São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2005

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HERANÇA MILITAR

Hoje filiado ao PT, mateiro que ajudou na busca por guerilheiros no Araguaia acredita ter direito a receber ressarcimento da União

Guia do Exército, camponês quer indenização

JOSIAS DE SOUZA
ANDRÉA MICHAEL
ENVIADOS ESPECIAIS A MARABÁ (PA)

O camponês Abel Honorato de Jesus, 61, quer receber da União um ressarcimento pecuniário pelos serviços que prestou ao Exército durante a guerrilha do Araguaia. Pleiteia indenização ou aposentadoria.
Em sua primeira entrevista à imprensa, Abel de Jesus disse à Folha que foi preso pelo Exército em 1971 e só escapou da tortura porque concordou em guiar os militares na busca dos guerrilheiros embrenhados nas matas do sul do Pará. Para cobrar o que acredita ser um direito, Abelin, como o franzino ex-guia é conhecido, pretende contar com o aval de um antigo chefe, o major Sebastião Curió, hoje prefeito de Curionópolis (PA).
Curió comandou operações de inteligência na região da guerrilha. As informações produzidas por suas equipes sustentaram, entre 1973 e 1974, a fase mais violenta do combate aos comunistas do PC do B que se instalaram no sul do Pará. O saldo oficial de militantes desaparecidos é de 61.
Morador de um barraco, sobre chão de terra batida, localizado na periferia de Marabá, Abelin pedirá a Curió que aponha a assinatura num documento que ateste os "serviços" prestados ao Exército.
Hoje filiado ao PT, o ex-guia engrossa o cordão de um novo grupo que surge em Marabá: pessoas que se julgam credoras de indenizações da União em razão da participação no combate à guerrilha.
Ontem, a Folha publicou reportagem sobre um grupo de 36 ex-militares que serviu o Exército na ocasião e agora se apresenta como credor da União -por supostos traumas físicos e psicológicos herdados do conflito, maus-tratos no serviço militar ou serviços não-remunerados.

Bacaba
Escalado como mateiro, Abelin transferiu sua moradia para a base militar de Bacaba, em 1973. Levou ao local, no km 68 da Transzamazônica, inclusive a família.
Ganhava "dez cruzeiros" por "missão" e afirma nunca ter recebido supostas recompensas oferecidas pela captura de guerrilheiros, vivos ou mortos. Suas cabeças, diz, também valiam como prova para pagamento.
"O Arlindo Piauí [também ex-guia] matou o Osvaldão mas não ganhou o dinheiro", afirma Abelin. Com dois filhos e 11 netos, o ex-colaborador do Exército diz viver da agricultura.
O terreno cultivado fica a 11 quilômetros de Marabá. Adquiriu a terra, segundo informa, graças a uma herança do passado: vendeu uma outra propriedade que recebera do Exército, situada às margens da rodovia OP3, aberta durante a guerrilha. "Foi a única coisa que eles [os militares] me deram", disse Abelin.
De acordo com os relatos recolhidos pela Folha, o trabalho dos guias e a pressão exercida sobre a população local compõem a estratégia que permitiu ao Exército reverter o fracasso das primeiras investidas contra a guerrilha do Araguaia, em 1972.
À frente de pelotões do Exército, Abelin recorda-se, rapidamente, de pelo menos quatro combates na mata. Menciona inclusive os guerrilheiros que trocaram tiros na trincheira oposta.
São 12 os nomes citados por Abelin: Velho Mauro (Maurício Grabois), Flávio (Ciro Flávio Oliveira), Alfredo (camponês), Pedro Gil (Gilberto Olimpio Maria), Nelito (Nelson Piauhy Dourado), Edinho (Hélio Navarro de Magalhães), Peri (Pedro Alexandrino de Oliveira Filho), Áurea (Áurea Eliza Pereira), Tuca (Luiza Augusta Garlipe), Rosinha (Maria Célia Corrêa), Cristina (Jana Moroni Barroso) e Sônia (Lúcia Maria de Souza).
Em seu barraco, à vontade numa banqueta de madeira, Abelin disse que sua colaboração ao Exército excedeu o período da guerrilha. "O último serviço foi na prisão do padre Aristides [Camio]." O religioso foi preso em 21 de junho de 1982 e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, sob a acusação de estar por trás de uma emboscada feita por posseiros contra policiais e técnicos do governo no Pará.

Colonos
O ex-guia Abelin e os ex-militares não são os únicos a cobrar reparações do Exército. Estão na fila também colonos que se julgam prejudicados pela ação militar.
Entre eles Lauro Rodrigues dos Santos, 48. Ele morava na região onde foram travados os embates. Conta que, em 16 de agosto de 1972, ao manusear uma granada que o Exército deixara cair próximo à sua casa, perdeu a mão.
A explosão da granada provocou também a morte de um irmão de Rodrigues dos Santos. De resto, seu pai, Eduardo, foi preso pelo Exército, sob a acusação de colaborar com a guerrilha. Pai e filho protocolaram pedidos de indenização no Ministério da Justiça, ainda pendentes de decisão.


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