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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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JUDICIÁRIO

Nilson Naves diz ser contrário a projeto que proíbe parentes de ministros de tribunais atuarem como advogados junto a órgãos

Presidente do STJ defende atuação de parentes

DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Nilson Naves, 62, que tem dois filhos advogando no tribunal, não vê constrangimentos na atuação de advogados parentes dos ministros. Ele é contrário ao projeto que veda a prática e só admite a possibilidade de introduzir outras "restrições".
A seguir, a entrevista concedida à Folha por escrito. (RV e JD)
 

Folha - O sr. é favorável ao projeto de lei nº 3.881/2000, em tramitação no Congresso, pelo qual fica proibida a atuação de advogado "cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta, colateral ou afim, até o terceiro grau inclusive, de membro do tribunal, junto ao respectivo órgão judiciário"?
Nilson Naves
- O instituto dos impedimentos e suspeições já resolve todas as questões de incompatibilidade. Agora, se o que se pretende com o projeto de lei é restringir o exercício da profissão, tudo indica que sim, então o que se há de fazer com o preceito constitucional que garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão? E o pior é o disposto na Constituição (direitos e garantias individuais).
Talvez fosse melhor o estabelecimento de restrições tais como existem, por exemplo, na Suprema Corte dos Estados Unidos, bem como no Conselho de Estado e na Corte de Cassação da França. No exemplo americano, exige-se que se prove a experiência de três anos de prática forense em uma corte estadual superior. Na França, para atuar perante os órgãos mencionados, o bacharel deve submeter-se a três anos de preparação, abrangendo estudos acadêmicos, estágio e prática junto àqueles órgãos, culminando com o exame de aptidão, oral e escrito. De mais a mais, por que não se criam idênticas restrições para os dois outros Poderes?

Folha - Os últimos episódios envolvendo filhos de ministros não recomendam que o STJ tome medidas para evitar futuros constrangimentos, como apoiar publicamente a aprovação de lei semelhante ao PL-3.881?
Naves
- A idéia é boa, mas a mim me parece que já existem disposições que disciplinam a matéria. A dúvida que tenho é a da legitimidade da proposta em face de preceitos constitucionais garantindo o livre exercício de qualquer profissão. Veja que, ao se pretender vedar aos juízes o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, tal se vem fazendo através de emenda à Constituição.

Folha - O sr. tem dois filhos que atuam em processos no STJ. Embora não haja lei que os impeça, não seria melhor, do ponto de vista preventivo, que seus filhos deixassem de atuar no tribunal que o sr. preside?
Naves
- O que disciplina a pergunta são os artigos 134 a 138 do Código de Processo Civil e 251 a 256 do Código de Processo Penal, a propósito do impedimento e da suspeição. Ora, de acordo com o artigo 5º, II, da Constituição, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Folha - Quando um colega ministro decide contrariamente a algum pedido de seus filhos advogados, em determinado processo, não está criado um constrangimento entre o sr. e o seu colega?
Naves
- Absolutamente. Não se está criando constrangimento algum. Se se criasse, constrangimento haveria quando um ministro divergisse de outro na sala de julgamento. É própria dos colegiados a divergência: divergimos entre nós, diariamente, sem que haja qualquer constrangimento.

Folha - O sr. discute com seus filhos os processos em andamento no STJ?
Naves
- Em andamento, não. Costumamos conversar sobre a jurisprudência do STJ, do mesmo modo como conversamos sobre a jurisprudência de outros tribunais; do Supremo, por exemplo. Nas oportunidades que temos, poucas, por sinal, não deixamos de falar sobre o Direito, de modo geral. É um ótimo exercício de reflexão.

Folha - Como presidente do tribunal e pela experiência que tem, o sr. certamente sabe a tendência de voto de cada ministro. Seus filhos não estariam, assim, detendo informação privilegiada, em relação aos demais advogados?
Naves
- De maneira alguma. Aliás, a qual informação privilegiada se refere a pergunta, se, em sendo públicas as sessões e publicáveis todas as opiniões e votos dos magistrados, obviamente todos advogados, procuradores, promotores, partes etc. sabem de antemão a tendência, a filosofia e o norte dos julgadores?

Folha - Na sua vida social, seus filhos participam de eventos que envolvem outros colegas ministros, como jantares, aniversários ou casamentos? Em caso positivo, isso não significa que seus filhos têm um contato mais estreito e privilegiado com outros ministros do que a absoluta maioria dos advogados?
Naves
- Quanto aos meus filhos, ao que sei, eles frequentam festas de pessoas que têm idade semelhante à deles. Ainda que eventualmente possam ir a outros eventos, não creio que daí possa advir qualquer tipo de privilégio.

Folha - Há alguma recomendação especial da presidência do STJ aos outros ministros sobre a relação deles com seus filhos advogados, além do que a lei já prevê?
Naves
- Se a cada dia basta o seu cuidado, a cada qual também há de bastar o seu cuidado.


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