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ELIO GASPARI
Com vocês, os Amigos de Iporanga
Deve-se ao promotor Edward
Ferreira Filho, 36 anos, frequentador da praia das Pitangueiras, e
à repórter Maria Rita Alonso, 23
anos, frequentadora da praia de
Pernambuco (ambas no Guarujá), a exposição de um dos mais
belos casos de apropriação e exclusão a que o andar de cima submete a choldra.
Desde os anos 40, os ricos paulistas frequentam as praias do
Guarujá. A mais famosa, nos 60,
era a das Pitangueiras. Lá, os
condomínios dos edifícios de luxo
montavam tendas para seus moradores. Um deles fritava salsichas com raios do sol enquanto
um garçom servia champanhe.
Viviam em paz com a patuléia.
Podia-se comer um camarão empanado a poucos metros de um
miserável à milanesa e ninguém
se incomodava com isso.
Passou o tempo e uma nova espécie de ricaços achou melhor isolar-se da escumalha, procurando
praias cada vez mais longínquas.
O método não deu resultado, porque a miséria tem o mau hábito
de perseguir o luxo, empesteando-lhe as praias. Buscaram-se
praias desertas, de difícil acesso.
Esse foi o caso de quatro delas,
todas no Guarujá. Chamam-se
São Pedro, Prainha Branca e Tijucopava (nacionalmente conhecida por ter entre seus moradores
o juiz Nicolau dos Santos Neto, o
Lau-Lau). A quarta é Iporanga.
Nela têm propriedades os doutores Luiz Carlos Mendonça de
Barros e Andrea Calabi. Tucanos
ilustres, um presidiu e o outro
preside o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Repetindo: Social.
Em todos os casos as glebas próximas às praias foram loteadas. À
entrada de cada uma delas, os felizes moradores desses pedaços de
mata atlântica puseram guaritas
e meganhas. Só entrava quem tivesse carteirinha ou autorização
escrita.
Em dezembro de 1996, o promotor Edward Ferreira Filho (R$
6.000 de salário), dez anos de profissão, mulher professora e dois filhos, achou que se devia cumprir
a lei. A Constituição de São Paulo
(artigo 285) e a lei federal 7661/88
(artigos 6 e 10) dizem que é livre o
acesso às praias do Estado.
Nessa época, um vigilante da
turma de Iporanga viu chegar à
portaria um Fusca enferrujado,
com placa de Cubatão. Dentro,
dois casais, com cadeirinhas de
praia. Mandou que voltassem.
Erro. Eram dois estagiários da
promotoria e dois auxiliares do
foro da comarca. Edward entrou
com uma liminar pedindo que
fosse dado o livre acesso às quatro
praias. Ganhou nas quatro. Hoje,
sua liminar está suspensa para
uma delas, a pedido da Associação dos Amigos de Iporanga. Nas
outras três, cujos casos são idênticos, o sacrossanto Ministério Público já ganhou em primeira e segunda instâncias. Se tudo correr
bem, o caso dos Amigos de Iporanga será julgado pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo ainda
neste semestre.
Calabi e Mendonça de Barros
são Amigos de Iporanga. Os Amigos sustentam que podem manter
a barreira, pois pagam pela segurança da gleba (72 vigilantes, com
motoneta e cassetete), calçaram-lhe a via de acesso à praia e cuidam daquele pedaço de beleza.
Os Amigos preservam o equilíbrio social e ecológico da propriedade barrando os automóveis da
choldra quatro quilômetros antes
da praia. Só passam pela polícia
particular os carros dos Amigos.
Os demais devem pagar impostos,
cumprir as leis e seguir a pé. Leis
de quem? Dos Amigos e do prefeito do Guarujá, que lhes entregou
a administração da gleba do loteamento. Assim como o doutor
Mendonça de Barros privatizou o
sistema telefônico nacional, o
prefeito privatizou as normas de
acesso a um pedaço do seu município, onde tem casa o doutor Calabi, que vai privatizar as companhias elétricas.
Os Amigos de Iporanga poderiam ter fechado o acesso à praia
pelo caminho que passa por suas
glebas se tivessem constituído um
condomínio. Seria seu direito e é
o direito de quem vive nesse tipo
de propriedade. Os Amigos sabem
que há uma diferença entre condomínio e loteamento. Os moradores de um condomínio pagam
IPTU sobre a área total da propriedade, incluindo as ruas, praças e áreas comuns, seja o corredor do nono andar ou a praça vizinha. Os moradores de um loteamento só pagam imposto sobre a
área da propriedade de cada um.
Isso vale tanto para os Amigos de
Iporanga quanto do Jardim Primavera, na periferia de qualquer
grande cidade brasileira. Se um
Amigo de Iporanga paga à Viúva
R$ 2.500 por seu pedaço de loteamento, teria que pagar R$ 25 mil
pelos direitos de condômino.
Tanto os doutores Mendonça de
Barros e Calabi podem ir e vir de
Mercedes, por Jardim Primavera,
quanto a ralé desses jardins sem
flores pode circular de Fusca enferrujado pelas ruas de Iporanga.
(Em caso de dúvida, consultem-se
os artigos 18 e 22 da lei 6766/79.)
Grande idéia a dos Amigos. Pagam IPTU de loteamento de Terceiro Mundo, mas repelem a choldra atribuindo-se direitos de condôminos de Palm Beach.
A presença de dois presidentes
do BNDES na lista de Amigos de
Iporanga confirma à saciedade a
memorável observação do economista Armando Castelar, chefe
do departamento econômico da
instituição. Em dezembro, numa
entrevista ao repórter Roberto
Cosso, ele deu a seguinte explicação para a política de privatizações do tucanato: "O governo não
objetiva o lucro, mas um ganho
social".
Se o governo objetivasse o lucro,
estaria cobrando dos Amigos de
Iporanga IPTU de condomínio
(coisa que a essa altura já nem
pode fazer). Como objetiva o ganho social, mantém os contribuintes longe da praia, privatiza
a gleba e, de quebra, lhes valoriza
os terrenos que compraram a preço de banana. Um dos Amigos
comprou há pouco mais um naco
de mata. Deve ter feito bom negócio, sobretudo se o Tribunal de
Justiça de São Paulo lhe assegurar
o benefício social da privatização
daquele pedaço do município do
Guarujá.
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