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ENTREVISTAS DA 2ª
HENRY STEINER
Especialista em direitos humanos de Harvard crê no combate à pobreza para enfraquecer extremismo
Guerra contra o terror produz retrocesso a liberdades civis
MARIA BRANT
DA REDAÇÃO
A chamada guerra contra o terrorismo, declarada pelos EUA
após os atentados de 11 de setembro de 2001, produziu, dentro do
país, um retrocesso no que diz
respeito às proteções aos direitos
humanos -ou liberdades civis, já
que o termo só é usado pelos americanos para se referir a "problemas de outros povos".
A análise é de Henry Steiner,
professor da Faculdade de Direito
da Universidade Harvard e uma
das maiores autoridades em direitos humanos nos EUA.
O mais problemático, afirmou,
é que, diferentemente de outras
guerras, não é possível dizer o que
marcaria o fim do combate ao terror. "É preciso, portanto, ser triplamente cuidadoso quanto ao
que você está fazendo com a sua
própria sociedade no processo."
Leia trechos de entrevista que
Steiner deu à Folha, na última
quarta-feira, em São Paulo, quando participou do 3º Colóquio Internacional de Direitos Humanos,
promovido pela Universidade
Columbia (Nova York) e pela
PUC-SP (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo).
Folha - Qual é a influência do 11
de setembro, da chamada guerra
contra o terrorismo, sobre o movimento pelos direitos humanos?
Henry Steiner - Essa experiência
ainda é muito recente para sabermos como as coisas vão se desenvolver. Acho que [o 11 de setembro] mudou muita coisa, por um
período muito longo.
É interessante que os EUA quase nunca falem de direitos humanos internamente. Temos nossa
própria tradição constitucional e
falamos de liberdades civis e direitos civis. Direitos humanos são
problemas de outros povos.
Mas o primeiro dever de um governo é levar um grau significativo de segurança a seu povo.
Folha - Os EUA, contudo, fazem
intervenções em outros países em
nome da democracia, do respeito
aos direitos e às liberdades civis da
população, mas, ao mesmo tempo,
não aplicam esses princípios, como
é o caso em Guantánamo.
Steiner - Você tem razão. Temos
uma tradição e gostamos de nos
ver como autores dela, apesar de
haver antecedentes europeus para nossas idéias. Fomos melhorando aspectos dessa tradição até
poucos anos atrás. Não éramos
exatamente uma democracia nos
termos atuais até o início do século 20. Mulheres não podiam votar
até 1919, tivemos discriminação
racial até os anos 60 e 70. Mas
avançamos. Somos uma democracia melhor do que éramos.
Os últimos acontecimentos,
são, portanto, um golpe tremendo. Além disso, ocorrem em um
contexto em que temos um governo muito conservador, que
tem uma opinião sobre o escopo
das liberdades civis muito diferente de governos anteriores.
Acho que fomos mais longe do
que deveríamos. A Suprema Corte ainda tem de decidir a respeito
de algumas questões. Acabou de
tomar uma decisão envolvendo
julgamentos não públicos para
estrangeiros detidos no país e restringiu até certo ponto o direito de
defesa. E os tribunais dizem que
não podem controlar o que está
ocorrendo em Guantánamo porque Guantánamo não é parte dos
EUA. Tudo isso é muito perigoso.
Quase inevitavelmente, os tribunais cedem até certo ponto ao
Executivo em momentos de medo e emergência. E o governo [dos
EUA] está agindo, em parte, com
base nesse medo.
É muito difícil para pessoas que
não são militares e não fazem parte das forças de segurança dizer
que todas essas preocupações são
totalmente injustificadas. Vemos
ataques terroristas ocorrendo em
outros países frequentemente: temos de tomar medidas de segurança. Mas temos de fazê-lo e levar em conta as proteções aos direitos e às liberdades civis e fazer o
menor número possível de invasões para atingir a meta de segurança. Nosso governo não fez isso.
Foi mais longe do que deveria.
O mais problemático é que a
Primeira e a Segunda Guerra acabaram. Mas é pouco claro o que
significa "o fim do terrorismo".
Essa situação pode durar cinco
anos, 50 anos, mas também pode
ser o mundo no qual nós e nossos
filhos e nossos netos vão viver. É
preciso, portanto, ser triplamente
cuidadoso quanto ao que você está fazendo com a sua própria sociedade no processo.
O que dá medo em algumas
dessas novas leis é que elas acabam com proteções muito fundamentais e criam coisas terríveis,
como julgamentos secretos.
Quando você tira alguns desses
direitos, aumenta a probabilidade
de haver decisões ruins e equivocadas pela burocracia das agências de inteligência e policial.
