São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2000

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PT
Candidata diz que defesa do aborto e união gay não são temas da disputa
Marta evita tocar em propostas que lhe deram fama

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

A campanha de Marta Suplicy, 55, teve pouca semelhança com o estilo direto, impaciente e quase resmungão da candidata.
Marta passou o período eleitoral "pisando em ovos", seguindo uma estratégia de risco mínimo delineada pelo comando de sua campanha. Calculou cada passo cuidadosamente e evitou ao máximo envolver-se em polêmicas.
Absteve-se de mencionar temas que a fizeram famosa, como a defesa do direito ao aborto e da parceria civil homossexual. "Se me perguntam eu falo, mas não vou ficar tratando desses assuntos, porque não são próprios de uma campanha municipal", diz.
O objetivo de Marta foi claro: não ameaçar a constante liderança, de cerca de 20 pontos percentuais, que manteve sobre seus adversários durante meses.
Instada a responder a ataques de um adversário, Marta saía-se frequentemente com um "nada a declarar". Ao falar, pronunciava as frases lenta e claramente, no nítido esforço de quem ensaia mentalmente cada palavra à medida que abre a boca.
"Estar em primeiro lugar é ao mesmo tempo fácil, porque você tem um ânimo maior, e difícil, porque tem uma pressão para não cair nas pesquisas", diz.

Irritação
Algumas vezes, o autocontrole de Marta falhou. Irritou-se com frequência com longos discursos ou perguntas mal formuladas.
"Isso aí eu acabei de responder", disse, ríspida, certa vez, interrompendo um comerciante de 70 anos do Bom Retiro que perguntava sobre isenções fiscais, provocando silêncio na sala.
Se está nervosa com alguém, ela costuma dizer que fulano "pisou no tomateiro" (mais grave que "pisar no tomate"). "Às vezes, eu perco a paciência com alguma coisa, mas daí a dois minutos não estou mais, nem lembro o que era. É que eu não engulo", afirma.
Fazer discursos não é o forte da candidata. Ela patina tanto na forma como no conteúdo. Não consegue fugir do tom professoral, sem empolgação. Fiel à norma de fazer uma campanha previsível, Marta abusa de algumas expressões-chave em suas falas.
Começa dizendo que quer ter "dois olhares para a cidade, um para a exclusão, outro para o desenvolvimento econômico".
Em seguida, afirma que o PT não tem "urticária a privatização", promete passar "creolina na cidade" e termina com a situação das finanças do município.
Às vezes, o resultado é um tanto bizarro. Na Vila Brasilândia, gastou dez minutos falando sobre taxa Selic, amortização e reescalonamento orçamentário para um atônito grupo de padres.
Para falar sobre a preocupação social do PT, ela recorre a um "causo", que conta com a voz embargada. Diz que em 94 visitou uma cidade-satélite de Brasília e encontrou um bar que só vendia cigarro e pinga; quatro anos depois, foi ao mesmo bar. Tinha se transformado em um armazém, resultado do programa de renda mínima do governo petista, que teria fortalecido a economia local.

Especialidade
Se o palanque é um tormento, o corpo-a-corpo de rua é o momento em que Marta parece se sentir à vontade.
O mau humor ocasional desaparece depois de uma caminhada, até porque ela, em geral, foi bem recebida e pouco hostilizada -apesar de quase ter sido atingida por um ovo em Guaianazes, na zona leste da capital.
Nas caminhadas, Marta está sempre bem-vestida e perfumada, mas evita maquiagem pesada. O figurino rendeu o apelido de "madame", que ela detesta: "Madame é quem se sente".
Nas ruas, a candidata é frequentemente elogiada, principalmente por mulheres mais velhas. "A senhora é mais bonita que na televisão", dizem. Marta caminha depressa, como quem quer cumprimentar o máximo de eleitores no menor tempo. "Vai bem? Vai bem? Vai bem?", dispara.
Mas ela gosta de eventualmente parar, ouvir opiniões, sugestões e dramas pessoais. Na Vila Formosa, chorou ao ouvir de um velhinho que sua mulher morrera na véspera. No centro, pediu a sua assessoria que pagasse lanche a um senhor que chorava de fome.

Dilema na refeição
Comer ou não comer durante atividades de rua é um dilema constante. Ela faz o possível para passar longe de barracas de churros, cachorro-quente e pastel.
Nem sempre consegue -chegou a engordar três quilos na campanha, mas afirma que já voltou ao peso normal. Seu grande vício é o café. A parada em uma padaria para um cafezinho é obrigatória. "Tomo litros, se puder."
A candidata sabe que é um nome que "amplia". Orgulha-se de atrair o tradicional eleitorado esquerdista e outros segmentos. "As viúvas do malufismo e dos tucanos", em sua definição.
Convencida de que o PT precisa se aproximar do empresariado para ser uma opção de poder, Marta atulhou sua agenda de eventos com esse segmento.
Foram almoços, cafés da manhã e reuniões, em que ela procurava mostrar que é anacrônico associar o PT unicamente a greves, corporativismo e disputas internas. Cada declaração de apoio era tida como um troféu.
Boa caixeira-viajante, Marta não mediu palavras para obter doações. Em evento na Fiesp, ruborizou seu coordenador financeiro de campanha ao pedir que se levantasse e se mostrasse para uma platéia cheia de empresários. "É a ele que os senhores devem encaminhar as doações", disse.


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