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JANIO DE FREITAS
Abaixo a realidade
Entre o voto responsável e a
concretização do seu propósito há quase o infinito.
Não é apesar disso que se deve
votar, mas por isso: o voto responsável é o voto contra o infinito, contra o horizonte desejado, necessário, antevisto -e
inalcançável, no entanto.
É pouco menos do que um lugar-comum dizer que o voto é o
único instrumento legal de intervenção direta do cidadão na
política e, portanto, nos rumos
do país e das condições do viver
em seu território. Além de único, oferece-se a intervalos largos, mesmo que não haja uma
ditadura no meio do caminho.
Escasso e único, ainda por cima
o voto encontra dificuldades
muito complicadas a superar,
para que traduza as aspirações
mais autênticas do votante.
Jornais, TVs, revistas, esse
conjunto que leva o nome sem
sentido de mídia, é portador
unânime da crítica aos políticos, logo, aos eleitores que os
mantêm políticos nos governos
e nos Parlamentos. A mídia
brasileira, porém, é a primeira
daquelas dificuldades complicadas que se opõem ao voto autêntico, o que a põe como um
dos fatores de maior responsabilidade para que a política e os
governos sejam o que são.
Sem a informação frequente
sobre o desempenho dos parlamentares, o eleitor não tem noção de quem é quem nas Câmaras Municipais, nas Assembléias Estaduais e no Congresso. E essa informação lhe é negada pela mídia, por desatenção ou comodismo. A Folha
tem feito os cadernos "Olho no
Congresso", registra no dia-a-dia o voto ou a omissão de cada
congressista nos projetos de importância especial, mas sua
prática é isolada. E, em certa
medida, ainda em busca de
aprimoramentos e de complementação.
A responsabilidade da mídia
e as consequências de sua omissão ficaram bem demonstradas
no recente episódio paulistano.
De repente São Paulo (e o Brasil) constatou que sua Câmara
Municipal era um ambiente
putrefato. Mas os tantos que a
fizeram assim poderiam perpetuar-se em sucessivas eleições,
caso o paulistano fosse informado sobre sua Câmara por
um acompanhamento jornalístico continuado? O voto popular, do eleitorado mais sem defesa contra a demagogia barata, asseguraria certas permanências. Mas também a ele acabam chegando as notícias que
não leu, e não as deixa sem alguma dose de resposta.
Esta, pelo menos, é a regra geral. Incentivada pela repulsa
muito maior, e justificada, daquele eleitorado à classe política, em comparação com as classes socioeconômicas que aparentam atitude mais crítica.
Nas classes desfavorecidas, toda
referência à política e aos políticos é mais do que pejorativa, é
de desprezo e de ofensa. É para
transpor tal barreira que se elaboram as manhas da demagogia especializada na exploração
da necessidade e da desinformação.
A situação do eleitorado brasileiro é agravada pela inexistência de partidos, no sentido
de representação política de um
corpo de idéias e metas, excetuado só o PT. Aqui o eleitorado
não se identifica com um partido, é isso ou aquilo -sempre
ressalvada a exceção-, porque
os partidos são apenas aglomerados de interesses individuais,
grupos entre os quais os políticos se mudam segundo as mudanças de suas conveniências
pessoais. Os programas são farsas que apenas cumprem uma
formalidade legal, por sua vez
reduzida a outra farsa. O eleitorado fica à mercê do que cada
candidato diga, a título de princípios e de compromisso, e não
dos objetivos representados por
um partido. Daí a facilidade
com que os compromissos eleitorais evaporam sob o sopro do
cinismo mais cru.
Os políticos jamais cuidarão
de alterar a dramática realidade da vida política no Brasil:
são os seus beneficiários. Mas a
realidade é mutável. Pelo voto.
Mutável pelo menos no suficiente para que deixe de ser
dramática e de transferir sua
dramaticidade para a vida nacional. Mutável a começar do
voto que hoje se dará, se esse voto for tão incomplacente e responsável quanto possível.
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