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CELSO PINTO
A lógica por trás do pacote
Existem dois tipos principais
de críticas à lógica do pacote de
ajuste fiscal anunciado pelo governo, excluídas as objeções
pontuais a medidas específicas.
A primeira é que, fazer uma
contração fiscal num país em
estagnação é inviável. A recessão se agrava, os resultados fiscais pioram e, no final, a confiança fica mais precária do que
antes.
A segunda é que, para resolver
um problema que foi gerado pelo desequilíbrio externo, é preciso corrigir o câmbio. Sem isso,
não se restabelece a condição de
crescer de forma sustentável a
médio prazo, porque assim que
o país retomar o crescimento,
voltará o desequilíbrio das contas externas. Além disso, com
uma desvalorização, a correção
do desequilíbrio seria menos
custosa, em termos de crescimento e desemprego.
Numa longa entrevista à coluna, um dos mais influentes economistas no governo, o presidente do BNDES, André Lara
Resende, procurou rebater a lógica dos críticos. Sem minimizar, diga-se, a parcela de culpa
do governo pela situação de desequilíbrio.
André admite que fazer contração fiscal numa economia
em estagnação parece um contrasenso. É preciso ver, contudo,
os custos alternativos.
O Brasil usou muito os recursos externos nos últimos anos, a
chamada "poupança externa",
expressa no déficit em conta
corrente. Como não fez sua lição
de casa na área fiscal, esta poupança acabou financiando, em
larga medida, gastos correntes
do governo, como salários, e não
investimentos produtivos.
Como só investimentos produtivos podem gerar retornos futuros que possam repagar os financiamentos, é natural que este déficit tenha sido visto com
desconfiança pelos investidores
externos. Só que, a essa desconfiança, somou-se uma crise externa que cortou a disponibilidade de dólares de forma brusca
e devastadora.
A falta de poupança externa
levaria o Brasil, de qualquer
forma, a um ajuste traumático
em sua economia, na visão de
André. Ao tentar substituir a
poupança externa pela interna,
pelo ajuste fiscal, a aposta é numa saída mais suave, não mais
dura.
Sem o déficit do governo, argumenta, vão sobrar mais recursos para investimentos privados produtivos. O Brasil tem
um enorme potencial de crescimento, está no início de um ciclo de expansão, não no final
dele, como os países asiáticos.
Na medida em que o equilíbrio fiscal retome a confiança,
vai entrar dinheiro de investimento direto, não aplicações especulativas de curto prazo. Os
próprios capitais locais estarão
mais interessados nas oportunidades internas do que em arbitragens nas aplicações externas.
Por essa razão, as taxas de juros
poderão estar menos amarradas
pela camisa-de-força do "cupom
cambial", que garante a remuneração mínima do capital financeiro.
Mesmo que ele tenha razão no
longo prazo, contudo, como chegar lá? Ele admite os riscos na
travessia, mas não vê alternativas.
Aí entra a discussão da desvalorização cambial. Se fosse possível garantir que uma desvalorização nominal provocaria
uma mudança de preços relativos (melhorando a competitividade das exportações e desestimulando as importações), tudo
bem. Só que não há essa garantia.
Em primeiro lugar, porque
sem equilíbrio fiscal ela certamente não ocorreria. Nesse sentido, diz ele, a desvalorização
jamais poderia ser uma alternativa ao ajuste fiscal. Feito o
ajuste, contudo, não poderia ser
um complemento menos custoso?
Na teoria, sim. Na prática, o
problema de falta de confiança
no mercado internacional a torna uma alternativa muito arriscada.
Mas se o ajuste fiscal agravar
a recessão e o desemprego, não
pode ficar inviável da mesma
forma? O risco existe, diz ele,
mas se partir desse princípio,
não há o que fazer: se não fizer o
ajuste, a crise de confiança derruba o país, mas, se fizer, também terá uma crise de confiança. Ele, obviamente, acha que
não haverá essa segunda crise
de confiança, porque o Brasil
tem uma economia saudável,
oportunidades de investimento
e um sistema democrático consolidado.
Mas quem garante que o ajuste trará competitividade externa? André prefere falar em produtividade, não em competitividade, e diz que ela só se adquire
absorvendo investimentos que
incorporem tecnologia e com
educação sólida. O equilíbrio
fiscal abre espaço, mas o desafio
está posto.
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