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JANIO DE FREITAS
Lula e a questão
Em alguma altura que não
se pode precisar, a contradição hamletiana do governo de
Luiz Inácio Lula da Silva terá de
solucionar-se, entre ser ou não ser
o fator das mudanças que dependem todas, para serem de fato resultantes, da mudança preliminar -a da política econômica.
Muito criticado pelo simplismo
e ligeireza com que fugiu aos
questionamentos na veloz reunião com os parlamentares petistas, o ministro Antonio Palocci
escapou de qualquer crítica em
um aspecto: foi coerente com sua
política, sendo ele próprio contraditório. A explicação para a
continuidade, abrandada embora, da política econômica do governo passado desce por duas
vertentes:
-"O Brasil, no fim do ano passado, estava em vias de quebrar,
a economia estava indo para a
breca. Já melhorou, apesar das
dificuldades. Neste primeiro mês
estamos tentando fazer ajustes
para fugir do colapso" (anotação
do deputado Chico Alencar);
-"O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva só foi ouvido em
Davos porque estamos adotando
as políticas corretas. Se fosse o
contrário, ninguém nos ouviria.
Temos pouco tempo de governo,
mas já conseguimos que o mundo inteiro esteja nos observando.
Eles querem saber para onde a
gente vai".
A insuspeitada atração do ministro pelos holofotes e microfones faz mais do que revelar uma
frustração teatral, talvez noveleira. Confirmou o que Antonio Palocci e o presidente do Banco
Central haviam negado: o aumento dos juros oficiais em quase humorístico 0,5%, às vésperas
de Davos, prejudicou a economia e deu lucro a bancos e certos
fundos, mas não teve motivação
econômica. Foi feito para provocar simpatias nos beneficiários
da grande ciranda financeira
reunidos em Davos. E essas delicadas atenções com "o mercado"
não são o mesmo que era feito
antes e, pelo que foi dito aos eleitores por um certo candidato, deveria mudar por trair os interesses do país?
Bem, mas este país, "no fim do
ano passado, estava em vias de
quebrar, a economia estava indo
para a breca", "em outubro o
país chegou a uma situação de
insolvência". Por que, então, os
tantos elogios de Antonio Palocci
em novembro, em dezembro e, já
ministro, em janeiro, "à competência" com que Pedro Malan e
Armínio Fraga conduziram a
economia do país? Não levaram
o país às "vias de quebrar", à "situação de insolvência"?
Levaram. Os dados estão aí. Só
em 2002 foram gastos R$ 114 bilhões com pagamento de juros,
transformando em lucro de bancos e fundos o dinheiro arrecadado à população em geral. Na cidade mais rica da América Latina, o desemprego paulistano encostou no recorde do conturbado
1985. A indústria, ante a necessidade de crescer, foi levada a encolher. Pela primeira vez em oito
anos, o Brasil remeteu mais US$
10 milhões do que recebeu do exterior. Sem o socorro urgente do
FMI no fim do ano, as contas governamentais não fechariam, seria mesmo "o colapso". E, para
um toque definitivo, ao fim de
oito anos da mesma política econômico-financeira, a inflação
chegou ao seu nível mais alto
com o real.
No resumo do ministro Antonio Palocci, o novo governo recebeu um país "em vias de quebrar, indo para a breca, em situação de insolvência". É exatamente por esse motivo que a política econômica anterior não poderia ser estendida pelo novo governo, com ou sem abrandamento aparente. Não deveria ser continuada nem por um dia, com ou
sem Davos, com ou sem os elogios dos Georges Soros que custam bilhões desviados de finalidades brasileiras e prementes.
Já se sabe aonde leva a política
econômica legada ao novo governo. Nela não há outro destino
senão aquele a que chegou o governo anterior. Mudá-la para fazer outras mudanças efetivas ou
mantê-la para preservar a estabilidade que é só do "mercado",
eis a questão para Luiz Inácio
Lula da Silva.
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