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TRANSAÇÃO SUSPEITA
José Goulart Quirino utiliza nome do presidente da Casa, Ramez Tebet, em negócios de empresas privadas
Advogado usa Senado em lobby milionário
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A presidência do Senado vem
sendo utilizada em esquema de
lobby estruturado para tentar sacar quantias milionárias dos cofres de Brasília. O plano é comandado por José Goulart Quirino.
Ele se apresenta como consultor
de Ramez Tebet (PMDB-MS),
presidente do Senado, cujo nome
é mencionado nos diálogos como
fiador das transações.
O senador Tebet conhece Quirino. Mas desautoriza o uso de seu
nome. Quirino negocia o recebimento do chamado "crédito-prêmio do IPI". Consiste numa gratificação, criada em 1969, para estimular as exportações.
O governo sustenta que o benefício foi extinto em 1983. Os exportadores dizem que está em vigor. A dissensão gerou processos
judiciais em vários Estados.
Só em Alagoas, o governo perdeu causas no valor de R$ 748,8
milhões. Num único caso com
origem em São Paulo, perdeu R$
900 milhões.
Se decisões como essas se consolidarem como jurisprudência
(interpretação judicial reiterada),
o governo pode ser compelido a
desembolsar algo como US$ 5 bilhões por ano.
Incumbida de defender o erário,
a Procuradoria da Fazenda Nacional entulha a Justiça de recursos. Tenta ao menos postergar os
desembolsos.
Atalho
É aí que entra José Goulart Quirino. Ele "vende" aos empresários
um suposto atalho. Assegura ser
possível chegar ao Tesouro Nacional sem fazer escala no Judiciário. Em troca, cobra comissões de
20% a 30% do valor pleiteado pelo
empresário.
Funciona assim:
1) advogado, Quirino é dono da
Lexconsult & Associados. Em
reuniões com exportadores, assegura que, contratando-o, receberão o crédito ainda sob FHC;
2) a Folha falou com empresário que esteve com Quirino, na
suíte 3.111 do Hilton Hotel, em
São Paulo. Sob a condição de ter o
nome preservado, contou que
Quirino menciona o nome de Ramez Tebet como elo político de
sua estratégia;
3) Quirino exibe documento
com a assinatura de Tebet. Trata-se de "contrato particular de aquisição direta de serviços de consultoria". "É falso", diz Tebet;
4) Quirino porta também uma
suposta procuração recebida de
Tebet. O documento concede ao
advogado "amplos e ilimitados
poderes" para defender os "interesses e direitos" do senador. "É
falso", repete Tebet.
5) o escritório de Quirino funciona em São Paulo. O repórter
discou para telefone mencionado
no contrato. Pediu para falar com
Quirino. Não estava. A secretária
pôs na linha o "sócio" dele, Dagoberto Teles Guedes;
6) Dagoberto é proprietário da
firma Xamata Intermediação de
Negócios Empresariais Ltda., de
Mato Grosso do Sul, o Estado de
Ramez Tebet;
7) o repórter apresentou-se a
Dagoberto como consultor de
empresas dispostas a brigar pelo
"crédito-prêmio de IPI". Solícito,
Dagoberto disse, a certa altura: "O
Quirino é consultor jurídico do
Senado. Ele é secretário do Ramez
Tebet. Tem alguma influência. Aí
consegue mexer alguma coisa e
fazer sair...";
8) Dagoberto disse que a coisa
funciona à base de "jogo de cintura". Depois, atalhou: "Eu só posso
falar isso". O repórter insistiu: "O
senador está ajudando nisso?" E
Guedes: "... Evidentemente sempre deve dar uma força. Mas é
muito difícil falar sobre isso"; Tebet diz que não se lembra de conhecer Dagoberto.
9) o localizou Quirino, o suposto consultor de Tebet, num hotel
de Brasília. De novo, se fez passar
por consultor empresarial. Pediu
detalhes sobre o plano de ressarcimento do "crédito-prêmio de
IPI". "Eu, por telefone, vou poder
dizer muito pouco", disse Quirino. "É um ressarcimento direto,
administrativo ... Tem duas fases.
Uma técnica e outra institucional,
leia-se política";
10) Quirino desaconselhou a via
judicial. "Você vai levar dez anos.
Pela via administrativa, antes de o
Fernando Henrique sair, você recebe";
11) de acordo com Quirino, a
transação é garantida. "O senhor
há de convir que nós não seríamos burros de gastar, investir para nada." Ressalta que a comissão
que cobra só é paga após o recebimento do dinheiro do governo.
"É porque temos certeza";
12) Quirino disse ter sido contratado por "mais de cem empresas". Só revela os detalhes do negócio pessoalmente. "Por telefone
não dá, não é?";
13) no curso da conversa, que
também foi gravada, Quirino
apresentou suas credenciais. "Sou
consultor jurídico do Senado há
15 anos". O repórter pergunta:
"Funcionário do Senado?" E ele:
"Não. Presto assessoria independente, com todas as regalias de
funcionário efetivo. Antes, fui juiz
de direito e procurador do Estado
de São Paulo";
14) a Folha apurou que Quirino
transita no Congresso desde 1987.
Foi contratado como assessor do
então senador Wilson Martins
(MS). Perdeu o cargo no ano seguinte. Hoje, reivindica, em ação
administrativa, a contratação como funcionário efetivo do Legislativo.
15) no último dia 17 de outubro,
Quirino solicitou a Mario Lucio
Lacerda de Medeiros, diretor-executivo do Prodasen (Serviço de
Processamento de Dados do Senado), um endereço eletrônico
em seu nome. Anexou ao pedido
o contrato e a procuração com a
assinatura de Ramez Tebet;
Muitos advogados atuam em
causas que envolvem o "crédito-prêmio de IPI".
Duas particularidades distinguem Quirino de seus colegas: a
promessa de êxito rápido e a alegada vinculação política com Ramez Tebet, contestada pelo senador.
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