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OPERAÇÃO SOCIAL
Ministro diz que Cartão-Alimentação promove organização popular
Graziano indica que Vale-Gás
e Bolsa-Renda podem acabar
Alan Marques - 05.nov.2002/Folha Imagem
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O ministro José Graziano (Segurança Alimentar e Combate à Fome), idealizador do Fome Zero |
MARTA SALOMON
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Refratário às críticas feitas ao
formato do Fome Zero, principal
programa social do governo Lula,
o ministro José Graziano (Combate à Fome) indica que dois dos
programas de distribuição de renda bancados com dinheiro da
União podem ser suspensos.
É o resultado da avaliação dos
programas sociais herdados do
governo FHC: "O Vale-Gás e o
Bolsa-Renda têm cadastros ruins
e acabaram tendo uso eleitoral",
relatou Graziano.
O Vale-Gás foi o último dos
programas sociais criados por
FHC e repassa R$ 15 a cada dois
meses a 8,5 milhões de pessoas. O
Bolsa-Renda dá R$ 30 por mês a
842 mil famílias que moram em
municípios atingidos pela seca.
Segundo Graziano, a intenção
do Cartão-Alimentação não é
acabar com os demais programas
de renda mínima, mas complementá-los. O Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação repassam entre
R$ 15 e R$ 45 por mês a famílias
com gestantes, nutrizes e crianças
de seis meses até 15 anos de idade.
Em entrevista por e-mail, o ministro defende o Cartão-Alimentação das críticas dos que vêem
nele uma mera ação assistencialista, ao vincular o uso do dinheiro à compra de alimentos. Mas reconhece: "O Cartão-Alimentação,
que é uma evolução da cesta básica, é uma ação específica".
O ministro desconversa quando
o assunto é a comprovação das
despesas -que tem sido alvo de
críticas. "Na nossa concepção,
não importa a fiscalização de como foi feito o gasto. O que importa é a organização popular que
uma ação como essa promove."
Graziano confirma que o Cartão-Alimentação se inspira no
programa "Food Stamp", criado
em 1964 nos EUA e que consome
US$ 18 bilhões. Lá, como aqui, o
dinheiro sacado por meio de cartão magnético só pode ser usado
na compra de certos alimentos.
Ainda segundo o ministro, o
principal programa social de Lula
só terá formato definitivo em
agosto. A experiência a ser lançada em Guaribas e Acauã, no Piauí,
vai passar por uma auditoria externa dentro de seis meses.
Folha - Por que o Fome Zero insiste em vincular o uso do dinheiro a
ser repassado às famílias à compra
de alimentos, nos mesmos moldes
do "Food Stamp" americano?
José Graziano - O "Food Stamp"
foi um modelo analisado no desenvolvimento de uma das ações
do Fome Zero, o Cartão-Alimentação. A proposta é vincular o dinheiro à alimentação. As transferências de recursos do governo federal hoje são quase todas vinculadas. No Bolsa-Escola, é preciso
comprovar a frequência escolar
da criança. Os assentados da reforma agrária têm de mostrar onde usam recursos do crédito rural.
Nós estamos fazendo uma ação
de combate à fome. Queremos
que as pessoas comprem comida
com esse dinheiro. O Cartão-Alimentação não irá substituir os
programas, semelhantes ao renda
mínima, que já existem no país.
Ele irá complementá-los.
Folha - Se a intenção é combater
a pobreza e promover cidadania,
não seria mais adequado persistir
no modelo dos programas de renda
mínima, que dão liberdade de escolha às famílias e exigem contrapartidas de inclusão social?
Graziano - Desde que foi elaborado, em 2001, o Fome Zero prevê
ações específicas, com objetivo de
dar comida a quem precisa com
rapidez, e estruturais, que pretendem permitir que o beneficiário
supere a situação de exclusão.
O Cartão-Alimentação, que é
uma evolução da cesta básica, é
uma ação específica. O renda mínima é uma ação estrutural. O
Cartão-Alimentação também exige uma contrapartida: os beneficiários serão orientados a participar de programas habitacionais,
de combate ao analfabetismo. E a
vinculação à compra de alimentos
não tem nenhum objetivo fiscal
ou de controle burocrático.
Folha - Uma das críticas à exigência de recibos é que isso criaria uma
indústria de notas frias, além de burocratizar o programa.
Graziano - Repito que não temos
nenhum objetivo fiscal. E a comprovação poderá ser, a critério
dos comitês locais, um recibo formal, as anotações do dono da
mercearia ou até o testemunho de
quem vendeu.
Folha - O governo teve acesso à
pesquisa segundo a qual, nos programas de renda mínima, as famílias já usam 70% do dinheiro na
compra de alimentos?
