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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Lula e a questão

Em alguma altura que não se pode precisar, a contradição hamletiana do governo de Luiz Inácio Lula da Silva terá de solucionar-se, entre ser ou não ser o fator das mudanças que dependem todas, para serem de fato resultantes, da mudança preliminar -a da política econômica.
Muito criticado pelo simplismo e ligeireza com que fugiu aos questionamentos na veloz reunião com os parlamentares petistas, o ministro Antonio Palocci escapou de qualquer crítica em um aspecto: foi coerente com sua política, sendo ele próprio contraditório. A explicação para a continuidade, abrandada embora, da política econômica do governo passado desce por duas vertentes:
-"O Brasil, no fim do ano passado, estava em vias de quebrar, a economia estava indo para a breca. Já melhorou, apesar das dificuldades. Neste primeiro mês estamos tentando fazer ajustes para fugir do colapso" (anotação do deputado Chico Alencar);
-"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva só foi ouvido em Davos porque estamos adotando as políticas corretas. Se fosse o contrário, ninguém nos ouviria. Temos pouco tempo de governo, mas já conseguimos que o mundo inteiro esteja nos observando. Eles querem saber para onde a gente vai".
A insuspeitada atração do ministro pelos holofotes e microfones faz mais do que revelar uma frustração teatral, talvez noveleira. Confirmou o que Antonio Palocci e o presidente do Banco Central haviam negado: o aumento dos juros oficiais em quase humorístico 0,5%, às vésperas de Davos, prejudicou a economia e deu lucro a bancos e certos fundos, mas não teve motivação econômica. Foi feito para provocar simpatias nos beneficiários da grande ciranda financeira reunidos em Davos. E essas delicadas atenções com "o mercado" não são o mesmo que era feito antes e, pelo que foi dito aos eleitores por um certo candidato, deveria mudar por trair os interesses do país?
Bem, mas este país, "no fim do ano passado, estava em vias de quebrar, a economia estava indo para a breca", "em outubro o país chegou a uma situação de insolvência". Por que, então, os tantos elogios de Antonio Palocci em novembro, em dezembro e, já ministro, em janeiro, "à competência" com que Pedro Malan e Armínio Fraga conduziram a economia do país? Não levaram o país às "vias de quebrar", à "situação de insolvência"?
Levaram. Os dados estão aí. Só em 2002 foram gastos R$ 114 bilhões com pagamento de juros, transformando em lucro de bancos e fundos o dinheiro arrecadado à população em geral. Na cidade mais rica da América Latina, o desemprego paulistano encostou no recorde do conturbado 1985. A indústria, ante a necessidade de crescer, foi levada a encolher. Pela primeira vez em oito anos, o Brasil remeteu mais US$ 10 milhões do que recebeu do exterior. Sem o socorro urgente do FMI no fim do ano, as contas governamentais não fechariam, seria mesmo "o colapso". E, para um toque definitivo, ao fim de oito anos da mesma política econômico-financeira, a inflação chegou ao seu nível mais alto com o real.
No resumo do ministro Antonio Palocci, o novo governo recebeu um país "em vias de quebrar, indo para a breca, em situação de insolvência". É exatamente por esse motivo que a política econômica anterior não poderia ser estendida pelo novo governo, com ou sem abrandamento aparente. Não deveria ser continuada nem por um dia, com ou sem Davos, com ou sem os elogios dos Georges Soros que custam bilhões desviados de finalidades brasileiras e prementes.
Já se sabe aonde leva a política econômica legada ao novo governo. Nela não há outro destino senão aquele a que chegou o governo anterior. Mudá-la para fazer outras mudanças efetivas ou mantê-la para preservar a estabilidade que é só do "mercado", eis a questão para Luiz Inácio Lula da Silva.



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