São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2000

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COMO FOI A CAMPANHA
PSB
Sem dinheiro nem apoio de coligados, ex-prefeita sonha repetir eleição de 88
Erundina tenta debelar crise para chegar ao 2º turno

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

Largo 13 de Maio, zona sul de São Paulo. 15 de agosto. 15h.
Nas calçadas lotadas de ambulantes, artistas de rua, pedintes e desempregados, a frase se repete dezenas, centenas de vezes: "Ô, meu irmão. Tô pedindo o seu apoio, companheiro. Me ajuda?".
Foi assim que a paraibana Luiza Erundina de Sousa fez a maior parte de sua campanha. Foram 173 dias, muitos iniciados às 4h e encerrados depois das 21h.
Anda devagar. Não come. Toma no máximo um café. Só abraça e beija quem vier ao seu encontro.
Na hora do apelo, evita promessas. Limita-se a estender a mão, oferecendo ao potencial eleitor um calendário feito em forma de cartão de crédito -cujo estoque, minguado, muitas vezes acaba antes da peregrinação diária.

Periferia
Na periferia, a rejeição apontada pelas pesquisas -ela tem a quarta maior entre todos os candidatos- não aparece. Poucos recusam o cumprimento. Raríssimos são os que a hostilizam abertamente.
"Sou a candidata dos pobres. Os outros são a elite", repete ela, reafirmando a estratégia de se diferenciar dos concorrentes pela humilde origem familiar. "As pesquisas não vão à minha periferia."
Soltando os pulmões de cima de um caminhão ou falando calmamente aos jornalistas, Erundina costuma dizer que é perseguida.
"Sou mulher, nordestina, solteira, de esquerda. Sou o que contraria o poder vigente. Por isso, o poder ignora a minha candidatura."
Mas não foi só a mídia que esteve no seu alvo nesses dias de campanha.
Erundina começou a corrida em alta -e em silêncio. Foi disparando para todos os lados conforme caía nas pesquisas que questiona.

Metamorfose
O tom inflamado das críticas, porém, é um dos poucos vestígios dos anos rebeldes da ex-petista.
Quem ouve suas pregações percebe a tentativa de sepultar a militante que defendia a estatização total e o apoio incondicional aos movimentos grevistas.
Combatendo a fama de xiita, ela se lançou na disputa ao lado de um empresário do setor de brinquedos, que ocupa a vice-presidência do Ciesp, um dos templos da indústria paulista.
A estratégia foi criar uma agenda dupla, com Erundina percorrendo a periferia, enquanto o seu vice, Emerson Kapaz, encostava nos empresários, tentando somar um "novo eleitorado" para a "nova" Erundina. Sempre que possível, um levaria o outro a seu mundo original. "Kapaz foi escolhido a dedo, para complementar o que me falta", afirma ela.
Os dois assumiram as diferenças e tentaram usá-las a favor da candidatura. Kapaz tornou-se o único vice visível da campanha paulistana. Estava na TV, nos outdoors, nos comícios, nas caminhadas -e na porta do carro, pronto a reverenciar a candidata.

Cofres vazios
Os cofres da coligação "São Paulo Somos Nós" -que aglutina, além do PSB de Erundina e do PPS de Kapaz, o PMN e o PDT- começaram e terminaram vazios. O dinheiro, diz Kapaz, só pinga.
Faltam carros, panfletos, faixas. Pesquisas qualitativas, então, nem pensar.
Só a dez dias do final da campanha, a coligação conseguiu um caminhão de som -um palanque móvel, do estilo de trio elétrico. Nele, seguida por alguns poucos fiéis candidatos a vereador, Erundina percorreu a periferia.
Kapaz prefere não fazer estimativas, mas afirma que a arrecadação ficará "muito abaixo" dos R$ 6,4 milhões estimados à Justiça Eleitoral.
Sem dinheiro e com pouco tempo na TV, as turbulências vieram à tona nos primeiros dez dias de setembro. Com bases fracas, as quatro pequenas legendas não conseguiram manter a coesão em torno de Erundina.

Aliados
Nas fileiras do PPS, partido que já havia protagonizado uma crise ao trocar filiações por promessas de brindes para impedir a coligação, candidatos a vereador e presidente de diretórios desistiram de fazer a campanha de Erundina, insatisfeitos com o desempenho de Kapaz.
Depois foi a vez do PDT, do qual pelo menos quatro candidatos à Câmara Municipal procuraram a imprensa para declarar que estavam debandando rumo à candidatura da petista Marta Suplicy.
Na esteira da estagnação nas pesquisas, membros da coordenação do programa de governo ameaçaram seguir o mesmo caminho.
As críticas tinham alvo certo: o publicitário Chico Malfitani. Os coordenadores não aceitavam a falta das 168 propostas de governo do programa eleitoral.
Malfitani evitou polêmica. Kapaz deixou o posto de vice e coordenador para vestir a farda de bombeiro. Erundina desconversou.
"Estou acostumada com esse tipo de crise desde que nasci. Fui começar a andar apenas aos três anos de idade, de tão subnutrida que eu era. Isso de agora não é crise", contemporizou a candidata.

1988
Hoje, Erundina espera poder repetir a surpresa de 1988, quando, na boca-de-urna, virou o jogo e derrotou Paulo Maluf por menos de 300 mil votos de diferença.
Desta vez, porém, além de três adversários diretos, tem pela frente o desconhecimento do número de seu partido e a sombra do PT. A apuração dirá.



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