São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

Texto Anterior | Índice

RAZÃO DE VOTO

Entre a intenção e o voto

MAURO FRANCISCO PAULINO

Apenas cerca de 3% dos eleitores irão às urnas no domingo determinados a votar em branco ou anular o voto para presidente. É um contingente que agirá de forma consciente, seja por protesto ou falta de opção. Seus votos serão desprezados no cálculo que determinará a necessidade de realização do segundo turno.
A apuração final mostrará que a esses não-votos, ou "votos bronca", como são chamados na Argentina, serão acrescentados cerca de 15% de votos anulados acidentalmente por erro no manuseio da urna eletrônica ou por pressa ocasionada pelo número de cargos e pela pressão das filas. Serão eleitores que, com intenção de voto definida, não conseguirão transformá-la em voto válido.
O fenômeno já ocorria com as cédulas de papel. Muitos dos votos deixados em branco eram fruto mais da apatia do que sinal de protesto. Havia também votos anulados por erros de grafia ou desconhecimento da forma correta de votar. Quem queria protestar anulava o voto escrevendo mensagens ou nomes fictícios na cédula. A introdução do voto eletrônico impossibilita essa prática, mas amplia a possibilidade da anulação involuntária. Por outro lado, diminui a incidência de votos brancos. Já abordado anteriormente neste espaço, a compreensão desse fato é importante para a avaliação correta do resultado final e dos números das últimas pesquisas.
Em 1998 a eleição foi totalmente informatizada em alguns Estados. Estes fornecem bons exemplos das mudanças na dinâmica do voto para presidente. No Rio de Janeiro, em comparação com 1994, os votos brancos caíram de 6,1% para 3,3%, e os nulos subiram de 8,9% para 12,0%.
Essa mesma comparação feita em Alagoas, Estado com maior taxa de analfabetos, torna-se ainda mais reveladora: em 94, 13,3% dos eleitores deixaram suas cédulas em branco, já em 98 apenas a metade (6,3%) digitou a tecla branca da urna. Em compensação, os votos nulos aumentaram de 16,3% para 21,1%.
No total do país, 9,2% dos eleitores votaram em branco para presidente em 94, todos votando em urnas tradicionais, taxa que caiu para 8,0% na eleição seguinte, quando 57,6% usaram urna eletrônica. Por sua vez, os votos nulos subiram de 9,6% para 10,7%. Agora, com a nova forma de votação chegando aos grotões, é plausível supor que cairá ainda mais a taxa de brancos e subirá a de nulos involuntários.
Os votos brancos representarão de maneira mais próxima o contingente de eleitores insatisfeitos que, de forma consciente, não votarão em ninguém. Os nulos, em sua maioria, serão votos desperdiçados, perdidos em meio aos desacertos do eleitor menos informado ou mais afobado, sem condições de externar seu voto.
Isso retira do processo eleitoral uma parcela de eleitores já em condição de exclusão social mas que, por dever ou desejo, comparecerão às urnas, enfrentarão as filas e tentarão digitar suas opiniões sem conseguir. Seus intuitos ficarão registrados apenas nas pesquisas de intenção de voto.
Em decisões apertadas, o candidato cujo eleitorado tenha uma concentração maior entre os mais escolarizados poderá ser favorecido em alguns pontos percentuais. É o caso de Lula. Não é o de Garotinho. Já Serra e Ciro têm os votos distribuídos de forma mais homogênea. Em uma eleição que chega ao final com a perspectiva de decisões milimétricas, este pode ser o detalhe que decidirá a necessidade de haver segundo turno e, em havendo, quem será o adversário de Lula.


MAURO FRANCISCO PAULINO, diretor-geral do Datafolha, escreve às terças-feiras nesta coluna



Texto Anterior: Presidente: Assistentes de palco
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.