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Depuração no Senado vai parar, diz antropóloga
Alan Marques/Folha Imagem
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A antroppóloga Carla Costa Teixeira, professora da UnB |
MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO
O processo de depuração do Senado não deve continuar. Ele se
encerra com a cassação do empresário Luiz Estevão (PMDB-DF), consumada quarta-feira. Essa é a opinião da antropóloga Carla Costa Teixeira, 38, professora
da UnB (Universidade de Brasília) e especializada em antropologia da política.
Carla Teixeira vem estudando
os processos de cassação de parlamentares por quebra do decoro
desde 1993. Na sua opinião, a cassação de Luiz Estevão só foi possível graças à combinação de quatro fatores: o trabalho investigativo da imprensa, maior do que durante a CPI do Orçamento (1993),
a agilidade do Ministério Público,
o contexto político de enfrentamento entre o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães,
e o presidente do PMDB, Jader
Barbalho, e a defesa inadequada,
fria e arrogante do ex-senador.
Carla Teixeira tem o mestrado
em Antropologia no Museu Nacional, da UFRJ, e o doutorado
pela UnB. Sua tese de doutorado
virou o livro "A Honra da Política", editado pela Relume Dumará. Ela analisa vários processos de
cassações, principalmente os originados na CPI do Orçamento, e
mostra que o julgamento do decoro parlamentar não é uma
questão jurídica, mas política.
Para a antropóloga, o Legislativo, principalmente a Câmara dos
Deputados, é muito ágil para punir, mas lento para mudar as regras que permitem a corrupção e
a quebra do decoro. "Você cospe
o indivíduo, mas a prática continua sendo perpetuada."
Esta entrevista foi dada sexta-feira, por telefone.
Folha - Por que Luiz Estevão foi
cassado?
Carla Costa Teixeira - Eu poderia
elencar alguns fatores. Primeiro, a
imprensa. O papel que a imprensa
teve nesse processo foi diferente
daquele nas cassações dos deputados na CPI do Orçamento. Naquela ocasião, a imprensa atuou
como uma caixa de ressonância
da CPI, vazando documentos. A
imprensa produziu poucas "provas". No caso do Luiz Estevão, ele
teve de se defender, praticamente
todas as semanas, de documentos, bilhetes e disquetes que a imprensa ia trazendo. Esse perfil de
investigação nós havíamos visto
no caso do Collor. Na CPI do Orçamento não se verificou. Agora
voltou muito forte.
Folha - O ex-senador reclamou da
imprensa. Você acha que houve
parcialidade na cobertura?
Teixeira - Não, não houve. E isso
aponta para outro elemento: a dificuldade que Luiz Estevão teve de
politizar o processo. A tentativa
de acusar a imprensa de perseguição foi como se tentasse dizer:
"Não se trata de nada que eu tenha feito. Isso não importa. O que
os jornais estão querendo é me tirar do Senado". Só que não colou.
A sua postura não foi adequada.
A grande chance dele, e que ele
não soube explorar de maneira feliz, era o fato de ter sido o senador
mais bem votado de Brasília, com
quase meio milhão de votos.
Lembro o Ricardo Fiúza (PFL-PE, acusado pela CPI do Orçamento , mas absolvido pelo plenário em 94), que conseguiu esvaziar o relatório do Hélio Bicudo
(PT-SP) contra ele, colocando como uma questão ideológica. O
Fiúza foi muito perspicaz na politização e foi absolvido. Afinal de
contas, o processo de cassação é
um processo político. Luiz Estevão não foi hábil nesse sentido.
O que me chamou muito a atenção desde o começo foi o semblante do Luiz Estevão. Ele tem
um ar frio, distante. Isso soou como uma certa prepotência. Ele
percebeu, mas tentou virar o jogo
muito tarde, com um discurso
emocional que não convenceu. O
Ibsen Pinheiro (PMDB-RS, cassado em 94) teve inicialmente essa
postura de distância, de frieza, juridicista. Eu vi a última defesa do
Ibsen. E ele se descontrolou. Eu
não vi o Luiz Estevão se descontrolar uma vez.
Folha - Que outros fatores contribuíram para a cassação?
Teixeira - Houve, ainda, na questão política, outro elemento importante: o embate entre ACM
(presidente do Senado) e Jader
Barbalho (senador, presidente do
PMDB). Houve uma tentativa do
PMDB, que não colou, de dizer
que o que estava em jogo era a hegemonia do ACM no Senado.
