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CELSO PINTO
Câmbio e confiança pressionam a inflação
Um dos maiores desafios do governo Lula, a partir de hoje,
será reconstruir a credibilidade
do sistema de metas inflacionárias. Hoje, o sistema está desacreditado. Não porque a inflação está alta, mas porque ele está sendo
incapaz de orientar as expectativas da sociedade.
A mediana das expectativas de
mercado para a inflação em 2003
está em 11%, mas ela embute projeções que vão de 4,3% a 18%. Obviamente, uma dispersão desse tipo indica que o sistema está em
cheque. O que fazer?
O diagnóstico do Banco Central, incluído no Relatório de Inflação, divulgado segunda-feira, é
claro: os dois principais fatores de
pressão inflacionária são o câmbio e as expectativas. É aí que a
guerra pode começar a ser ganha.
O relatório mostra que, com o
câmbio médio a R$ 3,55, a mediana da projeção do mercado para
o IPCA em 11% e os juros básicos
(Selic) em 25%, a projeção central
da inflação vai a 9,5% neste ano,
muito acima do teto de 6,5% indicado pela meta atual. Mesmo
considerando uma melhora nas
expectativas, que reduzisse a projeção do mercado para o IPCA
para 8% e com o câmbio médio
em R$ 3,20, o modelo do BC indica uma inflação central de 7,3%
em 2003, também acima do teto.
Um desafio imediato para o BC,
portanto, é definir o que fará com
a meta oficial. A primeira reação
do ministro da Fazenda, Antonio
Palocci, e do presidente do BC,
Henrique Meirelles, foi dizer que
não haverá mudança imediata
na meta. Essa postura coincide
com a análise interna do BC. Um
importante diretor argumenta
que o momento atual é comparável aos meses iniciais do sistema,
em 1999, quando havia enorme
dispersão das expectativas, só
ajustada depois de alguns meses.
Já existem sinais de recuo em alguns índices de preços. A ordem
natural da queda é que ela comece e seja mais forte no IPA (atacado), mais sensível ao câmbio, seja
seguida pelo IGP e, mais lentamente, pelo IPCA.
Por essa análise, faz sentido esperar a poeira assentar antes de
decidir sobre uma eventual revisão da meta. O PT vem tentando
domar as expectativas do mercado desde algumas semanas antes
da eleição. Tem reafirmado compromissos com o equilíbrio fiscal e
monetário, anunciado reformas,
nomeado uma equipe econômica
com perfil liberal e insistido na
autonomia operacional do BC.
Além disso, tacitamente, o novo
governo endossou o aumento da
Selic de 22% para 25%. Nos últimos dois meses, o ex-presidente
do BC, Armínio Fraga, operou em
contato diário com a nova equipe, ajudando a sugerir formas de
reverter expectativas negativas.
Alguma recompensa já houve.
Depois do aumento da Selic, o juro futuro caiu um pouco e a curva
ficou um pouco menos positivamente inclinada. A projeção de
inflação estabilizou. O câmbio ficou em R$ 3,55. É possível que, se
os primeiros movimentos concretos do governo forem numa direção positiva, haja ganhos adicionais: algum alívio no câmbio e
menos dispersão na projeção inflacionária. A inflação pode ser
ajudada, também, pelo fim da entressafra agrícola.
É importante considerar que o
diagnóstico do BC é que não há
um processo generalizado e descontrolado de aumento de preços.
A alta chegou a 80% dos preços
do IPCA, mas está concentrada
na mudança de preços relativos:
subiram, basicamente, os preços
puxados pelo câmbio. Mais importante, os preços dos produtos
influenciados pelo câmbio ("comercializáveis") subiram 15,4%
até novembro, para um ajuste
cambial de 51,4%. O repasse, portanto, ficou em torno de 15%, índice semelhante ao de 1999 e à
média do que ocorreu nos últimos
quatro anos.
Em outros termos, o impacto direto do câmbio sobre os preços já
teria sido absorvido em 2002. A
menos que o coeficiente de repasse tenha aumentado, por alguma
razão, o que só ficará claro nos
próximos meses.
É bom lembrar, contudo, que
em 1999 o câmbio real estava claramente sobrevalorizado e a economia quase em recessão, dois fatores que ajudaram muito a conter o repasse do câmbio sobre os
preços. Desta vez, o real está claramente superdesvalorizado e a
economia, acelerando, o que aumenta o risco inflacionário.
De todo modo, se o diagnóstico
do BC estiver correto e o grosso do
repasse direto do câmbio sobre os
preços já tiver ocorrido em 2002,
restaria para 2003, principalmente, o efeito da "inércia". O BC, nos
últimos anos, definiu uma política flexível para lidar com choques
de oferta, como a desvalorização
cambial: descontar o impacto direto do câmbio sobre a meta oficial da inflação do ano e diluir o
efeito inercial em dois anos (ou
seja, descontando metade dele da
meta de cada ano).
Por esses critérios, a meta efetiva de 2003 já havia subido de 4%
para 6%, perto do teto de 6,5%.
Uma alternativa à mudança na
meta oficial seria acomodar um
impacto ainda maior do choque
cambial em relação à meta inflacionária efetiva, colocando-a
bem acima da meta oficial. Só faria sentido, contudo, se fosse feito
de forma transparente e tecnicamente defensável.
No modelo usado pelo BC, o peso das expectativas aumentou
muito como fator explicativo da
inflação, desde 1999. A batalha
das expectativas, portanto, tornou-se crucial na inflação, tanto
quanto já é, por razões óbvias, em
relação à área externa.
O diretor do BC discorda inteiramente do peso que alguns analistas têm colocado na expansão
monetária recente como fator explicativo da inflação. A expansão
seria explicada pela liberação dos
recursos do FGTS desde julho e,
em parte, pela elevação do compulsório. O dinheiro do FGTS, uns
R$ 2 bilhões por mês, vira moeda
disponível, faz subir a base monetária e ativa o consumo. Mas o
"excesso" de moeda no sistema é
enxugado, diariamente, no overnight, argumenta este diretor do
BC. Se tivesse sobrado tanta moeda, os juros não teriam permanecido tão altos nos últimos meses.
Em suma, o incêndio não seria
generalizado. Pode ser contido
pela restauração da confiança e
com uma política monetária
apertada. O desafio está posto.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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