São Paulo, domingo, 1 de novembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DOMINGUEIRA
A ditadura dos anos 60

SÉRGIO DÁVILA
Editor interino de Domingo

"Minha geração acaba comigo." FHC, em reportagem da jornalista Eliane Cantanhêde, publicada em 26 de outubro último

Duas reações possíveis. Uma, como na piada: acaba mesmo, mas como dura... Outra: acaba, sim, e finalmente libera a minha, a de quem tem entre 30 e 40 anos, e todas as outras.
Não exagero.
Politicamente, e foi este o sentido que FHC quis dar, sua frase é constatação/aviso aos navegantes de que ele seria o último presidente de sua geração. Um adeus ao sonho de Covas, Maluf, ACM, Brizola.
Mas, involuntariamente, traduz também um sentimento presente nos mais novos, o de que vivemos hoje sob a ditadura dos anos 60. Pelo menos, da geração que floresceu então -entenda-se aqui mais um conceito do que a largura cronológica de dez anos.
É mais um "clima". Talvez seja pelo que já foi definido como o governo do processo, do desacontecimento, em que tudo vai se desenrolando lentamente e nada acontece com o ritmo de videoclipe a que fomos acostumados desde pelo menos a adolescência.
Depois de assistir ao anúncio do pacote (quase um antianúncio), à prévia do presidente e ao desenrolar do noticiário, veio o pensamento: essa gente precisa urgentemente de uma injeção de "emetevina", o hormônio dos anos 90.
O fato é que os comandantes que entrarão no próximo milênio comandando o mundo são crias da mãe de todas as décadas. Bill "Fumou mas Não Tragou" Clinton, aquele que não se alistou, Fernando Henrique "Experimentou" Cardoso, aquele que escreveu o que esquecemos.
Mais Schroeder, coligado aos verdes (existe algo mais anos 60 que os verdes?) na Alemanha, o neobeatle Blair, no Reino Unido etc.
A conclusão é política, mas contamina todo o ambiente. Por exemplo, a peça "Cacilda!", de José Celso Martinez Corrêa, que estreou na última quinta em São Paulo.
A começar pela duração (quase cinco horas na estréia), passando pelo tema, terminando com a aura de "happening", tudo no espetáculo é sessentista.
Primeiro indício: anacronismo. Ninguém mais pode dedicar, em dia útil, quase cinco horas a uma atividade que não seja remunerada. Outro: nomenclatura. Essa história de que "Cacilda!" é uma tragicomedyorgia -há algo mais 60 do que palavras aglutinadas com ipsilone?.
Não se trata de uma reclamação, antes de constatação. "Cacilda!", o exemplo, é de longe a melhor peça do ano; Zé Celso, um dos mais criativos diretores em atividade.
O problema é a hegemonia dos sessentistas e o talento que têm em se renovar e manter-se em evidência. E a sensação de que minha geração perde-se na mediocridade sem revelar talentos e saídas.
Entraremos no ano 2000, nos próximos século e milênio, ainda sob esse guarda-chuva.
Não era isso o que tínhamos em mente.

E-mail: sergiodavila@uol.com.br
O jornalista Marcos Augusto Gonçalves está em férias.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.