São Paulo, sexta-feira, 02 de janeiro de 2004

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ENTREVISTA

Governador diz haver superposição de funções na gestão e acredita que, como FHC e Tancredo, petista usa "sedução como poder"

Aécio vê "amadorismo" no governo Lula

Cristina Horta - 24.nov.2003/"Estado de Minas"
O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte; para o tucano, Lula é sincero e "gostável"


KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), vê "grande amadorismo" no gerenciamento do governo Luiz Inácio Lula da Silva, no qual só dois ou três ministros "detêm realmente poder". Afirma que houve "aparelhamento do Estado" pelo PT, partido "enraizado na máquina pública".
Em entrevista à Folha, Aécio, 43, alerta que a oposição estará "atenta" para o PT não usar a máquina federal como "seu instrumento mais vigoroso para ganhar as eleições" municipais de 2004. Disse também considerar injusto Lula atacar a "herança maldita" de Fernando Henrique Cardoso.
Apesar de enxergar "erro de dosagem ortodoxa" na política econômica, Aécio elogia Lula, um presidente "sincero" e "gostável", do qual "qualquer cidadão pode se orgulhar". Brincando, diz que o petista tem semelhança com o ex-presidente FHC (1995-2002) e com seu avô Tancredo Neves (que morreu em 1985 e não assumiu a Presidência): "A sedução como método de exercício do poder".
A seguir, trechos da entrevista, dada no Palácio das Mangabeiras, em Belo Horizonte:
 
Folha - Como o sr. avalia o primeiro ano de Lula?
Aécio Neves -
Ficou claro um aspecto positivo: se vemos indicadores econômicos melhorando, como a queda do risco-país, é porque se percebeu que no Brasil não existe mais aquele grupamento político que bota fogo na casa. Assistimos à transformação rápida de um discurso atrasado e populista numa prática responsável, sobretudo na política econômica. Durante muitos anos não teremos mais eleições ideologizadas entre aspas, nas quais as questões centrais serão debates de conceitos, como o papel do Estado, se menor ou se maior. A guinada do PT acabou com isso. No futuro, as eleições serão decididas no campo gerencial. Quem terá maior eficiência para gerir a máquina pública e apresentar melhores resultados? Por isso, não temo que a política econômica do governo tenha êxito. Lula deu credibilidade ao governo com uma gestão macroeconômica que continua o que o PSDB fazia.

Folha - Perdeu-se a pureza que o PT defendia, como a crítica à relação fisiológica do Executivo com o Congresso?
Aécio -
Infelizmente, o PT mostrou que, até pela fragilidade do quadro partidário, não há espaço no Brasil para fazer coisas muito diferentes das que se fazia. As alianças que o PT buscou são muito parecidas com as que o presidente Fernando Henrique Cardoso teve de fazer. O irônico é que o PT combatia essas alianças e as fez numa velocidade muito mais rápida. Não chamo de incoerência ou contradição do PT, mas de evolução do PT.

Folha - E o aspecto negativo do primeiro ano de Lula?
Aécio -
Um grande amadorismo na gestão do Estado. Um número grande de pessoas no primeiro escalão. Com raras exceções, a ótica com a qual o presidente montou o governo foi a da solidariedade ao companheiro, sobretudo companheiros derrotados. Isso custará ao presidente uma decisão talvez dura no campo pessoal. Depois de nomear um ministro é muito difícil tirar. Hoje há polarização entre dois ou três ministros que realmente detêm poder. Ou Lula reorganiza o governo, enxuga a máquina e dá eficiência à gestão, ou o esforço na gestão macroeconômica se perderá pela ineficiência da máquina. Se não mudar, ficará três anos atrás de resultados.

Folha - O gerenciamento do governo não entrega o que Lula promete nos discursos?
Aécio -
É isso. Há contradição e superposição tão grande de atribuições e responsabilidades que se fragilizou parte do ministério. Em Minas, fiz o oposto. Cortei um terço das secretarias. Fundi empresas. Acabei com aumentos salariais por meio de biênios, quinquênios. Enxuguei a máquina, que hoje tem melhor resultado. Vou zerar o déficit até o fim do ano. Em 2003, assumi com previsão de déficit de R$ 2,4 bilhões. Encerrei o ano com metade.

Folha - Em quais áreas do ministério Lula deveria mexer?
Aécio -
Tenho limites para fazer considerações específicas. Formação de governo é responsabilidade exclusiva do presidente.

Folha - Na relação com ministros, o sr. sente que há os de primeira e os de segunda classe?
Aécio -
Com 35 ministros, claro que existem alguns frágeis.

Folha - Acabou a lua-de-mel entre governo e oposição que possibilitou a aprovação das reformas da Previdência e tributária? No PSDB, há gente pregando o fim dela.
Aécio -
Não é lua-de-mel. Aqueles que governam têm de ter relação administrativa com o governo central. Defendo que o PSDB continue apoiando as propostas que apoiava lá atrás. Os oitos anos que passamos no governo nos obrigam a exercer oposição qualificada, e não a oposição radicalizada e muitas vezes contrária ao país que o PT exerceu.

