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HERANÇA MILITAR
Hoje filiado ao PT, mateiro que ajudou na busca por guerilheiros no Araguaia acredita ter direito a receber ressarcimento da União
Guia do Exército, camponês quer indenização
JOSIAS DE SOUZA
ANDRÉA MICHAEL
ENVIADOS ESPECIAIS A MARABÁ (PA)
O camponês Abel Honorato de
Jesus, 61, quer receber da União
um ressarcimento pecuniário pelos serviços que prestou ao Exército durante a guerrilha do Araguaia. Pleiteia indenização ou
aposentadoria.
Em sua primeira entrevista à
imprensa, Abel de Jesus disse à
Folha que foi preso pelo Exército
em 1971 e só escapou da tortura
porque concordou em guiar os
militares na busca dos guerrilheiros embrenhados nas matas do
sul do Pará. Para cobrar o que
acredita ser um direito, Abelin,
como o franzino ex-guia é conhecido, pretende contar com o aval
de um antigo chefe, o major Sebastião Curió, hoje prefeito de
Curionópolis (PA).
Curió comandou operações de
inteligência na região da guerrilha. As informações produzidas
por suas equipes sustentaram, entre 1973 e 1974, a fase mais violenta do combate aos comunistas do
PC do B que se instalaram no sul
do Pará. O saldo oficial de militantes desaparecidos é de 61.
Morador de um barraco, sobre
chão de terra batida, localizado na
periferia de Marabá, Abelin pedirá a Curió que aponha a assinatura num documento que ateste os
"serviços" prestados ao Exército.
Hoje filiado ao PT, o ex-guia engrossa o cordão de um novo grupo que surge em Marabá: pessoas
que se julgam credoras de indenizações da União em razão da participação no combate à guerrilha.
Ontem, a Folha publicou reportagem sobre um grupo de 36 ex-militares que serviu o Exército na
ocasião e agora se apresenta como
credor da União -por supostos
traumas físicos e psicológicos herdados do conflito, maus-tratos no
serviço militar ou serviços não-remunerados.
Bacaba
Escalado como mateiro, Abelin
transferiu sua moradia para a base militar de Bacaba, em 1973. Levou ao local, no km 68 da Transzamazônica, inclusive a família.
Ganhava "dez cruzeiros" por
"missão" e afirma nunca ter recebido supostas recompensas oferecidas pela captura de guerrilheiros, vivos ou mortos. Suas cabeças, diz, também valiam como
prova para pagamento.
"O Arlindo Piauí [também ex-guia] matou o Osvaldão mas não
ganhou o dinheiro", afirma Abelin. Com dois filhos e 11 netos, o
ex-colaborador do Exército diz viver da agricultura.
O terreno cultivado fica a 11 quilômetros de Marabá. Adquiriu a
terra, segundo informa, graças a
uma herança do passado: vendeu
uma outra propriedade que recebera do Exército, situada às margens da rodovia OP3, aberta durante a guerrilha. "Foi a única coisa que eles [os militares] me deram", disse Abelin.
De acordo com os relatos recolhidos pela Folha, o trabalho dos
guias e a pressão exercida sobre a
população local compõem a estratégia que permitiu ao Exército
reverter o fracasso das primeiras
investidas contra a guerrilha do
Araguaia, em 1972.
À frente de pelotões do Exército,
Abelin recorda-se, rapidamente,
de pelo menos quatro combates
na mata. Menciona inclusive os
guerrilheiros que trocaram tiros
na trincheira oposta.
São 12 os nomes citados por
Abelin: Velho Mauro (Maurício
Grabois), Flávio (Ciro Flávio Oliveira), Alfredo (camponês), Pedro Gil (Gilberto Olimpio Maria),
Nelito (Nelson Piauhy Dourado),
Edinho (Hélio Navarro de Magalhães), Peri (Pedro Alexandrino
de Oliveira Filho), Áurea (Áurea
Eliza Pereira), Tuca (Luiza Augusta Garlipe), Rosinha (Maria
Célia Corrêa), Cristina (Jana Moroni Barroso) e Sônia (Lúcia Maria de Souza).
Em seu barraco, à vontade numa banqueta de madeira, Abelin
disse que sua colaboração ao
Exército excedeu o período da
guerrilha. "O último serviço foi na
prisão do padre Aristides [Camio]." O religioso foi preso em 21
de junho de 1982 e enquadrado na
Lei de Segurança Nacional, sob a
acusação de estar por trás de uma
emboscada feita por posseiros
contra policiais e técnicos do governo no Pará.
Colonos
O ex-guia Abelin e os ex-militares não são os únicos a cobrar reparações do Exército. Estão na fila
também colonos que se julgam
prejudicados pela ação militar.
Entre eles Lauro Rodrigues dos
Santos, 48. Ele morava na região
onde foram travados os embates.
Conta que, em 16 de agosto de
1972, ao manusear uma granada
que o Exército deixara cair próximo à sua casa, perdeu a mão.
A explosão da granada provocou também a morte de um irmão de Rodrigues dos Santos. De
resto, seu pai, Eduardo, foi preso
pelo Exército, sob a acusação de
colaborar com a guerrilha. Pai e
filho protocolaram pedidos de indenização no Ministério da Justiça, ainda pendentes de decisão.
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