São Paulo, Quarta-feira, 02 de Junho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
O crime, por acaso

A insistência dos governistas, e do próprio Fernando Henrique Cardoso, de que o grampo registrou apenas esforços para aumentar a concorrência e o valor, no leilão das teles, transformou um mau argumento, precipitado pelo susto com a revelação dos diálogos, em reconhecimento de práticas injustificáveis por todos os envolvidos.
É simples: se os diálogos transcritos expusessem esforços legais e decentes, os governistas e o próprio Fernando Henrique não estariam qualificando a publicação como criminosa, mas a louvando como prova da sua lealdade ao interesse público. O mesmo Fernando Henrique não estaria propondo, com o eco dos seus áulicos, restrições à divulgação de quaisquer documentações não autorizadas. Em vez de pretender essa redução fascistóide do jornalismo às publicações convenientes ao governo, estaria explorando o seu feito para (mais) propaganda.
Se o governo fez bem, a Folha não fez mal em mostrar isso ao país. Mas fez mal ao governo e bem ao país se o governo fazia bem a si e mal ao país.
Por que não houve incentivo à competição e ao melhor preço nos tantos outros leilões de telefônicas? Por que tal esforço só no leilão do pudim de 16 empresas, inclusive a Telerj, pretendido por um certo consórcio?
Dado que o pessoal do governo agiu sempre no interesse público, o que se observa de peculiar naquele leilão e no consórcio só pode ser uma série de acasos inexplicáveis. A formação do consórcio foi organizada por Pérsio Arida, que, precisando para tanto do apoio de uma entidade empresarial, recebeu o título de diretor do banco Opportunity, em cujo nome passou a atuar.
Por acaso, o comando do processo de privatização, pelo lado do BNDES, estava com Lara Resende, o mais próximo amigo e companheiro de atividades profissionais de Arida, desde remotos tempos. Por acaso, na privatização, pelo lado ministerial, estava Mendonça de Barros, que até pouco antes possuía com Lara Resende o banco de investimentos financeiros Matrix, caso excepcional de lucros excepcionais com brevidade excepcional.
Por acaso, os diálogos que comprometem Mendonça de Barros, Lara Resende e Fernando Henrique em manobras e pressões deformantes do leilão, fortalecendo um consórcio com o fundo de previdência do Banco do Brasil, favoreciam o consórcio representado por Pérsio Arida.
Não é por acaso que os governistas precisam ficar chafurdados na contradição de que as fitas só mostraram atitudes admiráveis, da sua parte, e a divulgação disso foi caluniosa, difamatória, injuriante. Criminosa.


Texto Anterior: Leia a íntegra do relatório
Próximo Texto: Aprovada criação do Ministério da Defesa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.