São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Rio-Brasília

Ninguém sabe, e talvez jamais se saiba, a origem verdadeira da onda de medo que na manhã de ontem espalhou-se por vários bairros do Rio e daí se projetou para os vizinhos Niterói e São Gonçalo. Há, porém, três certezas à mão.
Em uma cidade tensa como o Rio, não é necessária mais do que a patifaria de uma pessoa para dar alguns telefonemas em nome de bandidos, ordenando o fechamento de lojas e escolas, ou fazendo ameaças, e criar o pânico. Daí por diante, tudo dependerá do aproveitamento que marginais ou simples desordeiros façam das circunstâncias, e, sobretudo, dependerá do acaso.
Não houve fato algum que provocasse a costumeira reação da bandidagem, exigindo o fechamento do comércio, como luto forçado por um bandido ou em protesto por invasão policial. Não houve indício algum de que bandidos fossem os autores das ordens iniciais contra o comércio, nem de que tais ordens fossem procedentes de Beira-Mar e comparsas presos em isolamento na PM. A candidata Denise Frossard teria feito prisões em flagrante, mas isso já é outra história.
Outra certeza imediata é a semelhança entre o acontecimento de ontem e o arrastão que precedeu a disputa em 92, pela prefeitura carioca, entre Cesar Maia e Benedita da Silva. A repercussão negativa recaiu toda sobre Benedita e assim influiu em sua derrota. (Cesar Maia é prefeito pela segunda vez e patrono da candidata Solange Amaral, última colocada na disputa pelo governo fluminense, com ela fazendo uma campanha de violência incomum, explorando justamente o tema da violência nos governos de Benedita, também candidata no Rio, e de Garotinho.)
A terceira certeza fácil é a exploração eleitoral dos esquisitos fatos no Rio, prontamente iniciada e com desdobramentos imprevisíveis, mas com interessados bem definidos, seja na disputa pelo governo fluminense, ou na disputa pela Presidência. A Polícia Federal, que não demonstrou ter informação do que haveria ontem na cidade, ontem mesmo já se dizia sabedora de uma rebelião a ocorrer no dia das eleições. A PF continua ativa na campanha, e fiel à linha inicial.

Caso único
Brasília é o oposto do Rio. Não quanto a atividades do crime organizado. Mas quanto à identificação das origens do seu atual escândalo.
As revelações de quase 50 gravações telefônicas, feitas sob autorização judicial, justificam plenamente o pedido de impeachment, pretendido por deputados distritais, de Joaquim Roriz, governador do Distrito Federal. A já sabida grilagem de áreas em Brasília, com posteriores loteamentos fraudulentamente regularizados, está agora conhecida nos seus mecanismos íntimos, acionados por uma rede de corrupção que envolve parlamentares, o governo brasiliense e alcança o Judiciário de Brasília.
As devastadoras revelações do "Correio Braziliense" foram objeto, porém, de uma decisão judicial liminar que, até as primeiras horas da noite, ainda sustava sua continuidade na edição de hoje do jornal e, em princípio, nas subsequentes. Há, no entanto, um aspecto ainda mais exótico na liminar: só o "Correio Braziliense" foi atingido pela proibição. TVs, rádios e os outros jornais continuam livres para as revelações -caso, afinal, decidam-se a fazê-las também.
Mesmo considerando que o pedido de liminar feito por Joaquim Roriz menciona apenas o "Correio", e o juiz restringe-se ao pedido, a decisão resulta em uma espécie de censura dirigida. Ainda mais grave por incidir sobre o jornal que informa, às vésperas das eleições, sobre fatos criminais que envolvem candidatos e o fortalecimento do esquema de corrupção.



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