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ENTREVISTA
Governador diz haver superposição de funções na gestão e acredita que, como FHC e Tancredo, petista usa "sedução como poder"
Aécio vê "amadorismo" no governo Lula
Cristina Horta - 24.nov.2003/"Estado de Minas"
![](../images/n0201200401.jpg) |
O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte; para o tucano, Lula é sincero e "gostável" |
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governador de Minas, Aécio
Neves (PSDB), vê "grande amadorismo" no gerenciamento do
governo Luiz Inácio Lula da Silva,
no qual só dois ou três ministros
"detêm realmente poder". Afirma
que houve "aparelhamento do
Estado" pelo PT, partido "enraizado na máquina pública".
Em entrevista à Folha, Aécio,
43, alerta que a oposição estará
"atenta" para o PT não usar a máquina federal como "seu instrumento mais vigoroso para ganhar
as eleições" municipais de 2004.
Disse também considerar injusto
Lula atacar a "herança maldita"
de Fernando Henrique Cardoso.
Apesar de enxergar "erro de dosagem ortodoxa" na política econômica, Aécio elogia Lula, um
presidente "sincero" e "gostável",
do qual "qualquer cidadão pode
se orgulhar". Brincando, diz que o
petista tem semelhança com o ex-presidente FHC (1995-2002) e
com seu avô Tancredo Neves (que
morreu em 1985 e não assumiu a
Presidência): "A sedução como
método de exercício do poder".
A seguir, trechos da entrevista,
dada no Palácio das Mangabeiras,
em Belo Horizonte:
Folha - Como o sr. avalia o primeiro ano de Lula?
Aécio Neves - Ficou claro um aspecto positivo: se vemos indicadores econômicos melhorando,
como a queda do risco-país, é
porque se percebeu que no Brasil
não existe mais aquele grupamento político que bota fogo na
casa. Assistimos à transformação
rápida de um discurso atrasado e
populista numa prática responsável, sobretudo na política econômica. Durante muitos anos não
teremos mais eleições ideologizadas entre aspas, nas quais as questões centrais serão debates de
conceitos, como o papel do Estado, se menor ou se maior. A guinada do PT acabou com isso. No
futuro, as eleições serão decididas
no campo gerencial. Quem terá
maior eficiência para gerir a máquina pública e apresentar melhores resultados? Por isso, não
temo que a política econômica do
governo tenha êxito. Lula deu credibilidade ao governo com uma
gestão macroeconômica que continua o que o PSDB fazia.
Folha - Perdeu-se a pureza que o
PT defendia, como a crítica à relação fisiológica do Executivo com o
Congresso?
Aécio - Infelizmente, o PT mostrou que, até pela fragilidade do
quadro partidário, não há espaço
no Brasil para fazer coisas muito
diferentes das que se fazia. As
alianças que o PT buscou são
muito parecidas com as que o
presidente Fernando Henrique
Cardoso teve de fazer. O irônico é
que o PT combatia essas alianças
e as fez numa velocidade muito
mais rápida. Não chamo de incoerência ou contradição do PT, mas
de evolução do PT.
Folha - E o aspecto negativo do
primeiro ano de Lula?
Aécio - Um grande amadorismo
na gestão do Estado. Um número
grande de pessoas no primeiro escalão. Com raras exceções, a ótica
com a qual o presidente montou o
governo foi a da solidariedade ao
companheiro, sobretudo companheiros derrotados. Isso custará
ao presidente uma decisão talvez
dura no campo pessoal. Depois de
nomear um ministro é muito difícil tirar. Hoje há polarização entre
dois ou três ministros que realmente detêm poder. Ou Lula
reorganiza o governo, enxuga a
máquina e dá eficiência à gestão,
ou o esforço na gestão macroeconômica se perderá pela ineficiência da máquina. Se não mudar, ficará três anos atrás de resultados.
Folha - O gerenciamento do governo não entrega o que Lula promete nos discursos?
Aécio - É isso. Há contradição e
superposição tão grande de atribuições e responsabilidades que
se fragilizou parte do ministério.
Em Minas, fiz o oposto. Cortei um
terço das secretarias. Fundi empresas. Acabei com aumentos salariais por meio de biênios, quinquênios. Enxuguei a máquina,
que hoje tem melhor resultado.
Vou zerar o déficit até o fim do
ano. Em 2003, assumi com previsão de déficit de R$ 2,4 bilhões.
Encerrei o ano com metade.
Folha - Em quais áreas do ministério Lula deveria mexer?
Aécio - Tenho limites para fazer
considerações específicas. Formação de governo é responsabilidade exclusiva do presidente.
Folha - Na relação com ministros,
o sr. sente que há os de primeira e
os de segunda classe?
Aécio - Com 35 ministros, claro
que existem alguns frágeis.
Folha - Acabou a lua-de-mel entre
governo e oposição que possibilitou a aprovação das reformas da
Previdência e tributária? No PSDB,
há gente pregando o fim dela.
Aécio - Não é lua-de-mel. Aqueles que governam têm de ter relação administrativa com o governo central. Defendo que o PSDB
continue apoiando as propostas
que apoiava lá atrás. Os oitos anos
que passamos no governo nos
obrigam a exercer oposição qualificada, e não a oposição radicalizada e muitas vezes contrária ao
país que o PT exerceu.
