São Paulo, domingo, 1 de novembro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice DOMINGUEIRA A ditadura dos anos 60
SÉRGIO DÁVILA Duas reações possíveis. Uma, como na piada: acaba mesmo, mas como dura... Outra: acaba, sim, e finalmente libera a minha, a de quem tem entre 30 e 40 anos, e todas as outras. Não exagero. Politicamente, e foi este o sentido que FHC quis dar, sua frase é constatação/aviso aos navegantes de que ele seria o último presidente de sua geração. Um adeus ao sonho de Covas, Maluf, ACM, Brizola. Mas, involuntariamente, traduz também um sentimento presente nos mais novos, o de que vivemos hoje sob a ditadura dos anos 60. Pelo menos, da geração que floresceu então -entenda-se aqui mais um conceito do que a largura cronológica de dez anos. É mais um "clima". Talvez seja pelo que já foi definido como o governo do processo, do desacontecimento, em que tudo vai se desenrolando lentamente e nada acontece com o ritmo de videoclipe a que fomos acostumados desde pelo menos a adolescência. Depois de assistir ao anúncio do pacote (quase um antianúncio), à prévia do presidente e ao desenrolar do noticiário, veio o pensamento: essa gente precisa urgentemente de uma injeção de "emetevina", o hormônio dos anos 90. O fato é que os comandantes que entrarão no próximo milênio comandando o mundo são crias da mãe de todas as décadas. Bill "Fumou mas Não Tragou" Clinton, aquele que não se alistou, Fernando Henrique "Experimentou" Cardoso, aquele que escreveu o que esquecemos. Mais Schroeder, coligado aos verdes (existe algo mais anos 60 que os verdes?) na Alemanha, o neobeatle Blair, no Reino Unido etc. A conclusão é política, mas contamina todo o ambiente. Por exemplo, a peça "Cacilda!", de José Celso Martinez Corrêa, que estreou na última quinta em São Paulo. A começar pela duração (quase cinco horas na estréia), passando pelo tema, terminando com a aura de "happening", tudo no espetáculo é sessentista. Primeiro indício: anacronismo. Ninguém mais pode dedicar, em dia útil, quase cinco horas a uma atividade que não seja remunerada. Outro: nomenclatura. Essa história de que "Cacilda!" é uma tragicomedyorgia -há algo mais 60 do que palavras aglutinadas com ipsilone?. Não se trata de uma reclamação, antes de constatação. "Cacilda!", o exemplo, é de longe a melhor peça do ano; Zé Celso, um dos mais criativos diretores em atividade. O problema é a hegemonia dos sessentistas e o talento que têm em se renovar e manter-se em evidência. E a sensação de que minha geração perde-se na mediocridade sem revelar talentos e saídas. Entraremos no ano 2000, nos próximos século e milênio, ainda sob esse guarda-chuva. Não era isso o que tínhamos em mente. E-mail: sergiodavila@uol.com.br O jornalista Marcos Augusto Gonçalves está em férias. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
|