São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Fidelidade

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO

Às 5h, seu Juvêncio, que era vaqueiro da fazenda, chegou tocando o gado. Juvenal ficou intrigado, porque sempre o pai ia buscar os animais após o jantar. Mas, nesse dia, seu Juvêncio deu o trato mais cedo e fechou-os no curral.
Em seguida, dirigiu-se ao filho: "Juvenal, onde está aquela bandeirinha do Brasil que você usou no desfile de Sete de Setembro? Deu na "Hora do Brasil", que o Dr. Getúlio vai de São Paulo para Ribeirão Preto, para fazer um comício. Vou ver ele passar na estrada, de modo que, amanhã de manhã, você leva o gado para o pasto".
Depois do jantar, Juvenal trouxe a bandeirinha, seu Juvêncio montou no cavalo e partiu na direção da estrada. De Santa Rosa do Viterbo até lá, eram umas oito léguas, o que significa uma caminhada de noite inteira. Foi o que ele fez. De madrugada, postou-se no alto de uma lombadona, pois calculou que o automóvel do presidente teria de desacelerar e isso permitiria vê-lo e acenar a bandeirinha.
Lá pelas 6h, o poeirão denunciou a aproximação da caravana. O primeiro carro era o do Getúlio. Dito e feito. O carro perdeu velocidade e ele, montado no seu cavalo e acenando a bandeirinha, viu claramente o presidente.
Qual não foi sua surpresa, porém, quando, após uns cem metros, o carro parou e começou a andar de marcha ré. Todos os carros da comitiva deram marcha ré e o do presidente parou na frente do barranco em que seu Juvêncio se postara. Um auxiliar desceu e convidou-o para apear e ir falar com o presidente. Seu Juvêncio não esperava tamanha honraria. Foi. Getúlio, em pé ao lado do carro, perguntou-lhe o nome, quantos filhos tinha, o que fazia, como estava a lavoura e por que estava ali. Seu Juvêncio respondeu a verdade: só para vê-lo passar. Getúlio ficou parado uns segundos sem dizer nada. Em seguida apertou-lhe fortemente a mão: "Muito obrigado, meu patrício". Deu meia volta, entrou no carro e mandou tocar. Seu Juvêncio virou o cavalo e trotou o dia inteiro de volta à casa.
Muitos anos depois, Getúlio já morto, Juvenal, formado em Direito, levou um candidato seu amigo para fazer campanha em sua terra. O candidato não era getulista. Juvenal avisou: "Fale o que quiser com meu pai, mas não diga nada contra o Getúlio, porque perde o voto dele".


PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72, ex-deputado federal pelo PT e membro da Assembléia Constituinte de 1988, escreve às terças-feiras nesta seção


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