Folha - Lula disse: "Aprovei as reformas em sete meses. Fiz o que
FHC não conseguiu fazer". Ele argumenta que buscou o diálogo e
que FHC não o fez.
Aécio - Lula quis construir as reformas e lutou por elas. Mas encontrou na oposição um campo
fértil, com lideranças responsáveis que ajudaram a construir as
reformas. Infelizmente, FHC
achou uma oposição que identificava vício de origem. Tudo que vinha do Executivo era negado de
antemão pelo PT.
Folha - Em 2003, houve aumento
do desemprego e queda da renda
dos trabalhadores. Há previsões de
crescimento zero do PIB. O PT criticava o governo FHC, dizendo que
seu modelo amarrava o crescimento. O PT caiu na mesma armadilha?
Aécio - Foi erro de dosagem ortodoxa encerrar 2003 com superávit primário acima do acerto
com o FMI. Em 2003, em Washington, ouvi que o FMI estava
preparado para um acordo com
Lula no qual haveria espaço para
crescimento. Em 2004, cobraremos crescimento e estaremos
atentos a um problema grave.
Folha - Que problema grave?
Aécio - É correta ou não a partidarização que fizeram na área de
saúde e outras áreas do ministério? Ocorreu um aparelhamento
do Estado da qual não há lembrança na história contemporânea. Não dá mais para separar governo e PT. Virou uma coisa só.
Folha - O sr. vê sinais de uso da
máquina pública quando governo
e PT dizem que reeleger Marta Suplicy em São Paulo é prioridade?
Aécio - Todos na oposição estarão muito atentos. A postura do
presidente dará o tom. O PT está
enraizado na máquina em todos
os níveis. Isso pode trazer conflito
de interesses. Ficou muito tênue a
linha entre o que é ação político-partidária e o que é uso da máquina. Espero, pela correção do presidente, que ele seja o primeiro a
sinalizar de forma clara que uma
coisa é eleição, conduzida pelo
partido, e outra é governo.
Folha - O sr. é citado como presidenciável para 2006.
Aécio - Tenho uma prioridade e
cuido dela de corpo e alma: reorganizar Minas Gerais do ponto de
vista administrativo e reposicionar o Estado politicamente.
Folha - Discurso de candidato.
Aécio - Nada. Tenho uma grande conselheira na vida que é a falta
de obsessão. As coisas sempre
aconteceram para mim de forma
natural. Não penso em 2006.
Folha - Quais os nomes do PSDB
para 2006? Geraldo Alckmin?
Aécio - O governador Alckmin
(SP) certamente encabeça essa lista. O senador Tasso Jereissati (CE)
é lembrado. Não vamos nos esquecer do próprio presidente Fernando Henrique... tem o Serra.
Folha - Lula é candidato forte?
Aécio - Forte, mas não imbatível.
Folha - O sr. vê chance de união
PT-PSDB num só partido?
Aécio - Partido é projeto para
bem mais adiante. Pode ser uma
grande aliança, sem a necessidade
de se pagar preços que o presidente Fernando Henrique pagou e
que Lula começa a pagar hoje.
Folha - É possível trocar aliança
fisiológica por ideológica?
Aécio - Plenamente possível.
Hoje há uma aliança com setores
e pessoas tão distantes do ponto
de vista ideológico que se unem
em torno de um projeto de poder.
Não sou puritano. Há hoje a necessidade real de certo loteamento de espaço para construir maioria no Congresso.
Folha - Qual é o estilo Lula?
Aécio - Um homem de bem, sincero e "gostável" para aqueles que
convivem com ele. Qualquer cidadão pode se orgulhar de tê-lo
como presidente. É bem intencionado e determinado a construir
reformas estruturantes no país.
Resta saber se terá a força política
necessária para conduzir até o final esse processo. O governo vive
de fases. A primeira é de uma lua-de-mel com o eleitorado. Acho
que o prazo de carência de Lula
será maior do que o de qualquer
outro governante, devido às suas
origens, à forma direta com que
fala com as pessoas, sua história
pessoal. A eleição do Lula não foi
a eleição de mais um presidente.
Foi um marco na história do país,
quase uma revolução de classes
pelo voto. Isso é forte.
Folha - No balanço de um ano, Lula voltou a atacar a chamada "herança maldita" de FHC.
Aécio - É um discurso injusto
que vai ficando piegas e velho. Na
área econômica, vista por todos
como a que tem tido êxitos, há reconhecimento enorme ao governo FHC. Dos que falam de "herança maldita", prefiro ficar com
a avaliação do Marcos Lisboa, que
disse que deveria ser erguida uma
estátua para o Malan. Não sei se
chegaria a tanto. No mínimo, por
dever de justiça, reconhecer a seriedade com que FHC e a equipe
de Malan geriram a economia.
FHC entregou um país melhor do
que recebeu. A transição que assistimos de FHC para Lula foi um
marco na democracia brasileira e
deve ficar de exemplo, do qual o
PT precisa se lembrar.
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