Outro ponto importante foi a
Procuradoria da República. Ela
foi de uma agilidade impressionante na busca de provas e na articulação. A junção das modificações na Constituinte de 88, dando
mais poder ao Ministério Público,
com a renovação dos que exercem a função de procurador, deu
uma dinâmica muito forte e eficaz. O Ministério Público virou
um sujeito político, com uma força que não tinha antes.
Folha - As mesmas acusações de
desvio de dinheiro e de sociedade
com a Incal poderiam ter um desfecho diferente em outro contexto
político, com outra imprensa e outro Ministério Público?
Teixeira - Poderiam dar em nada. O que caracteriza o decoro,
muito mais do que honra, é que
ele é sempre definido a cada contexto. O que é considerado indecoroso hoje? Em 1949, o Barreto
Pinto (deputado Edmundo Barreto Pinto, PTB-DF) foi cassado
porque posou de cueca (em 1946,
para a revista "O Cruzeiro"). Hoje, aparecem coisas piores e nada
acontece. O decoro só ganha um
conteúdo quando ele é ancorado
num contexto particular.
Sérgio Naya foi cassado (em 98)
porque contou uma bravata no
interior (gravada em vídeo) e não
porque oito pessoas morreram
quando o prédio construído por
ele caiu. Fica esta questão: o que é
do campo da política e o que é do
campo da Justiça? Ele até hoje responde ao processo na Justiça, mas
já está cassado. Foi o que aconteceu com o Collor, que foi cassado
no mundo da política e absolvido
na Justiça. Existe, portanto, uma
autonomia relativa entre estes
dois campos.
O que faz surgir a discussão do
decoro é algo que tenha uma repercussão muito grande na sociedade.
Folha - Pode-se dizer que exista
uma ética na política brasileira?
Teixeira - Nós temos um procedimento em relação à quebra de
decoro político muito mais rigoroso, e isto pode até surpreender,
do que outras democracias que
nós admiramos. Temos uma agilidade política muito grande para
punir. Todo o movimento no
Congresso norte-americano não é
para cassar, não é para expulsar.
Eles criam todas as facilidades para que o deputado abra mão do
mandato, para evitar esta situação
constrangedora de expulsar um
membro do Legislativo.
Folha - A que você atribui esta rapidez de punição no Congresso brasileiro?
Teixeira - Nós temos um senso
comum negativo dos políticos.
Político é corrupto, só visa seus
próprios interesses. Essa imagem
é tão forte que, ao surgir uma acusação ou um clamor público contra um político, o movimento é de
expulsão do acusado o mais rápido possível, sob pena de desonrar
o grupo inteiro mais ainda. Exatamente pela fama da impunidade,
há uma urgência em excluir aquele indivíduo.
E na maioria das vezes não há a
mesma urgência em se alterar as
regras que permitiram que ele fizesse aquilo. Então, você cospe o
indivíduo, mas a prática continua
sendo perpetuada. A estrutura
institucional que permite aquele
padrão de conduta permanece.
Folha - O que a cassação do Luiz
Estevão simbolizou para a sociedade e para os políticos?
Teixeira - Para a sociedade, o que
fica é um sentimento um pouco
ambíguo. Uma certa satisfação de
ver alguém do porte dele, um senador da República que cometeu
um crime, ser expulso do Senado.
E existe um outro sentimento que
diz que isso não é nada diante do
que ele fez. Será que ele vai devolver o dinheiro? Justamente aí termina a esfera da política e começa
a da Justiça. Isso gera um certo desencantamento entre o cidadão
normal e os políticos. Institucionalmente, não é mais função dos
políticos, mas para o cidadão fica
a pergunta: tudo bem, foi cassado,
mas, e daí?
O Senado interpretou que Luiz
Estevão não poderia ser preso enquanto a sua expulsão não fosse
publicada no "Diário Oficial".
Mas o Hildebrando não esperou
pelo "Diário Oficial", foi preso antes. O símbolo do senador sendo
cassado e imediatamente preso e
levado para uma prisão comum
porque não tem nível superior seria excessivo para o Senado. Mas
para a população seria o máximo.
É o símbolo maior da não-impunidade.
Folha - Você acha que a cassação
do Luiz Estevão foi um processo
isolado ou o Senado deve continuar a depuração interna?
Teixeira - Foi isolado. A minha
impressão é que foi um processo
isolado. A briga do ACM com o
Jader e a incapacidade do Luiz Estevão de politizar a sua defesa. É
algo a observar, mas acho que talvez tenha o efeito contrário no Senado. Agora chega. Já demos a
nossa parte, já cortamos na própria carne. É sempre esta a metáfora. O Luiz Estevão vai fechar as
portas para outras cassações.
Agora, a próxima vai demorar.
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