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Sem voz, antigo conselho fracassou
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Consea (Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional) funcionou por dois anos,
entre 1993 e 1994, durante o governo Itamar Franco. Mas ele se
enfraqueceu pela amplitude de
suas propostas -a de reforma
agrária, por exemplo- e porque
a burocracia do Estado resistia a
receber orientações de representantes da sociedade civil.
É o que diz uma das integrantes
daquele colegiado, a socióloga
Anna Peliano, 55, na época diretora de políticas sociais do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, órgão do Ministério do
Planejamento).
Folha - Quais os limites e deficiências do Consea, quando da sua
primeira fase?
Peliano - Faltou um poder formal de coordenação, de articulação, de integração das ações.
Folha - Por que o governo não se
comprometia com as propostas?
Peliano - O Consea abriu um espaço em que a sociedade civil
acompanhava e sugeria políticas
públicas.
Isso gerava estranheza na burocracia, sob o argumento de que os
membros do conselho não conheciam as limitações da máquina do Estado. Havia, por exemplo, pressão pela rapidez da reforma agrária.
Folha - A mesma "estranheza"
poderia ocorrer hoje?
Peliano - Tornaram-se mais frequentes as parcerias entre governo e sociedade. Outros conselhos
surgiram e ganharam força.
Folha - Quais os pontos positivos?
Peliano - A descentralização da
merenda escolar, que muitos no
governo queriam e por isso se
apoiaram nas pressões do conselho. A distribuição de estoques de
alimentos, a transformação do
programa de desnutrição em programa de distribuição descentralizada de leite e se rediscutiu o
Programa de Alimentação do
Trabalhador.
Folha - O Consea reclamava, criava casos para o governo?
Peliano - O conselho, passados
os primeiros meses, percebeu que
deveria limitar sua atuação para
ser mais eficaz. Passou a trabalhar
com questões ligadas à desnutrição. Com exceções ligadas à criação de empregos, como a utilização do FAT (Fundo de Amparo
ao Trabalhador) para crédito a
microempresas.
Folha - Que diferença qualitativa
havia entre o Consea e o Conselho
do Comunidade Solidária, que o
substituiu?
Peliano - O Comunidade Solidária incorporou habitação e saneamento, educação de primeiro
grau e saúde. Ampliou o leque.
Passou a desenhar programas específicos, oferecendo parcerias a
empresas.
Folha - Que vantagem o atual
Consea terá sobre o anterior?
Peliano - O conselho terá um ministério com o qual dialogar, uma
estrutura mais forte e um peso
político muito grande.
Folha - O Consea e o Ministério da
Segurança Alimentar podem dar
trombada?
Peliano - Teoricamente, claro
que podem. Juntar governo e sociedade civil traz algum potencial
de divergências. Mas não é esse o
espírito que vem sendo criado. As
pessoas que vêm para esses conselhos chegam mais com a mentalidade de cooperar. O Consea é
consultivo e não deliberativo.
Folha - O Mapa da Fome, que a
sra. coordenou em 1993, será novamente reatualizado?
Peliano - O Ipea já fez uma atualização. Com os dados de 1999, temos 22,6 milhões de indigentes,
ou 14,5% da população.
Folha - Menos que os 44 milhões
anunciados pelo governo.
Peliano - Esses 22,6 milhões têm
uma renda muito pequena. O ministro Graziano calcula algo mais
próximo à linha de pobreza. A decisão é política.
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