Folha - Como as ações desse governo têm afetado o movimento
pelos direitos humanos? Houve a guerra
no Iraque, há a relutância dos EUA em
participar do TPI
(Tribunal Penal Internacional)...
Steiner - Os EUA
desempenharam
papel vital no desenvolvimento do
movimento pelos
direitos humanos,
mesmo sem ter assinado tantos tratados quanto outros
países -e alguns
dos piores assinaram tratados como
o Congo. Mas demos um enorme
impulso no começo, fomos vitais para avançar com o
movimento pelos direitos humanos nos anos 40. Nos anos 50 e 60,
nos tornamos menos envolvidos.
Mas, a partir de Jimmy Carter, os
direitos humanos se tornaram
uma parte muito ativa das críticas
internas nos EUA a respeito da
política externa americana.
Além disso, nosso Departamento de Estado produz anualmente
um relatório sobre a situação dos
direitos humanos no mundo. Ele
já foi usado de forma muito injusta, pois criticávamos todos os
nossos inimigos, mas não nossos
aliados. Isso mudou. Hoje os grupos de defesa dos direitos humanos, que analisam esses relatórios
cuidadosamente, dizem que eles
são precisos, apesar de podermos
ser incoerentes com eles em nossa
política externa.
Por outro lado,
nosso histórico é
cheio de hipocrisia
e movimentos para
apoiar aliados culpados de violações
extremas aos direitos humanos. Para
nós, é impossível
sermos puros nessas questões -como a Dinamarca ou
a Noruega, que
mantêm posturas
de direitos humanos mais puras.
Mas, internamente, apesar do que
tem acontecido nos
últimos anos, somos um exemplo
muito importante.
Permanecemos
sendo uma sociedade que respeita
muito algumas normas de direitos humanos fundamentais.
Folha - E o TPI?
Steiner - No caso de Kosovo, agimos, a Otan (aliança militar ocidental) agiu, passando por cima
do Conselho de Segurança -tínhamos medo de um veto da Rússia, por suas ligações com a Sérvia
na época, e de outro veto.
Mas há sempre motivações misturadas. Nosso governo não é
mais puro que o governo brasileiro ou que nenhum outro governo.
Mas, em Kosovo, entramos basicamente por medo de que houvesse uma continuação do que
acontecera na Bósnia. Nunca saberemos o que teria acontecido se
não tivéssemos entrado.
Acho ótimo que tenhamos agido daquela forma, apesar de sempre haver problemas quanto ao
que acontece depois. Às vezes,
países devem intervir para evitar
violações dos direitos humanos.
No caso do TPI, não concordo
com o nosso governo. Em grande
parte, a oposição ao tribunal se
deve à posição conservadora do
atual governo, mas acho que os
americanos têm muitas reservas,
por suas tradições, quanto a ceder
sua soberania a respeito dessas
questões, mais que os europeus.
É quase inconcebível que a população ou políticos americanos
se disponham a abrir mão de
grande parte de sua autonomia e
dá-la ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Está além da
imaginação americana, particularmente como uma potência hegemônica. Acho que deveríamos
ter participado do TPI. Lamento
que não tenhamos participado.
Folha - Qual é a principal vitória e
o principal fracasso do movimento
pelos direitos humanos hoje?
Steiner - Os fracassos são muito
óbvios. O movimento fracassou
em impedir o genocídio, há hipocrisia por parte de muitos países.
Mas um dos maiores triunfos
foi tornar o discurso dos direitos
humanos uma parte do discurso
mundial. Pessoas o conhecem em
todos os países, mesmo naqueles
que estão hoje muito distantes do
mundo dos direitos humanos, como a China. Houve a disseminação da idéia de que há um valor
individual independente, mesmo
em sociedades organizadas de
forma muito mais coletivista que
a nossa. Acho que essa é uma realização desse movimento, que é
hoje universal e, portanto, enfrenta muito mais conflitos, cultural e
politicamente, do que quando era
principalmente ocidental.
Mas esses são conflitos que devemos acolher com satisfação. Se
não existissem, o movimento seria irrelevante. Quando a China
reclama, significa que está no movimento pelos direitos humanos.
É muito diferente se ela disser:
"Não reconhecemos esse movimento, é um artifício ocidental".
Folha - E qual seria o maior desafio a esse movimento?
Steiner - É o de dar as pessoas alguma forma de esperança que enfraqueça movimentos em direção
ao extremismo. Para isso, combater a pobreza é mais fundamental.
O movimento pelos direitos humanos tem de enfatizar a necessidade de combinar o desenvolvimento social e econômico com
um sentimento de igual valor entre as pessoas e de uma participação política ampla. Os direitos humanos não são um campo separado: não é a alçada de ativistas
dos direitos humanos, mas de
economistas, planejadores sociais, governos, sociólogos.
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