São Paulo, quarta-feira, 02 de fevereiro de 2005

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ELIO GASPARI

Independência ou morte para o IBGE

Era só o que faltava, o IBGE arrastado na onda do comissariado petista que concebeu o conselho de jornalismo e a Ancinav. O IBGE vive de juntar números e credibilidade. Juridicamente, é uma fundação mais independente do governo que o Banco Central. Por que o instituto deve mandar os resultados de suas pesquisas ao Ministério do Planejamento com 24 ou 48 horas de antecedência, por cima ou por baixo do pano? E por que não ao Vaticano? São números que permitem manipulações do mercado e do humor da patuléia. Vem aí um indicador ruim? Arma-se um circo, lança-se a última versão do ProNada e cria-se um grupo de trabalho. Não se trata de usar a conhecimento prévio para fraudar indicadores, mas de permitir ao aparelho de propaganda do governo que se adapte, para o bem ou para o mal, às contas do IBGE.
O comissariado argumenta que a imprensa também recebe esses números com antecedência, comprometendo-se a respeitar os prazos de embargo. Talvez seja melhor devolver a gentileza do que misturar a imprensa nessa transação.
É possível que os doutores Nelson Machado (ministro interino do Planejamento) e Eduardo Nunes (presidente do IBGE) não se lembrem: Luiz Inácio da Silva deve seus primeiros 15 minutos de fama a uma manipulação estatística legitimada pela Fundação Getúlio Vargas. Coisa de 1977, quando presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
O caso foi o seguinte: em 1973 o governo do general Emílio Médici fechou o ano com uma inflação de 15,5%, segundo a FGV. Ninguém acreditava nisso, nem a FGV que fez a conta, nem o governo que fez o truque, nem seu sucessor, que ficaria com a mágica. No final de julho de 1977, a Folha publicou um enorme caderno com um diagnóstico do Banco Mundial sobre a economia brasileira. Lá, numa nota de pé de página, estava a revelação de que, para o banco, a inflação de 1973 ficara em 22,5%.
Lula acompanhou outros líderes sindicais que saíram por aí pedindo a reposição das perdas provocadas pela fraude. O resto da história todo mundo sabe.
Coisas que só acontecem na ditadura? Nem tanto. É verdade que a falsificação de um índice desse tamanho é coisa impensável numa democracia, mas em novembro de 2003, em pleno governo de Lula do ABC, o então ministro do Planejamento, Guido Mantega, meteu-se numa encrenca com o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa. Mantega dizia que a economia cresceria 0,8% e desdenhava previsões da Fazenda que ficavam em 0,4%.
Até aí, nada demais, pois os dois sabiam que os instrumentos de medição do PIB brasileiro estão longe de uma precisão decimal. O caso enfeou quando Mantega disse o seguinte: "Eu não derrubo, só levanto o PIB". Como o Padre Eterno não deu a Mantega o poder de mudar a realidade econômica do país, entende-se que se falava em levantamento de PIB no campo da subjetividade. (Pode me chamar de manipulação benigna.)
Quando um ministro e o presidente do IBGE dirigem-se à patuléia para explicar que pretenderam "normatizar e regularizar o fluxo de informações estruturais", verifica-se que perderam a capacidade de expressar suas intenções. O que vem a ser "regularizar o fluxo" das notícias que saem do IBGE e vão ao Planejamento? Quando elas ficam desnormatizadas, o que é que acontece?
Se Lula quer falar sério, pode mandar ao Congresso um projeto que dá ao IBGE a autonomia que a banca quer convencê-lo a dar ao Banco Central.


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