São Paulo, sexta-feira, 01 de novembro de 2002

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DIPLOMACIA

Robert Zoellick, a quem Lula chamou do "sub do sub do sub" de Bush, declarou reconhecer dificuldades do país

EUA propõem unir Alca e combate à pobreza

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A QUITO

Robert Zoellick, o alto funcionário norte-americano que Luiz Inácio Lula da Silva inadvertidamente chamou de "sub do sub do sub", tratou ontem de adoçar a boca do presidente eleito do Brasil em relação à Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Depois de lembrar que tanto Fernando Henrique Cardoso como seu sucessor eleito falam sempre do grande número de pobres que há no Brasil, Zoellick disse que é importante analisar como compatibilizar acordos comerciais com o combate à pobreza.
Se há de fato uma fórmula que permita essa conciliação, seria a sopa no mel para o PT, que tem o combate à pobreza como bandeira prioritária e que, à medida que se aproximava da vitória eleitoral, abrandou suas restrições à Alca, a zona de livre comércio que deve abranger os 34 países americanos, excluída apenas Cuba.
Zoellick aproveitou a sessão de fotos com os ministros do Mercosul, antes de se reunir com eles a portas fechadas, para uma sequência de observações, todas no mesmo sentido: recados ao PT sobre os benefícios da Alca e, mais genericamente, do livre comércio.
Recado um: "Estamos perfeitamente a par de algumas das dificuldades [do Brasil", as financeiras, por exemplo, e achamos que o comércio é um instrumento importante para respaldar a recuperação da economia". Para um partido que fez do crescimento da economia e das exportações uma bandeira eleitoral, soa sedutor.
Recado dois: os EUA deram total respaldo ao acordo com o Fundo Monetário Internacional, que concedeu ao Brasil US$ 30 bilhões, "o que não é pouco, para ajudar no processo de ajuste. Provavelmente, o Brasil vai precisar de mais recursos para o ajuste".
Fica implícito que cooperar com os EUA na Alca pode ter como contrapartida a colaboração para novos recursos ou, ao menos, para a liberação das parcelas dos US$ 30 bilhões já acertados, a maioria delas prevista para 2003.
Recado três: "A Alca é importante porque empresas norte-americanas podem investir no Brasil para exportar para os EUA e outros mercados". Como captar recursos externos é vital para a economia brasileira na conjuntura, é outro canto sedutor.
Mas Zoellick não deixou de repetir o mantra da ortodoxia. "A chave é captar capital privado, o que depende de boas políticas. O Brasil tem grande potencial e as empresas certamente estarão interessadas se as condições adequadas estiverem dadas", disse.
Em março, na sua visita ao Brasil, Zoellick listou o que considera "condições adequadas": o receituário clássico (ajuste fiscal, privatizações, desregulamentação).

Paciência
Os agrados ao futuro governo, no entanto, predominaram nas duas vezes em que Zoellick falou aos jornalistas ontem.
Primeiro, mostrou-se "muito satisfeito" com a conversa telefônica entre Lula e o presidente norte-americano George W. Bush e com a disposição do brasileiro de viajar aos Estados Unidos eventualmente antes mesmo da posse.
Depois, ao oferecer os bons ofícios dos EUA para a transição. "Transição não é fácil para ninguém", disse o funcionário norte-americano, ressaltando sua própria experiência de três transições. "Por isso, estamos dispostos a ajudar um parceiro muito importante, de forma que o processo Alca seja benéfico", afirmou.
Ficou implícito que o governo norte-americano não ficaria especialmente incomodado se o Mercosul tiver dificuldades em apresentar a sua proposta inicial de abertura comercial no dia 15 de fevereiro, limite fixado pelo calendário Alca. Será apenas 45 dias após a posse de Lula e no meio do processo eleitoral argentino.
Zoellick lembrou que ele próprio assumira às vésperas da reunião ministerial da Alca de Buenos Aires, no ano passado. "Os parceiros foram muito gentis comigo naquela ocasião. Espero agir da mesma forma", disse.
Zoellick é o chefe do USTr (United States Trade Representative, espécie de ministério de comércio exterior dos EUA), subordinado diretamente ao presidente.
A Folha perguntou a Zoellick como havia sido traduzida para ele a expressão "sub do sub do sub", proferida por Lula durante a campanha. "Acho que foi deputy of the deputy of the deputy", respondeu sorrindo e usando a palavra inglesa para "vice" ou "sub".
A Folha apurou que Zoellick deu o incidente por encerrado, depois de certificar-se que o PT sabe perfeitamente que ele é sub apenas de George W. Bush.


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