Folha - Lula disse: "Aprovei as reformas em sete meses. Fiz o que FHC não conseguiu fazer". Ele argumenta que buscou o diálogo e que FHC não o fez.
Aécio -
Lula quis construir as reformas e lutou por elas. Mas encontrou na oposição um campo fértil, com lideranças responsáveis que ajudaram a construir as reformas. Infelizmente, FHC achou uma oposição que identificava vício de origem. Tudo que vinha do Executivo era negado de antemão pelo PT.

Folha - Em 2003, houve aumento do desemprego e queda da renda dos trabalhadores. Há previsões de crescimento zero do PIB. O PT criticava o governo FHC, dizendo que seu modelo amarrava o crescimento. O PT caiu na mesma armadilha?
Aécio -
Foi erro de dosagem ortodoxa encerrar 2003 com superávit primário acima do acerto com o FMI. Em 2003, em Washington, ouvi que o FMI estava preparado para um acordo com Lula no qual haveria espaço para crescimento. Em 2004, cobraremos crescimento e estaremos atentos a um problema grave.

Folha - Que problema grave?
Aécio -
É correta ou não a partidarização que fizeram na área de saúde e outras áreas do ministério? Ocorreu um aparelhamento do Estado da qual não há lembrança na história contemporânea. Não dá mais para separar governo e PT. Virou uma coisa só.

Folha - O sr. vê sinais de uso da máquina pública quando governo e PT dizem que reeleger Marta Suplicy em São Paulo é prioridade?
Aécio -
Todos na oposição estarão muito atentos. A postura do presidente dará o tom. O PT está enraizado na máquina em todos os níveis. Isso pode trazer conflito de interesses. Ficou muito tênue a linha entre o que é ação político-partidária e o que é uso da máquina. Espero, pela correção do presidente, que ele seja o primeiro a sinalizar de forma clara que uma coisa é eleição, conduzida pelo partido, e outra é governo.

Folha - O sr. é citado como presidenciável para 2006.
Aécio -
Tenho uma prioridade e cuido dela de corpo e alma: reorganizar Minas Gerais do ponto de vista administrativo e reposicionar o Estado politicamente.

Folha - Discurso de candidato.
Aécio -
Nada. Tenho uma grande conselheira na vida que é a falta de obsessão. As coisas sempre aconteceram para mim de forma natural. Não penso em 2006.

Folha - Quais os nomes do PSDB para 2006? Geraldo Alckmin?
Aécio -
O governador Alckmin (SP) certamente encabeça essa lista. O senador Tasso Jereissati (CE) é lembrado. Não vamos nos esquecer do próprio presidente Fernando Henrique... tem o Serra.

Folha - Lula é candidato forte?
Aécio -
Forte, mas não imbatível.

Folha - O sr. vê chance de união PT-PSDB num só partido?
Aécio -
Partido é projeto para bem mais adiante. Pode ser uma grande aliança, sem a necessidade de se pagar preços que o presidente Fernando Henrique pagou e que Lula começa a pagar hoje.

Folha - É possível trocar aliança fisiológica por ideológica?
Aécio -
Plenamente possível. Hoje há uma aliança com setores e pessoas tão distantes do ponto de vista ideológico que se unem em torno de um projeto de poder. Não sou puritano. Há hoje a necessidade real de certo loteamento de espaço para construir maioria no Congresso.

Folha - Qual é o estilo Lula?
Aécio -
Um homem de bem, sincero e "gostável" para aqueles que convivem com ele. Qualquer cidadão pode se orgulhar de tê-lo como presidente. É bem intencionado e determinado a construir reformas estruturantes no país. Resta saber se terá a força política necessária para conduzir até o final esse processo. O governo vive de fases. A primeira é de uma lua-de-mel com o eleitorado. Acho que o prazo de carência de Lula será maior do que o de qualquer outro governante, devido às suas origens, à forma direta com que fala com as pessoas, sua história pessoal. A eleição do Lula não foi a eleição de mais um presidente. Foi um marco na história do país, quase uma revolução de classes pelo voto. Isso é forte.

Folha - No balanço de um ano, Lula voltou a atacar a chamada "herança maldita" de FHC.
Aécio -
É um discurso injusto que vai ficando piegas e velho. Na área econômica, vista por todos como a que tem tido êxitos, há reconhecimento enorme ao governo FHC. Dos que falam de "herança maldita", prefiro ficar com a avaliação do Marcos Lisboa, que disse que deveria ser erguida uma estátua para o Malan. Não sei se chegaria a tanto. No mínimo, por dever de justiça, reconhecer a seriedade com que FHC e a equipe de Malan geriram a economia. FHC entregou um país melhor do que recebeu. A transição que assistimos de FHC para Lula foi um marco na democracia brasileira e deve ficar de exemplo, do qual o PT precisa se lembrar.



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