentos burocráticos da PF: o resto não passa de "denuncismo". Ele, porém, não descarta que haja gente na PF envolvida com determinadas candidaturas presidenciais. Reale Júnior concedeu entrevista na última quinta-feira, em Brasília.

 

Folha - A PF está fora de controle? Miguel Reale Júnior - Não há nada fora de controle. O que querem fazer? A vitimização da oposição? Um processo maniqueísta de bem e mal? Estão pegando fatos sem nenhum relevo como resultado e fazendo disso tudo um processo de vitimização da oposição.

Folha - Pode haver gente na PF a serviço de alguma candidatura? Reale - Pode ser que haja, a serviço da candidatura A, B ou C. Pode ser. Eu vou dizer que não? Eu não vou dizer que não. Particularmente, privadamente, individualmente, pode. Há pessoas da PF, inclusive, que são ligadas ao PT. Mas atos determinados oficialmente pela PF, isso não existe.

Folha - Foi um ato de esperteza de integrantes da PF alegar a CPI do Narcotráfico para investigar o Lula, principal líder da oposição? Reale - Isso precisa ser devidamente verificado. Você não pode afirmar isso sem efetiva verificação, e eu mandei abrir procedimento administrativo na Corregedoria da Diretoria da PF.

Folha - O ministro sabia que a PF estava investigando o Lula? Reale - Não. Quem determina investigação policial é delegado de polícia, não o ministro da Justiça. Se a decisão passa a ser do ministro, aí, sim, passa a ser política. Eu soube pelo José Dirceu [PT] e pelo Márcio Thomas Bastos e imediatamente mandei ver o que havia.

Folha - Investigar Lula a partir do nada não é uso político da PF? Reale - Não houve investigação. Qual foi a investigação? Qual foi o fato que invadiu qualquer área, privada ou pública, do candidato Luiz Inácio Lula da Silva? Ouviu-se uma pessoa que fez a denúncia e juntaram-se recortes de jornais. Isso é uma investigação constrangedora, de polícia getuliana, de polícia nazista, como está sendo dito? Vamos colocar as coisas nos devidos lugares.

Folha - O problema é origem da investigação: o denunciante se apresentou como ex-prefeito de São Bernardo do Campo, e era mentira; o delegado alegou que havia registro na CPI, e não havia. Reale - Se a origem não está correta, vamos investigar. Daí o procedimento administrativo.

Folha - O fato não é isolado, porque a PF também estava grampeando petistas em Santo André, inclusive o prefeito. Depois, o delegado disse que nem sabia que se tratava de um prefeito. Reale - Veja bem. Esse é um fato completamente diverso e não tem nada a ver com o do Lula, que foi dois anos atrás. No caso do Celso Daniel, a PF entrou nas investigações a pedido do próprio PT ao presidente da República. E foi o PT quem indicou dois delegados, demonstrando confiança na PF.

Folha - O que achou da declaração do delegado de que não sabia que ele era um prefeito do PT? Reale - Não, não era o telefone do prefeito, era do gabinete do prefeito. Ele [delegado] recebeu os números por uma denúncia anônima. A denúncia anônima tem que ser vista com cuidado, porque pode estar escondendo objetivos escusos, mas, ao mesmo tempo, ela é uma ponte, porque as pessoas têm medo de represália, de vingança. A denúncia anônima é um instrumento de investigação. Você tem que reparar que a interceptação telefônica foi usada até a descoberta dos assassinos do Celso Daniel. Depois, cessou. Portanto, estava presa a um objetivo específico. A questão é saber se houve algum abuso no pedido.

Folha - A justificativa para o juiz foi de investigação de narcotráfico. Ele teria sido iludido? Reale - Haveria algum interesse ligado ao narcotráfico envolvendo o assassinato do Celso Daniel, num clima de grande tensão, de apreensão. Essa foi uma das linhas de investigação. A PF não poderia desconsiderá-la. E é preciso lembrar que os delegados estavam ali indicados pelo PT.

