São Paulo, domingo, 1 de novembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO
A lógica por trás do pacote


Existem dois tipos principais de críticas à lógica do pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo, excluídas as objeções pontuais a medidas específicas.
A primeira é que, fazer uma contração fiscal num país em estagnação é inviável. A recessão se agrava, os resultados fiscais pioram e, no final, a confiança fica mais precária do que antes.
A segunda é que, para resolver um problema que foi gerado pelo desequilíbrio externo, é preciso corrigir o câmbio. Sem isso, não se restabelece a condição de crescer de forma sustentável a médio prazo, porque assim que o país retomar o crescimento, voltará o desequilíbrio das contas externas. Além disso, com uma desvalorização, a correção do desequilíbrio seria menos custosa, em termos de crescimento e desemprego.
Numa longa entrevista à coluna, um dos mais influentes economistas no governo, o presidente do BNDES, André Lara Resende, procurou rebater a lógica dos críticos. Sem minimizar, diga-se, a parcela de culpa do governo pela situação de desequilíbrio.
André admite que fazer contração fiscal numa economia em estagnação parece um contrasenso. É preciso ver, contudo, os custos alternativos.
O Brasil usou muito os recursos externos nos últimos anos, a chamada "poupança externa", expressa no déficit em conta corrente. Como não fez sua lição de casa na área fiscal, esta poupança acabou financiando, em larga medida, gastos correntes do governo, como salários, e não investimentos produtivos.
Como só investimentos produtivos podem gerar retornos futuros que possam repagar os financiamentos, é natural que este déficit tenha sido visto com desconfiança pelos investidores externos. Só que, a essa desconfiança, somou-se uma crise externa que cortou a disponibilidade de dólares de forma brusca e devastadora.
A falta de poupança externa levaria o Brasil, de qualquer forma, a um ajuste traumático em sua economia, na visão de André. Ao tentar substituir a poupança externa pela interna, pelo ajuste fiscal, a aposta é numa saída mais suave, não mais dura.
Sem o déficit do governo, argumenta, vão sobrar mais recursos para investimentos privados produtivos. O Brasil tem um enorme potencial de crescimento, está no início de um ciclo de expansão, não no final dele, como os países asiáticos.
Na medida em que o equilíbrio fiscal retome a confiança, vai entrar dinheiro de investimento direto, não aplicações especulativas de curto prazo. Os próprios capitais locais estarão mais interessados nas oportunidades internas do que em arbitragens nas aplicações externas. Por essa razão, as taxas de juros poderão estar menos amarradas pela camisa-de-força do "cupom cambial", que garante a remuneração mínima do capital financeiro.
Mesmo que ele tenha razão no longo prazo, contudo, como chegar lá? Ele admite os riscos na travessia, mas não vê alternativas.
Aí entra a discussão da desvalorização cambial. Se fosse possível garantir que uma desvalorização nominal provocaria uma mudança de preços relativos (melhorando a competitividade das exportações e desestimulando as importações), tudo bem. Só que não há essa garantia.
Em primeiro lugar, porque sem equilíbrio fiscal ela certamente não ocorreria. Nesse sentido, diz ele, a desvalorização jamais poderia ser uma alternativa ao ajuste fiscal. Feito o ajuste, contudo, não poderia ser um complemento menos custoso?
Na teoria, sim. Na prática, o problema de falta de confiança no mercado internacional a torna uma alternativa muito arriscada.
Mas se o ajuste fiscal agravar a recessão e o desemprego, não pode ficar inviável da mesma forma? O risco existe, diz ele, mas se partir desse princípio, não há o que fazer: se não fizer o ajuste, a crise de confiança derruba o país, mas, se fizer, também terá uma crise de confiança. Ele, obviamente, acha que não haverá essa segunda crise de confiança, porque o Brasil tem uma economia saudável, oportunidades de investimento e um sistema democrático consolidado.
Mas quem garante que o ajuste trará competitividade externa? André prefere falar em produtividade, não em competitividade, e diz que ela só se adquire absorvendo investimentos que incorporem tecnologia e com educação sólida. O equilíbrio fiscal abre espaço, mas o desafio está posto.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.