Graziano - Há muitas pesquisas
atestando que as famílias gastam
70% ou até 80% dos recursos em
alimentação. Esse dado só nos sugere que essa é uma discussão de
detalhes. Na nossa concepção,
não importa a fiscalização de como foi feito o gasto. O que importa é a organização popular que
uma ação como a do Cartão-Alimentação promove.
A diferença entre o cartão e o
Bolsa-Escola não é o vínculo ou
não com o tipo de gasto. A diferença está no fato de que um promove a escola e outro cria um embrião de organização local: os comitês gestores. E, com o Cartão-Alimentação, que vincula a renda
à compra de alimentos, o beneficiário dos programas de renda
mínima terá mais dinheiro para
construir sua cidadania.
Folha - Por que listar os alimentos
que as famílias podem ou não consumir?
Graziano - Não há nem nunca
houve lista de alimentos que podem ou não ser comprados. Há
apenas a proibição de adquirir bebida alcoólica, cigarro e refrigerante. O comitê local pode incentivar o consumo de produtos locais. Mas isso não significa proibição a produtos de fora.
Folha - O sr. concorda com a idéia
de unificar os programas sociais?
Acha que as bolsas deveriam acabar, assim como o Vale-Gás?
Graziano - As ações sociais, evidentemente, devem ser bem articuladas, para evitar superposição
de esforços e dispersão de recursos. Esse era um problema evidente nas ações do governo passado. Todos os programas já existentes estão sendo avaliados. Já vimos que o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação apresentam resultados positivos. Já o Vale-Gás e o
Bolsa-Renda têm cadastros ruins
e acabaram tendo uso eleitoral.
O Fome Zero vem ampliar e
complementar esses programas.
Os efeitos de cada programa existente estão sendo estudados e poderão ser readaptados para que
sejam integrados ao programa.
Folha - Algumas entidades, como
a Organização das Cooperativas
Brasileiras, já se mostraram empenhadas em doar alimentos, mas
ainda não há estrutura de distribuição nem o cadastro das famílias. Já foram definidas formas de
distribuição?
Graziano - O Fome Zero é grande demais para ser implantado de
forma improvisada. Estamos definindo com muito cuidado os
critérios para a doação e distribuição. Nas próximas semanas vamos anunciá-los. As doações que
estão sendo feitas nesse momento
estão sendo armazenadas na Conab. Em Brasília, já fizemos as primeiras doações. Cerca de uma tonelada de alimentos, que estavam
armazenadas na Conab, foi distribuída para três entidades de assistência social, credenciadas pelo
governo local.
Folha - O sr. disse que a doação de
alimentos por restaurantes deve
ser estimulada. Mas a legislação
atribui a responsabilidade por
eventuais problemas a quem doa.
Há a idéia de mudar a legislação
para incentivar doações?
Graziano - Planejamos trazer à
tona novamente a discussão sobre o Estatuto do Bom Samaritano, parado no Congresso, que
descriminaliza a doação de alimentos. Mas, numa primeira fase,
vamos propor que os municípios
criem bancos de alimentos a partir das doações de alimentos não
preparados feitas por supermercados e agroindústrias. A doação
de restaurantes, de alimentos preparados, é mais complicada e ficará para uma segunda fase.
Folha - Como será feita a avaliação do Fome Zero?
Graziano - Está prevista uma espécie de auditoria do piloto do
Cartão-Alimentação seis meses
após sua implantação. Esse processo será feito por uma empresa
de fora. A partir do resultado, poderemos modificar algumas coisas. Isso não significa que o cartão
só será expandido depois da avaliação. Queremos, ao contrário,
estendê-lo gradativamente a cerca de mil municípios em situação
de emergência no semi-árido.
Essa é nossa meta para esse modelo de cartão em 2003. Quero
destacar que não estamos trabalhando com a lista total dos municípios em situação de emergência.
São só alguns deles. E essa lista é
atualizada diariamente. Também
estamos estudando a possibilidade de expandir o cartão para municípios que têm histórico de trabalho infantil e trabalho escravo.
Na segunda e na terça, vamos
lançar o piloto do Cartão-Alimentação. Planejamos ainda anunciar
em fevereiro o Banco de Alimentos e uma parceria de cooperação
técnica com a FAO [organismo
das Nações Unidas para agricultura e alimentação]. O Mutirão
Social pelo Combate à Fome também ganhará fôlego neste mês. É
um processo gradativo. Não podemos esquecer que o Fome Zero
foi planejado para beneficiar milhões de pessoas que hoje não têm
segurança alimentar. Esse número não inclui apenas subnutridos,
mas a parte da população que não
consegue fazer três refeições de
boa qualidade todos os dias.
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