Folha - E as fitas? Reale - Eu não conheço o conteúdo delas. Ninguém conhece. O Ministério Público as requereu e elas devem permanecer em caráter inteiramente reservado.

Folha - Acha que isso é possível? Reale - Por que não? Eu tenho que achar que vai ser cometido um crime? Que vai haver a violação do sigilo?

Folha - Não seria a primeira vez. Reale - De fato. E não é a primeira vez que outras instituições cometem esse crime.

Folha - Que instituições? O sr. se refere ao Ministério Público? Reale - Não houve a revelação das fitas que foram gravadas [por procuradores] no processo do Antonio Carlos Magalhães? Então, fica difícil. De um lado, se quer a violação de sigilo. Do outro lado, não se quer a violação de sigilo. A imprensa não permite que a PF ventile documentos sigilosos quando envolvem A, B ou C. Mas exige que ventile quando envolvem os políticos D ou E. Então, estamos num clima persecutório.

Folha - Não acha que o clima é de questionamento das instituições? Reale - Quais?

Folha - A Polícia Federal. E o sr. mesmo citou o Ministério Público. Reale - Nós temos que preservar a legalidade, e a lei determina que a violação de sigilo não pode ocorrer. Não se está querendo proteger ninguém. Está-se protegendo a lei. O clima é de denuncismo, de falta de respeito à legalidade.

Folha - De onde parte isso? Reale - Esse clima é geral. Parte de todo lado e muito da imprensa, que se coloca no papel de julgadora antecipada de tudo o que ocorre neste país. Eu já vi pessoas crucificadas na imprensa.

Folha - No caso da PF, porém, há uma sequência de fatos que inspiram desconfiança: o próprio presidente foi grampeado no caso Sivam, depois veio o BNDES na época das privatizações, mais recentemente Roseana Sarney (PFL) e, por fim, o PT. Não é uma escalada? Reale - Grampo da Roseana?

Folha - O PFL denunciou abertamente o grampo contra ela. Reale - Se você diz, então me prove. Parece que você quer denunciar um complô, um "Watergate" [escândalo que derrubou o presidente dos EUA Richard Nixon em 1974" caboclo. A imprensa não se conforma enquanto não provocar um "Watergate" caboclo.

Folha - Tanto Roseana suspeitava do grampo que a PM do Maranhão invadiu uma casa alugada pela PF em São Luís, onde havia aparato sob pretexto igual ao do PT agora: investigação de narcotráfico. Reale - A PF tem escritórios reservados de investigação de narcotráfico em praticamente todos os Estados. Não houve um só dado, um só elemento comprovando grampo na Roseana. Você está entrando no clima de denuncismo, de conspirações, de suposições. O problema da Lunus foi completamente outro.

Folha - Estamos falando de fatos. O sr. mesmo acaba de citar a Lunus. Pois a ex-governadora acusou a PF de agir politicamente no caso. Reale - Uma operação política? Solicitada pelo Ministério Público e determinada pelo juiz? Se a PF não cumprisse, o que se diria dela? Tenho tido uma posição de absoluta imparcialidade, inclusive com os Estados. A PF só vai ter ação política durante o processo eleitoral porque ela é a polícia judiciária dos crimes eleitorais. Tenho enormes solicitações de políticos, candidatos, deputados, para que a PF dê proteção nos seus Estados. A PF passou a ser referência de ação competente.

Folha - A PF estava investigando petistas como se fossem narcotraficantes, e os narcotraficantes estavam metralhando a Prefeitura do Rio. Não há uma inversão grave aí? Reale - A PF nunca deixou de cumprir sua missão de combate ao narcotráfico. Na quarta-feira mesmo, assisti a uma operação de incineração de mais de 80 toneladas de entorpecentes em Corumbá. Vários narcotraficantes foram presos. Em abril, a polícia desbaratou a quadrilha do Uê, no Rio. Essa comparação é duplamente injusta. Ela não age politicamente e está combatendo o narcotráfico.


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