São Paulo, sexta-feira, 01 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRANSAÇÃO SUSPEITA

José Goulart Quirino utiliza nome do presidente da Casa, Ramez Tebet, em negócios de empresas privadas

Advogado usa Senado em lobby milionário

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A presidência do Senado vem sendo utilizada em esquema de lobby estruturado para tentar sacar quantias milionárias dos cofres de Brasília. O plano é comandado por José Goulart Quirino. Ele se apresenta como consultor de Ramez Tebet (PMDB-MS), presidente do Senado, cujo nome é mencionado nos diálogos como fiador das transações.
O senador Tebet conhece Quirino. Mas desautoriza o uso de seu nome. Quirino negocia o recebimento do chamado "crédito-prêmio do IPI". Consiste numa gratificação, criada em 1969, para estimular as exportações.
O governo sustenta que o benefício foi extinto em 1983. Os exportadores dizem que está em vigor. A dissensão gerou processos judiciais em vários Estados.
Só em Alagoas, o governo perdeu causas no valor de R$ 748,8 milhões. Num único caso com origem em São Paulo, perdeu R$ 900 milhões.
Se decisões como essas se consolidarem como jurisprudência (interpretação judicial reiterada), o governo pode ser compelido a desembolsar algo como US$ 5 bilhões por ano.
Incumbida de defender o erário, a Procuradoria da Fazenda Nacional entulha a Justiça de recursos. Tenta ao menos postergar os desembolsos.

Atalho
É aí que entra José Goulart Quirino. Ele "vende" aos empresários um suposto atalho. Assegura ser possível chegar ao Tesouro Nacional sem fazer escala no Judiciário. Em troca, cobra comissões de 20% a 30% do valor pleiteado pelo empresário.
Funciona assim:
1) advogado, Quirino é dono da Lexconsult & Associados. Em reuniões com exportadores, assegura que, contratando-o, receberão o crédito ainda sob FHC;
2) a Folha falou com empresário que esteve com Quirino, na suíte 3.111 do Hilton Hotel, em São Paulo. Sob a condição de ter o nome preservado, contou que Quirino menciona o nome de Ramez Tebet como elo político de sua estratégia;
3) Quirino exibe documento com a assinatura de Tebet. Trata-se de "contrato particular de aquisição direta de serviços de consultoria". "É falso", diz Tebet;
4) Quirino porta também uma suposta procuração recebida de Tebet. O documento concede ao advogado "amplos e ilimitados poderes" para defender os "interesses e direitos" do senador. "É falso", repete Tebet.
5) o escritório de Quirino funciona em São Paulo. O repórter discou para telefone mencionado no contrato. Pediu para falar com Quirino. Não estava. A secretária pôs na linha o "sócio" dele, Dagoberto Teles Guedes;
6) Dagoberto é proprietário da firma Xamata Intermediação de Negócios Empresariais Ltda., de Mato Grosso do Sul, o Estado de Ramez Tebet;
7) o repórter apresentou-se a Dagoberto como consultor de empresas dispostas a brigar pelo "crédito-prêmio de IPI". Solícito, Dagoberto disse, a certa altura: "O Quirino é consultor jurídico do Senado. Ele é secretário do Ramez Tebet. Tem alguma influência. Aí consegue mexer alguma coisa e fazer sair...";
8) Dagoberto disse que a coisa funciona à base de "jogo de cintura". Depois, atalhou: "Eu só posso falar isso". O repórter insistiu: "O senador está ajudando nisso?" E Guedes: "... Evidentemente sempre deve dar uma força. Mas é muito difícil falar sobre isso"; Tebet diz que não se lembra de conhecer Dagoberto.
9) o localizou Quirino, o suposto consultor de Tebet, num hotel de Brasília. De novo, se fez passar por consultor empresarial. Pediu detalhes sobre o plano de ressarcimento do "crédito-prêmio de IPI". "Eu, por telefone, vou poder dizer muito pouco", disse Quirino. "É um ressarcimento direto, administrativo ... Tem duas fases. Uma técnica e outra institucional, leia-se política";
10) Quirino desaconselhou a via judicial. "Você vai levar dez anos. Pela via administrativa, antes de o Fernando Henrique sair, você recebe";
11) de acordo com Quirino, a transação é garantida. "O senhor há de convir que nós não seríamos burros de gastar, investir para nada." Ressalta que a comissão que cobra só é paga após o recebimento do dinheiro do governo. "É porque temos certeza";
12) Quirino disse ter sido contratado por "mais de cem empresas". Só revela os detalhes do negócio pessoalmente. "Por telefone não dá, não é?";
13) no curso da conversa, que também foi gravada, Quirino apresentou suas credenciais. "Sou consultor jurídico do Senado há 15 anos". O repórter pergunta: "Funcionário do Senado?" E ele: "Não. Presto assessoria independente, com todas as regalias de funcionário efetivo. Antes, fui juiz de direito e procurador do Estado de São Paulo";
14) a Folha apurou que Quirino transita no Congresso desde 1987. Foi contratado como assessor do então senador Wilson Martins (MS). Perdeu o cargo no ano seguinte. Hoje, reivindica, em ação administrativa, a contratação como funcionário efetivo do Legislativo.
15) no último dia 17 de outubro, Quirino solicitou a Mario Lucio Lacerda de Medeiros, diretor-executivo do Prodasen (Serviço de Processamento de Dados do Senado), um endereço eletrônico em seu nome. Anexou ao pedido o contrato e a procuração com a assinatura de Ramez Tebet;
Muitos advogados atuam em causas que envolvem o "crédito-prêmio de IPI".
Duas particularidades distinguem Quirino de seus colegas: a promessa de êxito rápido e a alegada vinculação política com Ramez Tebet, contestada pelo senador.


Texto Anterior: Santa Catarina: Luiz Henrique pede suspensão de privatização
Próximo Texto: Saiba Mais: Crédito-prêmio a exportadores foi criado em 69
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.